Claude Berda, Pierre Castel e Sandra Ortega têm pelo menos duas características em comum. Uma é que são detentores de fortunas avaliadas em milhares de milhões de euros e a outra é que estão todos a aplicar parte delas em imobiliário nacional.
Depois do apagão proporcionado pela crise económica, Portugal está de volta ao radar dos grandes investidores do mercado imobiliário.
Além dos milionários, os grandes fundos estrangeiros de investimento multiplicam esforços para entrar na corrida que começou no segmento da habitação, mas que, entretanto, propagou-se aos segmentos comerciais: só nos dois primeiros meses deste ano, a aquisição do Fórum Sintra, do Sintra Retail Park e do Fórum Montijo pela gestora de centros comerciais Immochan à Blackstone, e a aquisição do Dolce Vita Tejo pela Axa Real Estate, totalizaram 800 milhões de euros, um valor que antecipa mais um ano sólido para o sector. “O mercado está a viver um bom momento”, diz Marta Costa.
Para a responsável do departamento de Research & Consultoria da Cushman & Wakefield, “verifica-se um aumento muito sólido da procura, o que dá imensa confiança aos investidores”.
Segundo os dados da consultora, em 2017 o investimento em imobiliário comercial ascendeu a 2,1 mil milhões de euros, o valor mais elevado de sempre, e tendo em conta que os negócios realizados nos primeiros dois meses do ano representam cerca de 40% do valor global transaccionado no ano passado, a consultora estima que este ano o bolo supere os 3 mil milhões de euros.
“É o melhor momento dos últimos 30 anos”, diz Luís Carita, administrador da Silvip, a sociedade gestora responsável pela gestão de um dos fundos imobiliários abertos de rendimento mais antigos em comercialização, o Valores e Investimentos Patrimoniais (VIP).
Para quem tem avultadas quantidades de dinheiro, a compra directa de imóveis para posterior arrendamento é a forma mais simples de entrar no actual ciclo ascendente do mercado, mas para quem não é milionário, os fundos de investimento imobiliário abertos – que aceitam novos subscritores – são o bilhete de entrada num sector onde reinam os investimentos de milhares e milhões de euros.
Através destes instrumentos é possível investir numa carteira diversificada por prédios de escritórios, hotéis, hipermercados e hospitais, entre outros, a partir de 500 euros. Todavia, apesar de não exigirem uma fortuna e de terem uma gestão profissional, o passado recente destes produtos financeiros obriga a uma escolha atenta e criteriosa dos investidores.
Passado tremido
De acordo com os dados da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), no último ano, os fundos imobiliários abertos registaram uma taxa de rendibilidade média bruta de 3,4%, a primeira positiva desde 2012.
Apesar de serem constituídos por activos reais, a categoria teve nos últimos cinco anos uma das mais difíceis conjunturas da sua história, defraudando os investidores com perdas avultadas e algumas práticas de gestão geradoras de desconfiança.
Até à crise de 2008, os fundos imobiliários abertos apresentaram níveis de volatilidade semelhantes ou até inferiores à taxa de juro Euribor, o que levava os subscritores a verem-nos como uma aplicação inabalável. “Durante muitos anos, os grandes grupos financeiros que distribuem os fundos venderam-nos como depósitos a prazo e isso foi um grande erro”, diz Luís Carita.
Nestes fundos, o valor das unidades de participação que os constituem variam de acordo com as rendas
e o valor dos imóveis em carteira. Na generalidade, as entidades gestoras optam por adquirir imóveis comerciais, pertencentes aos segmentos de escritórios, retalho ou logística (armazéns).
“A habitação tem um retorno histórico inferior”, justifica Pedro Coelho, administrador da Square Asset Management. Porém, com a crise económica, o preço dos imóveis desceu a pique, e o consequente abrandamento da actividade empresarial levou as rendas pelo mesmo caminho, colocando à prova a estabilidade da indústria.
Entre os fundos imobiliários fechados – que não aceitam novos investidores – houve várias falências e entre os abertos houve várias liquidações. Para ter uma ideia, no final do ano existiam 116 fundos imobiliários em actividade quando em meados de 2008 chegaram a existir 155.
Entre os fundos abertos, um dos que mais sofreu foi o NB Património, gerido pela sociedade gestora Grupo Novo Banco Gestão de Activos (GNBGA), ex-Espírito Santo Activos Financeiros. Entre 2013 e 2017, o fundo outrora denominado GES Património ganhou valor apenas num ano e, em 2015, perdeu mais de 28%, um desempenho impensável que não ficou à margem dos problemas do Banco Espírito Santo, que levaram ao resgate do banco em 2014.
Como após qualquer terramoto, seguiram-se as réplicas. Defraudados, os investidores fugiram em massa e, em meados de 2015, existiam pouco mais de 50 mil subscritores quando cinco anos antes eram mais de 130 mil. A fuga originou uma crise de liquidez.
Como um imóvel não se transacciona como título cotado em Bolsa, os fundos viram-se de repente a recorrer ao endividamento para fazer face à avalanche de resgates. Por regra, os fundos imobiliários podem recorrer ao crédito até um montante equivalente a 25% do valor dos activos em carteira, mas a solução só agravou o problema.
Como explicou fonte do GNBGA, “as perdas entre 2014 e 2016 deveram-se à elevada dívida que obrigou o fundo a alienar parte importante dos seus activos num momento desfavorável do mercado para a amortizar”.
Embora mais acentuado no NB Património, o abalo foi geral e mostrou que os “fundos do betão” não eram tão sólidos como os comercializadores apregoavam. Ficou a lição, mas também ficaram à vista quais os que tinham os alicerces mais sólidos.
Ligações perigosas
Existem mais de uma centena de fundos imobiliários, mas apenas 13 permitem novas subscrições, e não é preciso mais do que uma mão para contar os que têm retornos históricos merecedores da atenção dos investidores.
Um deles é o CA Património Crescente, um fundo de acumulação gerido pela Square Asset Management, e comercializado pela Caixa de Crédito Agrícola: desde que começou a ser comercializado, em 2005, este fundo da responsabilidade da equipa liderada por Pedro Coelho nunca registou um ano de perdas. Qual o segredo? “A independência da sociedade gestora face ao banco comercializador é uma delas”, diz.
A relação entre a entidade gestora e o banco comercializador e ou depositário – onde estão domiciliadas as unidades de participação do fundo – é um pau de dois bicos. Por um lado, o banco comercializador pode servir de previdência à liquidez necessária para enfrentar uma avalanche de resgates e evitar a venda de património ao desbarato.
Na Silvip, Luís Carita não se pode gabar do mesmo. A Caixa Económica Montepio Geral detém 25% do capital da sociedade gestora, mas o gestor não se cansa de elogiar a relação da sociedade com o accionista. “É uma relação muito importante e estratégica”, sublinha.
Mesmo no período mais agudo da crise, o VIP nunca deixou de pagar os rendimentos trimestrais aos seus subscritores, ao contrário de alguns dos seus congéneres. Porém, a relação entre sociedade gestora e banco comercializador ou depositário pode ter um lado mais perverso.
A exposição excessiva a activos afectos directa ou indirectamente à actividade do “parceiro” é um exemplo. No caso do CA Património Crescente, o peso da Caixa de Crédito Agrícola no portefólio ronda os 7%. “É a sede, situada na rua Castilho, em Lisboa, e uma agência”, justifica Pedro Coelho, adiantando que a sede do banco foi o primeiro e activo do fundo.
Mas, do lado oposto, o NB Património, que no prospecto é claro ao avisar que investe em agências bancárias, o peso dos activos afectos directa ou indirectamente ao Novo Banco é de 37%.
Fonte da sociedade gestora do fundo defende que “por norma, as agências dos bancos estão localizadas em zonas prime pelo que não são difíceis de vender ou arrendar”. No entanto, no final de 2017, o fundo tinha uma das maiores taxas de imóveis não arrendados (28%).
Com pior indicador, só os fundos Carteira Imobiliária, o CA Imobiliário e o AF Portefólio Imobiliário. Mas não necessariamente devido a aquisições menos favoráveis para os subscritores, simplesmente devido a maus inquilinos. No AF Portefólio Imobiliário, a AF Investimentos, antiga sociedade gestora do banco comercializador, deve-lhe cerca de 1 milhão de euros em rendas.
Comprar bem não chega
Na gíria dos negócios, costuma-se dizer que o segredo está na compra, mas nos fundos imobiliários não é suficiente. “Essa lógica aqui não funciona. Um imóvel bem localizado com um mau inquilino, rapidamente se torna um mau negócio”, explica Pedro Coelho.
No imobiliário comercial, Lisboa e Porto continuam a ser zonas à parte do resto do país. “A recuperação que se está a fazer sentir em Lisboa e Porto ainda não é visível noutras localidades do país”, afirma Luís Carita. “Dantes, um imóvel na periferia de Lisboa podia fazer sentido, agora, se calhar, não.
Isto vai por fases, primeiro as grandes cidades e depois vem a periferia”, adianta, dando como exemplo um imóvel que o fundo detém no valor de 11 milhões de euros – 4% do valor da carteira – situado na Quinta da Mirabela, na zona do Jamor, no município de Oeiras. “Após algum tempo devoluto foi alvo de alterações e está agora a receber ofertas”, diz, adiantando que o fundo está numa fase de reestruturação do património.
Já para Pedro Coelho, a qualidade do inquilino e a extensão do contrato de arrendamento são os dois maiores factores de sucesso.
“Prefiro ter um imóvel em Freixo de Espada à Cinta arrendado à Sonae do que um excelente edifício no centro de Lisboa com um contrato de curto prazo”, adianta. Cerca de 55% das rendas auferidas pelo fundo advém de contratos de longa duração com grandes empresas. Mas é também preciso estar atento às novas tendências.
Segundo Marta Castro, o turismo trouxe ao mercado os hotéis, um novo segmento ao qual se juntam hospitais e em breve as residências de estudantes, entre outras.
“É preciso estar atento a estes novos segmentos”, diz. Pedro Coelho e Luís Carita estão. No CA Património Crescente, o segmento da hotelaria pesa já mais de 10% do portefólio do fundo.
Já no VIP, um dos activos reveladores das novas tendências é o Trofa Saúde Hospital, avaliado em 24 milhões de euros. Seja qual for a estratégia, ambos os gestores reconhecem a oportunidade actual de investimento. “Está na hora dos investidores regressarem os fundos imobiliários”, diz Pedro Coelho. De uma forma geral, tanto o valor dos imóveis como as rendas estão a subir. Marta Costa atesta-o. “É um movimento transversal a todos os segmentos. Só na logística é que ainda não se fez sentir”, explica.
É o que dizem as yields. Este indicador que mede a taxa de rendibilidade com base no coeficiente entre o valor das rendas recebidas e o valor do imóvel tem vindo a subir revelando uma acentuada valorização dos imóveis, mas é claro para os agentes que há espaço para as yields continuarem a descer, sobretudo nos segmentos de escritórios e logística.
Novas regras, mais confiança
Além do bom momento do mercado, os investidores contam com um novo conjunto de regras, estabelecidas pelo regime jurídico aprovado em 2015, que lhes confere maior protecção. “Veio melhorar muitas coisas e impedir que se repitam algumas asneiras do passado”, afirma Pedro Coelho.
Por exemplo, ao contrário do permitido anteriormente, os fundos imobiliários abertos já não podem investir em terrenos, sociedades imobiliárias não cotadas, nem em fundos fechados. “São três alterações que vieram obrigar os fundos a ter activos mais líquidos”, explica o Administrador da Square Asset Management.
Alguns fundos, como o AF Portefólio Imobiliário e o Novimovest ainda possuem em carteira terrenos adquiridos antes da entrada em vigor das actuais regras. Este último tem até uma posição de 3 milhões de euros, cerca de 1% do valor global do fundo, num congénere fechado, o Maxirent.
No entanto, a alterações que mais clareza trouxeram à indústria foram as novas regras de avaliação. “Agora os fundos são avaliados anualmente, o que confere mais transparência ao valor do portefólio”, defende Luís Carita.
No regime anterior, os activos dos fundos eram avaliados apenas de dois em dois anos e existia a possibilidade de a sociedade gestora registar o activo por um valor entre o custo de aquisição e a média das duas últimas avaliações, o que dava uma estabilidade fictícia ao valor do fundo.
Somada à periodicidade das avaliações, o património dos fundos já não pode ser avaliado pela mesma entidade como permitia o anterior regime e o mesmo avaliador não pode avaliar duas vezes seguidas o mesmo imóvel.
Ambas as medidas vieram acrescentar volatilidade aos fundos, mas também mais transparência. “Os fundos de investimento imobiliário foram concebidos para serem os produtos financeiros acima dos depósitos a prazo em termos de risco e rendibilidade e é assim que devem ser apresentados aos potenciais subscritores”, defende Luís Carita, sublinhando que o balanço que faz das novas regras é positivo, ainda que algumas não reúnam o consenso e possam até ser contraproducentes.
Janelas com má vista
Se há algo que não mudou na indústria é a pesada estrutura de comissões. À entrada, os prospectos simplificados publicados recentemente no site da CMVM, revelam um esforço para angariar subscritores.
São vários os fundos que, embora temporariamente, isentam os subscritores de pagar comissão de subscrição, só é possível escapar ao fim de um longo período de investimento e nem sempre.
No AF Portefólio Imobiliário, só é possível escapar à comissão de resgate ao fim de cinco anos de investimento e no Fundimo, um fundo de rendimento, tal como o VIP, é sempre cobrada uma comissão de 2% sobre o montante regatado, seja qual for o prazo.
Este fundo até apresenta um desempenho histórico interessante, mas este custo é devastador quando comparado com o concorrente VIP, que nas rendibilidades passadas até fica ligeiramente atrás.
Devido a estes velhos e maus hábitos, é imperativo ler o prospecto dos fundos antes de investir. Mas não só. Com o novo regime, todos os fundos foram obrigados a criar janelas de resgate e a definir uma ou duas datas anuais em que liquidam os resgates solicitados.
Com esta regra, o legislador procurou facilitar a gestão da liquidez aos fundos, mas complicou a vida aos subscritores. Para Luís Carita, “as janelas de resgate vieram defender o valor dos fundos e libertar a gestão da pressão da liquidez”. Percebe-se a preocupação.
Os imóveis não são um activo líquido e a história recente já demonstrou o efeito das avalanches de resgates, mas se é uma regra boa para a gestão, não é abonatória para os subscritores. Para Pedro Coelho, crítico da obrigação imposta aos fundos, “a CMVM devia ter criado bandas de valor, de forma a que as pequenas poupanças, até 20 mil euros, por exemplo, não ficassem sujeitas às janelas de resgate”.
Como os pedidos de resgate têm de ser realizados num período superior a seis meses antes da data estipulada da liquidação, em alguns casos, o período entre o pedido e a sua efectivação pode levar mais de 18 meses.
Para quem tem muito dinheiro aplicado, optar por um fundo que distribuía rendimentos periodicamente pode atenuar o problema, mas para quem pretende capitalizar pequenas poupanças é contrapruducente a uma indústria que está no processo de recuperação da confiança dos investidores.
Por enquanto, além do bom momento do mercado, os fundos imobiliários estão bem posicionados na comparação com os produtos aforro de baixo risco, como as obrigações. Todavia, começam logo a perder pontos “na secretaria”.