Em Abril vendeu a Silampos UK porque a oferta foi “altamente rentável”. A empresa britânica contava na altura com 50 trabalhadores e uma facturação de 23 milhões de euros (quase o dobro da empresa-mãe). Mas se a proposta tivesse aparecido há 10 anos, a resposta de Aníbal Campos, muito provavelmente, seria um redondo não.
O presidente da Silampos quer acreditar que a empresa teria sobrevivido e crescido de igual forma na última década sem o “braço” por terras de Sua Majestade, mas com certeza teria trilhado um caminho bem diferente.
Na década de 1960, depois de ter ido a França ver o que lá se fazia em termos de inovação tecnológica, de ter a seu favor um mercado nacional protegido e de apostar numa campanha publicitária na televisão, a Silampos dá um passo de gigante. Em 1961 fabrica a primeira panela de pressão em Portugal, que vende como pão quente, muito por força do investimento que fez no spot televisivo da “Linda Carochinha e do João Ratão”. “Diz a história tão velhinha que o João Ratão caiu no caldeirão, mas se fosse hoje tudo mudava, nas cidades e nos campos. O João Ratão não se queimava porque já tinha uma Silampos”, diz Aníbal.
A Carochinha e o João Ratão protagonizaram o primeiro anúncio televisivo em banda desenhada feito em Portugal. Mas a Silampos não só introduziu a panela de pressão em Portugal como também a louça em aço inoxidável. E fez igualmente furor em Inglaterra, numa altura em que este mercado comprava louça esmaltada e de alumínio. “Também fomos pioneiros nisso. Um distribuidor colocou a Stellar no topo. Chegámos a vender seis contentores por mês para Inglaterra”, recorda o presidente da Silampos.
Quando comprou a empresa de distribuição no Reino Unido (sedeada em Bristol), Aníbal, que é filho de um dos fundadores da empresa de Cesar, freguesia do concelho de Oliveira de Azeméis, recorda que ouviu várias vozes dissuasoras do negócio. Foi-lhe dito que “as coisas podiam acabar mal porque era uma pulga a comprar um elefante”. Mas o empresário não se deixou abalar e seguiu em frente com a estratégia de internacionalização da Silampos.
Em 2000 realizou um forte investimento em Inglaterra na área da distribuição, constituindo a Silampos UK em parceria com o então Fundo para a Internacionalização das Empresas Portuguesas (FIEP), criado pelo governo de António Guterres, hoje AICEP Capital Global, e a equipa de gestão local. Não demorou muito até que a unidade de Bristol ultrapassasse a fábrica de Cesar em facturação.
A Silampos UK adquiriu depois as empresas inglesas Horwood Homewares e Kaufmann, e no início de 2010 a Silampos adquiriu a participação que a AICEP Capital Global detinha na Silampos UK. “Vendemos em Abril a empresa que tínhamos em Inglaterra e a marca Stellar, líder de mercado. E vendemo-la extremamente bem. Primeiro porque as coisas devem ser vendidas quando estão bem e não quando estão mal. Segundo porque o management local, que fazia parte da sociedade, estava a reformar-se ou em vias disso e achávamos que podíamos correr ali alguns riscos”, conta Aníbal.
Internacionalizar sempre
O momento da concretização da venda da unidade britânica também não podia ter sido melhor. Meses depois de fechar o negócio chegava o Brexit e a decisão da saída do Reino Unido da União Europeia. Aníbal prefere não revelar valores, apenas que os compradores são indianos e que serão seus clientes, continuando a fabricar a Stellar.
O acordo também prevê que a marca Silampos não seja vendida no Reino Unido nos próximos três anos. Apesar do desafogo financeiro – a venda da Silampos UK dotou a empresa portuguesa de meios próprios para expandir-se sem estar dependente da banca –, a vontade de crescer continua a ser muita. Actualmente está a concluir um projecto de investimento de cerca de 3 milhões de euros e a desenhar um novo para concretizar em dois anos, que passa pela internacionalização da marca. “Queremos que a empresa esteja representada de forma permanente em determinados mercados asiáticos e árabes”, sublinha o presidente da Silampos.
Com uma forte presença nos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Norte de África e Jordânia, a empresa quer poder abraçar ainda mais o Koweit, Qatar e Omã, por exemplo. Além disso, está a entrar em Taiwan e na China, a procurar ser mais forte na Coreia do Sul e na Indonésia.
Embora a Silampos venda hoje para 50 países, na óptica dos irmãos Campos ainda há muito mundo para conquistar. Não obstante, os cinco grandes clientes da marca portuguesa são: Espanha, França, Inglaterra, Argélia e países árabes, com destaque para o Egipto.
O principal mercado árabe da Silampos é a Argélia, mas as vendas no Norte de África vão desde Marrocos ao Egipto. No Médio Oriente, Arábia Saudita e Dubai são os principais clientes. Igualmente importante é o negócio em Angola.
Aníbal revela à FORBES que prevê que o volume de negócios da empresa cresça este ano comparativamente ao exercício anterior. Contudo, “esperava um maior crescimento das exportações”, que têm um peso de 60% nas vendas.
O que está a baralhar as contas são mercados como Angola, por causa da crise cambial e da escassez de divisas, Egipto e França, que “são muito proteccionistas”. Hoje, o private label (marcas de clientes) “está a crescer muito” na Silampos e os clientes são sobretudo da Europa. O empresário de Cesar diz que este é o resultado da desindustrialização da Europa.
“Estamos a fabricar para grandes marcas internacionais que têm necessidade do made in Europa para ganhar em valor e não em quantidade. Neste momento, o private label pesa cerca de 30% na produção da empresa. Curiosamente, nos países árabes, a preferência recai no made in Portugal”, revela Aníbal, que também vê oportunidades na China: “Acredito que haja marcas chinesas com necessidade de ter um produto fabricado na Europa”.
Os ensinamentos do pai
Aníbal é também o presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), que representa o sector campeão das exportações portuguesas (14,6 mil milhões, ou seja, 30% das exportações nacionais).
Está no terceiro e último mandato (por decisão própria), mas antes disso foi vice-presidente da AIMMAP durante 15 anos. Chegou à presidência da associação quando António Saraiva saiu para presidir a Confederação Empresarial de Portugal. “É um dos empresários que mais admiro e respeito no país. Não só manteve a Silampos numa posição de referência como a elevou ainda mais, num mercado altamente concorrencial e desigual. Além disso, ainda dedica muito do seu tempo ao associativismo empresarial, imprimindo à associação a que preside (AIMMAP) um notável dinamismo, fazendo com que a mesma seja, igualmente, uma referência nacional”, sublinha António Saraiva.
Hoje, a Silampos está a apostar no multilayer para o segmento de topo (louça metálica com aço e alumínio no interior). “É um dos grandes futuros da cozinha”, vaticina o empresário. Para 2017 está agendado o lançamento de uma nova panela de pressão. Aníbal diz que vendem por dia 600 panelas de pressão e que os grandes clientes são Portugal, França e países árabes. Entre as novidades, o garden grill (grelhador exterior a gás) está em alta nas Canárias e na Grécia.
Outro dos artigos que também está a vender muito bem é a cataplana. Aníbal, que aprendeu a ler aos 5 anos com o pai do governador do Banco de Portugal – a quem também deve o facto de ser benfiquista, pois os textos que lia eram as notícias sobre o Benfica no já extinto jornal O Primeiro de Janeiro -, adianta que, apesar dos muitos desafios que a empresa tem, o maior de todos é preparar a terceira geração: a filha está no marketing, o filho na gestão das operações, um sobrinho no departamento comercial e o outro na área ambiental.
O engenheiro mecânico que divide a gestão da Silampos com a irmã Julieta, economista, diz que ambos foram preparados pelo pai. Dos muitos ensinamentos que retém destaca duas experiências muito importantes. Uma foi quando o seu pai comprou a empresa. “Pediu o dinheiro todo à banca, com juros de 20%, que depois estavam em 40% e, com isso, a dívida duplicou. O que fizemos foi pedir mais dinheiro à banca para aplicar o fundo térmico.”
Outra foi quando a empresa arriscou um investimento de mais de 1 milhão de contos (cerca de 5 milhões de euros), em mais tecnologia. Aníbal destaca ainda que a Silampos sempre tomou a decisão de fazer grandes investimentos durante períodos de crise.
“Chegamos à conclusão, sem ser cliché, que é nos momentos mais difíceis que surgem as grandes oportunidades”, diz.
E o futuro? “Todos os cenários estão em aberto. Gostava da continuidade familiar, mas também se há 10 anos me perguntassem se eu vendia a empresa de Inglaterra dizia que não”.