Opinião

A era do maior avanço tecnológico ou o início do retrocesso humano?

Ana Barros

Vivemos tempos extraordinários. A inteligência artificial promete transformar a forma como trabalhamos, comunicamos, investigamos e até como cuidamos da saúde. Mas enquanto tantos celebram os benefícios imediatos, poucos param para pensar nas consequências mais profundas, aquelas que não se medem em produtividade ou lucro, mas sim em valores humanos.

Partilho da mesma opinião que Geoffrey Hinton, considerado o “pai da IA”, que numa entrevista alertou para riscos existenciais com uma franqueza rara no meio tecnológico. Se alguém como ele, que ajudou a construir os alicerces da IA moderna está preocupado, então talvez seja altura de escutarmos com atenção.

Afinal o que a IA pode fazer por nós (em teoria)?

Não há dúvida de que a IA tem o potencial de nos libertar de tarefas repetitivas, acelerar descobertas científicas, melhorar diagnósticos médicos, automatizar processos e democratizar o acesso ao conhecimento. Tudo isto é real e positivo. Mas, a meu ver, é apenas uma parte da história, talvez a mais visível, mas não a mais importante.

Então, o que a IA está a fazer connosco (na prática)?

Hinton falou num ponto que ressoa profundamente com o que observo há anos: estamos a formar uma sociedade cada vez mais desligada de si própria. Já vivemos uma era marcada por crise de valores, isolamento social, perda de propósito e excesso de estímulo digital. A IA, se não for integrada com consciência, pode acelerar tudo isto com impactos devastadores.

A inteligência artificial para além de ameaçar substituir não apenas empregos, mas confesso que dou isso de barato, pois a história diz-nos que profissões vão e outras surgem, vai substituir acima de tudo funções cognitivas e emocionais humanas. Ao resolver por nós o que exige reflexão, dúvida ou emoção, a IA pode atrofiar a nossa capacidade de pensar criticamente, sentir empatia ou simplesmente de saber estar no mundo.

E estes são os riscos que não podemos ignorar:

  • Crise de propósito: se os algoritmos pensam, escrevem, criam e decidem por nós, o que sobra para os humanos?
  • Desemprego invisível: não apenas em fábricas ou call centers. Profissões intelectuais e criativas já estão a ser automatizadas, sem que se crie alternativa real. Estará o humano preparado para ser efetivamente humano?
  • Desinformação e manipulação: com IA generativa, criar fake news é tão simples quanto escrever um e-mail
  • Rutura ética e social: a IA cresce mais depressa do que a nossa capacidade de legislar, regular ou sequer compreender o seu impacto
  • Substituição relacional: quando delegamos o afeto, a escuta ou a companhia às máquinas (ou às mediações digitais), perdemos algo que nenhuma tecnologia consegue devolver – a nossa humanidade

Não estaremos nós a viver um retrocesso disfarçado de progresso?

A ironia é que, em nome do avanço, podemos estar a viver um retrocesso humano. Se não pararmos para refletir a nível pessoal, político e organizacional, corremos o risco de trocar o nosso maior património (a consciência, a empatia, o sentido de comunidade) por eficiência e conveniência. A IA pode ser uma ferramenta extraordinária. Mas só será verdadeiramente útil se nos ajudar a sermos mais humanos, e não menos.

Enquanto sociedade, temos de fazer perguntas desconfortáveis: O que queremos preservar? Que competências humanas são inegociáveis? Quem vai regular e como? Que tipo de educação precisamos para preparar as próximas gerações?

Não podemos deixar que o futuro se decida apenas em laboratórios ou conselhos de administração. O debate sobre a IA é urgente e deve envolver todos. Porque não se trata apenas de inteligência artificial. Trata-se do futuro da nossa espécie.

E a resposta não está em rejeitar a IA. Está sim em decidir com lucidez o que queremos amplificar: a inteligência da máquina ou a sabedoria humana? O futuro não é inevitável, a meu ver dever ser construído. E cabe-nos a nós decidir se queremos um amanhã mais eficiente ou mais humano.

Ana Barros,
CEO da Martech Digital

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