Gil Azevedo, licenciado em Engenharia e Gestão Industrial pelo Instituto Superior Técnico, está como diretor executivo da Startup Lisboa e gere o projeto Fábrica de Unicórnio. Afirma que acredita que o ecossistema vai crescer através das ligações internacionais, através de duas formas: aproveitando o regresso dos expatriados nacionais, que trazem muito conhecimento ou então através de ligações em rede com outras cidades europeias.
Diz ainda que o programa de scallingup da Startup Lisboa já estabeleceu parcerias com 32 investidores nacionais e internacionais, e que tem vindo a fazer um esforço de crescer com investidores internacionais, pois é isso que o ecossistema precisa. Criar hubs verticais, em áreas em que Portugal se possa destacar e competir com os grandes centros internacionais é a próxima aposta, tudo com o objetivo de conseguir criar uma rede de colaboração que ganhe escala.
Está como diretor executivo da Startup Lisboa desde maio de 2022. Que balanço faz desta sua entrada na organização e que marcas de liderança é que está a deixar neste projeto?
Entrei neste projeto mesmo no início do fim da pandemia. Este ecossistema, tal como a StartUp Lisboa, acabou por atravessar aqui um período difícil, pois as pessoas estavam em casa e este ecossistema vive muito do networking, das conversas entre as pessoas com ideias de forma a decidirem criar uma startup, e de encontros entre investidores e empresas. Foi, de facto, um momento muito difícil. Os dois grandes objetivos iniciais foi conseguir voltar a pôr a StartUp Lisboa como o grande dinamizador do ecossistema e em segundo lugar lançar este projeto que é a Fábrica de Unicórnios de Lisboa para se conseguir expandir e passar de uma fase em que temos um ecossistema bem desenvolvido na fase inicial ou early stage, para um ecossistema mais relevante ao nível do crescimento, do growth stage, a nível internacional.
Esta foi, portanto, a missão que o motivou a aceitar este desafio. Fale-nos um pouco de si e do seu percurso profissional, antes de líderar a Starup Lisboa…
Tirei o curso de Engenharia e Gestão Industrial no Instituto Superior Técnico e iniciei pelo mundo da gestão, e estive como consultor da McKinsey durante 10 anos. Em 2011, decidi ir para o Médio Oriente e juntei-me a um banco, primeiro na área de estratégia, depois fiquei responsável pela área de produto. Dentro dessa instituição aceitei também a responsabilidade de liderar e criar unidades na área da inovação, digital, costumer inteligence. Depois de 10 anos no Dubai, achei que era uma boa altura de regressar a Portugal e este foi um projeto que me aliciou. Foi apaixonante pensar que podia trazer para Portugal os meus conhecimentos de consultoria e de inovação. Trouxe experiência de um país, os Emirados Árabes Unidos, que ambiciona estar sempre à frente na inovação e queria trazer um pouco desse espírito para este ecossistema. É um país que tem relativamente a mesma população de Portugal, cerca de 10 milhões de pessoas, mas que precisa atrair o talento de fora, enquanto Portugal já tem o talento dentro. Por isso, se formos capazes de trabalhar em conjunto, conseguimos ter resultados muito significativos.
Falando mais concretamente da Fábrica dos Unicórnios, em que fase é que está? Começou com oito projetos e tem a ambição de ter mais de 20 por ano…
A Startup Lisboa tem quatro grandes áreas de atuação. A primeira é a de apoiar startups numa fase inicial, com o programa de incubação na StartUp Lisboa. Temos depois outra área de apoio a empresas, esta já na fase de crescimento e internacionalização, a Fábrica de Unicórnios, que tem programa a que chamamos de Scalling Up. Este programa recebe 6 a oito scaleup por edição e como fazermos três edições ao ano, daí a ambição de apoiar as 20 a 25.
Em terceiro lugar, temos a parte de apoio a empresas internacionais e a delegações internacionais para que possam conhecer o nosso ecossistema, contribuir para que possam vir para Portugal, fazendo uma transição o mais suave possível. Em quarto lugar – e este é o nosso próximo passo – temos os innovations hubs, as comunidades de inovação. Como Lisboa não tem a escala de Berlim, Londres, já para não falar dos Estados Unidos, temos de ser capazes de ter algumas áreas em que podemos ganhar massa crítica por forma a competir com esses grandes centros internacionais. Neste projeto incluímos o Hub Criativo do Beato e estamos a trabalhar com mais parceiros para conseguir criar áreas mais fortes dentro do nosso ecossistema.

Das empresas ligadas à Fábrica de Unicórnios, quais é que estão bem posicionadas para atingir essa grande escala e tornarem-se unicórnios?
Como já disse, neste programa, temos a missão de apoiar 20 a 25 scaleups por ano. Fazemos um processo de seleção que tem por base o estágio em que já estão e o potencial que têm para crescer. Procuramos scaleups que já tenham tido rondas de investimento relevantes, que já tenham passado pelo crivo dos investidores, que comprovam que há um percurso de crescimento e que tenham uma equipa montada e estruturada de forma a fazer face aos diversos desafios que o crescimento tem. Estas precisam ter um produto com receitas, que demonstre que a solução tem mercado, e por fim, ter foco de crescimento da equipa sénior. Tivemos a sorte de atrair mais de 100 candidaturas neste primeiro ano e acabamos por apoiar apenas 24, que era o máximo que conseguíamos. Mas acreditamos muito no potencial de todas elas. Especificamente na primeira edição – nas oito primeiras -, só nos últimos oito meses connosco levantaram mais 40% de fundos no mercado. Todas elas têm crescido. O programa também as apoiou a estabelecerem parcerias com clientes importantes para poderem crescer. Duas das empresas eram internacionais e decidiram mudar-se para Lisboa. Ou seja, o resultado da primeira edição foi excecional e até acima das nossas expetativas.
Como é que é possível evitar que as startups com potencial de unicórnio saiam de Portugal, como já aconteceu? É que dos sete unicórnios de ADN nacional, só um tem cá a sua sede…
Essa é uma discussão muito complexa, porque depende do quadro regulatório do país, da legislação, depende da capacidade de atrairmos investidores internacionais, depende também do sistema judicial e da celeridade do sistema. Ou seja, este tema requer trabalho de várias entidades e de uma forma coordenada e rápida. Acreditamos que mesmo que muitas delas acabem por ter de mudar para fora sua sede, a nível de emprego e de investimento todas deixam cá uma parte muito relevante. Dos sete unicórnios apenas a Feedzai tem cá a sua sede, mas todos eles têm equipas muito relevantes em Portugal e têm investido cá. A Farfech criou uma fundação de apoio a Portugal, a Sword Health criou um fundo de investimento para startups portuguesas na área de impacto, portanto, beneficiamos de qualquer forma, como país e como economia. Podíamos beneficiar mais, mas isto requer, de facto, um esforço muito concertado entre todas as entidades por forma a criar esse ambiente regulatório que permita as startups ficarem dentro de fronteiras.
Mas esse ambiente está a ser trabalhado? Nota-se alguma alteração positiva nos últimos anos?
Nota-se sim, claro. A Lei das Startups, que foi aprovada já este ano, é um passo importante, mas é só um primeiro passo. Ainda deixa de fora áreas que são muito importantes para as empresas num estágio mais avançado. Esta lei já responde às necessidades das startups numa fase mais inicial, mas se quisermos ter a ambição de ser sede de grandes empresas, temos de dar mais passos. Ou seja, temos de continuar a trabalhar todos em conjunto.
Qual tem sido a adesão dos investidores aos projetos nacionais associados ao programa da Fábrica dos Unicórnios?
Temos um ecossistema que tem a grande vantagem de ser muito colaborativo. Os investidores portugueses já estão muito próximos das incubadoras, dos players, e acabam todos por se conhecer. Para os investidores internacionais, projetos como os nossos são muito interessantes. Pela primeira vez conseguimos falar em conjunto com investidores internacionais, que quando vinham a Portugal tinham de falar individualmente com cada empresa. Mas nós conseguimos ter um portefólio de 24 empresas, isto só no primeiro ano, e é por isso importante para o investidor saber o que temos no nosso portefólio e encontrar assim oportunidades de investimento. Isto acaba por ser assim um ciclo virtuoso pois à medida que vamos crescendo também atraímos mais investimento. No nosso programa de scallingup já temos 32 investidores em parceria formal connosco, quer nacionais, quer internacionais, e temos vindo a fazer este esforço de crescer com investidores internacionais, pois é isso que o ecossistema precisa.
Quais são os projetos futuros que têm para a StartUp Lisboa e para a Fábrica de Unicórnios?
O projeto que temos agora em curso é criar estas comunidades verticais, ou hubs verticais, em áreas em que Portugal se possa destacar e competir com os grandes centros internacionais. É um trabalho que temos vindo a fazer com inúmeros parceiros e stakeholders à volta de cada um destas comunidades, por forma a conseguir criar uma rede de colaboração que ganhe escala. Não acredito que sozinhos consigamos criar impacto, só o conseguimos se atuarmos em conjunto. É essa a nossa prioridade de curto prazo. Mais para a frente acreditamos muito que o ecossistema vai crescer através das ligações internacionais. Aqui há duas formas: aproveitar os expatriados nacionais que já estão no país – nos últimos anos têm regressado pessoas séniores, com muito conhecimento que podem dar ao nosso ecossistema -, ou então através de ligações em rede com outras cidades europeias, e não só. As startups que entrem nesta rede beneficiam do apoio local de cada um dos ecossistemas, tendo assim formas de apoio ao crescimento.

De que forma a Web Summit está a contribuir para colocar o empreendedorismo nacional no mapa mundial?
Quando estava no Dubai, não tinha grande contacto com o Web Summit, sendo que o ano passado foi a primeira vez que estive como participante. Vejo que, de facto, tem tido um papel muito importante para o ecossistema, porque é a forma, por um lado, de as startups portuguesa se mostrarem de uma forma condensada e rápida a nível global, mas também permite que todos os ecossistemas internacionais nos conheçam e saibam o que andamos a fazer. Temos de aproveitar este período em que estamos na moda e estes eventos ajudam a criar as fundações para que possamos ser um ecossistema relevante de inovação.
Qual tem sido a evolução sentida no ambiente de empreendedorismo em Portugal?
Os números não deixam margem para dúvidas: nos últimos 18 meses tivemos 54 empresas internacionais de tecnologia a estabelecer operações em Portugal, 12 unicórnios internacionais a instalarem-se em Lisboa, o que demonstra o caminho e o esforço está a dar os seus resultados. Temos neste momento estas 24 scaleups associadas ao programa em que acreditamos muito no crescimento de todas e o programa ajudou a prepararem-se melhor para esse crescimento. O feedback do programa foi excecional, todas recomendaram o programa para outras scaleups. Este percurso está a ser feito de uma forma muito consistente entre todo o ecossistema.
Lisboa é candidata a capital europeia da inovação. O que muda se Lisboa ganhar e onde poderá ser aplicado o prémio de um milhão de euros?
Já passamos por duas fases de candidatura: passamos a semi-finalistas e depois disso fomos selecionados como um dos três finalistas, a par com Levive, na Ucrânia, e Varsóvia, na Polónia. Esta concorrência é fortíssima e por isso estamos muito ansiosos com o resultado, que é anunciado a 27 de novembro. Se ganharmos, vamos ter maior visibilidade do ecossistema e vai nos ajudar a dar passos mais rápidos, pois um milhão de euros é um valor bastante relevante para poder criar mais programas e criar mais o ecossistema. Se não ganharmos, sabemos que estamos no bom caminho, pois chegámos aos três finalistas.
Acolheram o projeto Women in Tech. Que percentagem de mulheres é que estão ligadas à criação de startups e qual a importância deste projeto para as mulheres na tecnologia?
Infelizmente este é ainda um mundo essencialmente de homens. Em média temos 25% de projetos com mulheres como fundadoras, um número ainda manifestamente pequeno. Se já conseguimos ter este crescimento com apenas 25% de mulheres, se conseguíssemos dobrar o número de mulheres fundadoras tínhamos muito mais startups e até em áreas que provavelmente não estamos agora a cobrir. Portanto, temos todos a ganhar ao conseguir tornar o ecossistema mais diverso. E até vou mais além do género, falo também de nacionalidades, de diferentes backgrounds. Se formos capazes de alargar a atratividade deste meio a todos, o bolo também cresce e todos beneficiam. As iniciativas que temos vindo a fazer neste âmbito têm tido um papel muito importante e são fundamentais.
O que pode ser feito para atrair as mulheres para o mundo da tecnologia e para a fundação de startups?
Creio que há duas grandes áreas onde poderemos atuar. Uma delas é através de programas como a Women in Tech, ou outros programas de ideação e de aceleração que são destinados a mulheres. Ou seja, as ideias estão lá, o que é preciso é ajudar a dar o passo em frente. Esses programas ajudam imenso. As mulheres talvez achem que este é um mundo de homens, e ao ter estes programas demonstram que não é, muito pelo contrário. Aliás, temos startups e scalleups incríveis fundadas por mulheres.
A outra área são as universidades. Temos um grande foco, a partir deste ano, de conseguir passar esta mentalidade empreendedora nas universidades, e ao irmos até lá, chegamos a toda a gente. Estamos a criar uma próxima geração em que é indiferente ser homem ou mulher para ter sucesso. Acredito muito que esta é uma área que pode ser muito atrativa para mulheres que estejam em cursos de tecnologia, mas não só, também temos fundadoras das áreas de gestão, de ciências.
Qual é a sua maior ambição à frente da Startup Lisboa?
Gostaria de olhara para Portugal e para Lisboa como um ecossistema a nível global de inovação e empreendedorismo. Somos um país pequeno e ao nível da indústria não temos assim tantas empresas que possam crescer a um nível global, mas isto pode ser uma fonte de crescimento para o país, quer de emprego, quer de investimento, muito relevante. Tivemos, por exemplo, a inauguração da Pleo, que é um unicórnio dinamarquês há umas semanas, que começaram em 2020 com duas pessoas, hoje são cento e poucas, mas já tem escritório para 300 pessoas. Tudo isto vai ser emprego criado para Portugal em três anos, e há poucas empresas que consigam isto. Outro exemplo: as 24 scalleups do nosso programa não existiam há cinco anos. Hoje existem e ao todo representam 750 empregos. Se conseguirmos apoiar estas empresas estamos aqui perante uma nova oportunidade de Portugal poder ter um crescimento acima da média.