Os contornos da inédita multa de 11,3M€ que a Autoridade da Concorrência aplicou às SAD desportivas

A Autoridade da Concorrência (AdC) sancionou pela primeira vez em Portugal uma prática anticoncorrencial no mercado laboral. Neste caso, foram sancionadas as 31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019/2020 da Primeira e Segunda Ligas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) por terem celebrado um acordo restritivo da concorrência que impedia a contratação…
ebenhack/AP
A Autoridade da Concorrência sancionou pela primeira vez em Portugal uma prática anticoncorrencial no mercado laboral. Em causa estão as práticas de 31 sociedades desportivas e da Liga de clubes.
Negócios

A Autoridade da Concorrência (AdC) sancionou pela primeira vez em Portugal uma prática anticoncorrencial no mercado laboral.

Neste caso, foram sancionadas as 31 sociedades desportivas que participaram na edição 2019/2020 da Primeira e Segunda Ligas e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) por terem celebrado um acordo restritivo da concorrência que impedia a contratação pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas de futebolistas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho, evocando questões provocadas pela pandemia COVID-19.

Designados como acordos de não-contratação, ou de “no-poach”, estão em causa acordos horizontais através dos quais as empresas donas dos clubes se comprometem, de forma mútua, a não contratarem ou efetuarem propostas espontâneas aos trabalhadores das empresas com quem estabeleceram o acordo.

Refere a AdC que a prática de “no-poach” é proibida pela Lei da Concorrência “uma vez que limita a autonomia das empresas em definir condições comerciais estratégicas, neste caso, a política de contratação de recursos humanos das empresas, podendo acontecer em qualquer setor do mercado. A prática é ainda suscetível de afetar os trabalhadores pela redução do poder negocial e do nível salarial e privação da mobilidade laboral”.

Acordo de não contratação

Através de um acordo de não contratação, as SAD destes clubes comprometeram-se a se absterem de contratar os jogadores umas das outras, “deste modo renunciando à concorrência pela aquisição de recursos humanos, para além de privarem os trabalhadores da mobilidade laboral”, salienta a AdC.
Em consequência deste acordo, um jogador que tomasse a iniciativa de terminar o seu contrato por questões provocadas pela pandemia COVID-19, não seria contratado por outro clube da Primeira ou Segunda Ligas de futebol profissional em Portugal, denuncia a AdC.

A investigação permitiu concluir que o objeto do acordo foi o de manter os jogadores vinculados às sociedades desportivas, “limitando o incentivo destes em resolver os seus contratos, não visando por isso objetivos de cooperação que pudessem ser considerados como essenciais no contexto da pandemia COVID-19”, afirma a AdC.

Para a AdC, “o acordo é assim suscetível de reduzir a pressão concorrencial entre as sociedades desportivas visadas, sendo passível de alterar o resultado que seria obtido através do livre jogo concorrencial, substituindo-o por outro que é influenciado, ou mesmo determinado, pela coordenação de comportamento no sentido de restringir a procura no mercado da contratação de jogadores profissionais”.

A AdC acrescenta ainda que o “acordo era também apto a reduzir a qualidade dos jogos de futebol e, nessa medida, prejudicar os consumidores, por reduzir o ambiente competitivo entre os clubes, impedir a contratação de jogadores que poderiam colmatar lacunas das equipas de futebol e forçar jogadores talentosos a sair do país para continuarem a exercer a sua atividade profissional”.

Processo aberto em maio de 2020

O processo foi aberto oficiosamente pela AdC em maio de 2020, na sequência de dois comunicados de imprensa emitidos pela LPFP em 7 e 8 de abril que faziam referência a uma decisão, adotada por acordo entre os clubes da Primeira Liga, com a participação do Presidente da LPFP, e à qual aderiram os clubes da Segunda Liga, definindo que os mesmos não contratariam jogadores que cessassem unilateralmente o seu vínculo laboral por questões provocadas pela pandemia COVID-19.

A decisão de sanção resultou numa coima total de cerca de 11,3 milhões de euros.

Desse montante, 141 mil euros são aplicados à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com os chamados “três grandes” a arcarem no seu conjunto coimas de 8,411 milhões de euros.

Acordo de não contratação de jogadores entre as SAD dos clubes vale multa de 11,3M€. ZED JAMESON/MB MEDIA/GETTY IMAGES

Ou seja, as coimas aos três grandes (Benfica, Porto e Sporting) representam cerca de 75% do total do valor sancionatório.

Sport Lisboa e Benfica, Futebol, SAD€ 4 163 000
Futebol Clube do Porto, Futebol, SAD€ 2 582 000
Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD€ 1 666 000
Vitória Sport Clube – Futebol, SAD€ 506 000
Sporting Clube de Braga, Futebol, SAD€ 340 000
Marítimo da Madeira, Futebol, SAD€ 199 000
Futebol Clube de Famalicão – Futebol SAD€ 192 000
Gil Vicente Futebol Clube – Futebol, SDUQ, Lda.€ 164 000
Rio Ave Futebol Clube – Futebol SDUQ, Lda.€ 163 000
Moreirense Futebol Clube – Futebol, SAD€ 152 000
Liga Portuguesa de Futebol Profissional€ 141 000
CD Tondela – Futebol SAD€ 139 000
Futebol Clube de Paços de Ferreira, SDUQ, Lda.€ 137 000
Os Belenenses – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD€ 135 000
Santa Clara Açores – Futebol, SAD€ 132 000
Portimonense Futebol, SAD€ 111 000
Boavista Futebol Clube, Futebol SAD€ 99 000
Clube Desportivo da Cova da Piedade – Futebol SAD€ 32 000
Estoril Praia – Futebol, SAD€ 27 000
Sporting Clube da Covilhã – Futebol, SDUQ, Lda.€ 26 000
Varzim Sporting Club – Futebol, SDUQ, Lda.€ 26 000
Associação Académica de Coimbra – Organismo Autónomo de Futebol, SDUQ, Lda.€ 24 000
Académico de Viseu Futebol Clube – Futebol, SAD€ 24 000
Clube Desportivo Feirense – Futebol, SAD€ 22 000
Clube Desportivo de Mafra – Futebol, SDUQ, Lda.€ 20 000
Leixões Sport Clube, Futebol, SAD€ 19 000
União Desportiva Oliveirense – Futebol, SAD€ 16 000
Futebol Clube de Penafiel, SAD€ 15 000
União Desportiva Vilafranquense, Futebol SAD€ 14 000
Casa Pia Atlético Clube – Futebol SDUQ, Lda.€ 8 000
Vitória Futebol Clube, SAD€ 3 326
Clube Desportivo das Aves – Futebol, SAD – Sociedade em Liquidação(não há lugar à aplicação de coima)
Fonte: Multas aplicadas pela Autoridade da Concorrência às Sociedades Anónimas Desportivas

As coimas impostas pela AdC são determinadas pelo volume de negócios das empresas sancionadas nos mercados afetados nos anos da prática.

Além disso, de acordo com a Lei da Concorrência, as multas não podem exceder 10% do volume de negócios da empresa no ano anterior à decisão da sanção.

A decisão da AdC é passível de recurso para os tribunais, com a Liga Portugal a referir que “era já expectável, mais ainda tendo em consideração as posições públicas já assumidas pelas AdC sobre esta matéria, ainda durante a instrução do referido processo”.

A Liga Portugal refere ter já convocado uma reunião com as Sociedades Desportivas e as equipas de advogados que têm acompanhado este caso, que terá lugar na tarde da próxima segunda-feira, e que servirá para definir os próximos passos.

A Liga Portugal diz ter a “expetativa de que a reapreciação do processo por uma instância judicial não deixará dúvidas sobre a circunstância de, em nenhum momento, a Liga Portugal e os clubes terem praticado qualquer ilícito concorrencial”.

A Liga declara que a tomada de posição pública que deu origem a este processo foi “apenas uma mera manifestação do espirito de união e forte solidariedade entre clubes num contexto de adversidades únicas e muitíssimo difíceis provocadas pela COVID-19 e nunca qualquer decisão de não contratação coletiva, muito menos com força vinculativa, como é a interpretação da AdC”.

Mais Artigos