No início do ano a situação era crítica e o cenário esteve em cima da mesa, a ganhar por larga maioria: estava na hora de acabar com a Nutri Ventures, a marca que criou a única série portuguesa a ser comprada por dois canais norte-americanos, e com o selo de qualidade de Michelle Obama.
O investimento de 10 milhões de euros, para cinco anos, não estava a dar o retorno esperado e a entrada nos EUA já devia ter dado certo em 2015.
Muitas reuniões e conversas depois, os accionistas chegaram a um entendimento: a Nutri Ventures continua, mas não recebe mais dinheiro. Rodrigo Carvalho, um dos criadores da Nutri Ventures, revela que essa decisão levou a que todos os investidores assumissem o compromisso de se empenhar para, mediante as suas capacidades, colocarem o projecto na “Liga dos Campeões” do mercado televisivo mundial.
Desde então que os vários accionistas da empresa se têm multiplicado em contactos e a agendar reuniões para alcançar esse objectivo. Uma verdadeira task force em prol da alimentação saudável. E dos negócios. “Os investidores podem dar mais tempo às suas participadas para que o seu valor de mercado seja reconhecido”, confirma à FORBES João Pereira, director de investimento e responsável pela área de digital da Portugal Ventures, uma das primeiras a investir no projecto.
Por seu lado, Duarte Mineiro, da Armilar Ventures, realça que “a empresa tem uma coisa que as start-ups dificilmente têm, que é um activo”. Ambos os investidores sublinham ainda a experiência da equipa fundadora, que lhes dá alguma tranquilidade.
A Nutri Ventures tornou-se famosa através de uma série de animação infantil que gira em torno de práticas alimentares saudáveis.
Actualmente já é exibida em 40 países. Em Portugal é possível vê-la na RTP 2 – que na altura a co-produziu – e no canal Panda.
Além da série, há também merchandising e alimentos com o selo Nutri Ventures. Todos saudáveis, claro. O que falta, então? Conquistar o mercado norte-americano, e colocar a empresa noutro patamar. Foi por essa razão que Rui Lima Miranda, co-fundador da marca, se mudou de armas e bagagens para Nova Iorque, há cerca de três anos, com a mulher e os quatro filhos.
“Inicialmente fizemos a experiência com parceiros – tentámos três – para trabalhar a marca cá. Mas ninguém vai dedicar 100% de atenção a um produto que não esteja ‘confirmado’. Para um americano é importante estar aqui [nos EUA] a mostrar que estás mesmo de camisola vestida”, diz-nos Rui via Skype – durante meses tentámos agendar uma data em que os dois estivessem em Portugal, mas não foi possível.
Rodrigo divide o tempo entre Milão, onde está a mulher, e Lisboa, e Rui assentou nos EUA. Contudo, nem assim deixaram de falar em uníssono durante grande parte da conversa com a FORBES.
Contas simples
A Nutri Ventures resulta de uma cisão da Watermelon, uma empresa detida na totalidade por Rodrigo e Rui, e desde a sua fundação que contabiliza vendas acumuladas de 1,5 milhões de euros. Face aos 10 milhões de euros de investimento que angariaram desde então, não é um valor extraordinário.
Por isso, para que o projecto se torne viável – e rentável – é preciso multiplicar este número. E depressa. Rodrigo destaca o trabalho que já está feito e que torna o projecto bastante apetecível. “Acreditamos que a Nutri Ventures é uma grande oportunidade porque 80% dessas vendas foram feitas em Portugal (…) e já testámos tudo: já sabemos o que funciona e o que não funciona. Portanto, se extrapolarmos para uma geografia como os EUA, teríamos de multiplicar este número, pelo menos, por 15 – sendo conservador e pensando só naquele país”, atira no sotaque brasileiro que não perde mesmo após tantos anos em Portugal.
O negócio das propriedades intelectuais de entretenimento está nos acordos de licenciamento de merchandising e isso é algo que a Nutri Ventures está a procurar potenciar. “Por isso é que queremos fechar acordos de milhões – e para isso precisamos de parceiros estratégicos que nos garantam isso”, destaca Rui, sentado no seu sofá em Nova Iorque.
Para chegar à Big Apple foi preciso reunir com Michelle Obama, para que a sua associação os validasse, e só isso levou dois anos.
Bater a portas, fazer telefonemas inacreditáveis, como classificam, e falar com todas as pessoas possíveis e imagináveis foi a estratégia. Acabaria por ser Allan Katz, antigo embaixador norte-americano em Portugal, a dar um empurrão – Rui e Rodrigo falaram com ele antes de dar lugar ao seu sucessor e deram-lhe uma colecção de DVD Nutri Ventures.
O diplomata nem ligou muito, mas os filhos descobriram os vídeos e adoraram. Allan fê-los chegar à Casa Branca e Michelle rendeu-se: Rui e Rodrigo foram os primeiros não-americanos a conseguir uma parceria com a “Partnership for a Healthier America” iniciativa criada pela então primeira-dama americana para lutar contra a obesidade infantil. “Foi um endosso da organização de nutrição mais importante dos EUA. É o nosso certificado de qualidade dos produtos”, sublinha Rui.
Na ocasião, os dois portugueses conseguiram ainda fazer com que fossem criados os princípios fundamentais da nutrição porque, explicam, também se comprometeram a nunca apoiar produtos que não sejam saudáveis. Recentemente foram validados por um estudo da Universidade de Liverpool e da Universidade do Minho, que vai ser apresentado no dia 1 de Junho – Dia da Criança –, que demonstra que as crianças expostas a “conteúdos Nutri Ventures escolheram quase o dobro de alimentos saudáveis” do que as outras, lê-se no sumário executivo a que a FORBES teve acesso.
Gestão de expectativas
Mas no mundo dos negócios, não basta ter uma boa ideia e criar um negócio. No caso de Rodrigo e Rui, o que está a faltar para que o seu projecto ganhe estrutura são investidores estratégicos. Todos os que têm agora apaixonaram-se pelo projecto, acreditaram que tinha potencial, mas não conhecem o mercado. “Tenho pena que não tenha escalabilidade para atingir mais pessoas. Não fomos capazes de levar a empresa para esse nível”, lamenta o responsável da Armilar Ventures, admitindo que o investimento foi feito por efectivamente acreditar na causa.
“Mas somos especialistas em tecnologia…Não foi um bom investimento”, admite. “Mas acho que vai ser possível dar um bom destino à empresa”, realça, tranquilo. Rodrigo e Rui sabem que falharam o plano de negócios – “achávamos mesmo que conseguíamos entrar mais rápido nos EUA”, confessam os dois com um sorriso–, mas estão seguros de que vão conseguir levar o projecto a bom porto. E se até ao final do ano não conseguirem dar o salto, Rodrigo admite que o caminho passe por vender todos os activos. “Para mim e para o Rui é uma chatice porque basicamente podemos perder tudo. Mas somos empreendedores. Somos felizes. E às vezes a vida corre mal”, diz.
Para criar a Nutri Ventures Rui e Rodrigo pediram empréstimos bancários e hipotecaram as casas – foram 250 mil euros só para produzir a série. Talvez por isso, do outro lado do oceano, Rui interrompa: “Eu não seria tão drástico. Chegámos até aqui e agora pode ser o salto para a epifania. Se não conseguirmos, no limite fica como está”, garante.
Mais tarde, Duarte salientaria uma das vantagens da empresa: “A cada mês que passa, vão sendo emitidos mais episódios. Não se deteriora”. E se alguém quiser ficar com a Nutri Ventures, Rui e Rodrigo abrem mão sem problemas.
Aliás, ter nascido de um spin-off da Watermellon teve precisamente essa intenção – Rodrigo e Rui trabalham sempre assim: a ideia é criada e produzida na Watermelon e quando tem pernas para andar fazem uma cisão do negócio para que ganhe vida própria.
“Claro que sinto a Nutri Ventures como um bebé, mas tal como eles, precisa de muitos educadores”, explica Rodrigo. “Precisa dos pais, dos tios, de professores…e quanto mais cresce, menos precisa de nós. Nós queremos é ter mais bebés!”.
Rui é ainda mais peremptório: “Se formos precisos para ela atingir o seu máximo potencial, sim, ficamos. Se não formos, não…”, conclui com um sorridente encolher de ombros.