Esta semana, tive oportunidade de ser convidado para um evento members only promovido pela redação norte-americana da Forbes, dedicado ao tema “The Wisdom of Warren Buffett”.
Num contexto de reflexão estratégica e de análise de longo prazo, a sessão foi estruturada como uma verdadeira lição sobre o pensamento e o legado de Buffett, conduzida a partir da sua própria filosofia e das suas decisões ao longo de seis décadas. A conversa foi enquadrada por figuras centrais do jornalismo económico global, entre elas Randall Lane, Chief Content Officer da Forbes, e Matt Schifrin, Executive Editor de Money & Markets, mas rapidamente ultrapassou os limites da convencional análise financeira.
Logo no arranque, Schifrin recordou um dado revelador: a Forbes cobriu Buffett pela primeira vez em 1969, quando a Buffett Partnership geria cerca de 100 milhões de dólares, e dedicou-lhe três páginas, ainda na era das “revistas em papel”. O contraste entre esse Buffett “jovem” e o investidor que hoje se prepara para sair da liderança executiva da Berkshire Hathaway dá o tom da conversa.
O momento é histórico, e não por causa de uma transição de gestão, mas por causa do que esta transição expõe sobre disciplina, humildade intelectual e tempo. A retirada do chamado “Oráculo de Omaha” não assinala o fim de uma carreira notável; funciona, antes, como um espelho exigente colocado diante da geração catual de investidores, líderes e decisores. Afinal as lições mais valiosas de Warren Buffett não estão nos gráficos nem nos múltiplos de avaliação que dominam o comentário financeiro diário. Residem na filosofia de vida que lhe permitiu transformar uma fábrica têxtil em declínio num conglomerado avaliado em cerca de 918 mil milhões de euros – uma abordagem ética, disciplinada e paciente que continua a oferecer orientação num mundo obcecado com velocidade, ruído e resultados imediatos.
1. Admitir o erro é a primeira forma de vitória
Talvez a lição mais subversiva de Buffett seja também a mais difícil de aceitar: o sucesso não resulta de nunca errar, mas da capacidade de reconhecer rapidamente o erro e corrigi-lo sem hesitação.
Na sua última carta aos acionistas, Buffett começa com uma confissão desarmante. Recorda o desastre da aquisição da Dexter Shoe, em 1993 (um investimento de 443 milhões de dólares) que ele próprio classificou como “o pior negócio de sempre”. Tudo parecia sólido: uma marca respeitada, clientes fiéis, uma cultura empresarial austera. O erro esteve na subestimação da concorrência internacional, que acabaria por destruir o negócio. O extraordinário não é o fracasso, mas a resposta. Buffett não se refugia na racionalização nem na auto-comiseração. Extrai, antes, um princípio simples e brutal: “Não aprendemos a resolver negócios intrinsecamente maus. O que aprendemos é a evitá-los.”
Num mundo que insiste em contar histórias de sucesso limpas e sem desvios, esta postura é silenciosamente subversiva. Errar não é o problema; o problema é fingir que não se errou. A capacidade de reconhecer o erro, aprender com ele e seguir em frente com lucidez vale incomparavelmente mais do que qualquer pose de infalibilidade. Em qualquer percurso profissional, a lição é simples e desconfortável: proteja menos o ego e mais o futuro. O erro que hoje pesa não é um veredicto final é, muitas vezes, o momento em que o verdadeiro crescimento começa.
2. A disciplina emocional supera a brilhante inteligência
Warren Buffett não é, provavelmente, o homem mais inteligente do mundo. Mas é, sem margem para dúvida, um dos mais racionais e estrategas. A sua célebre máxima “Seja ganancioso quando os outros estão com medo, e medroso quando os outros estão gananciosos” não é uma fórmula engenhosa de mercado; é um antídoto contra a psicologia humana. Durante a crise financeira de 2008, quando o pânico dominava Wall Street, Buffett investiu cinco mil milhões de dólares na Goldman Sachs. Não porque tivesse certezas absolutas (ninguém as tinha) mas porque compreendia algo que muitos não conseguiam processar emocionalmente: os melhores momentos para agir surgem precisamente quando o medo paralisa a maioria.
A ciência comportamental confirma que as perdas são sentidas com uma intensidade cerca de duas vezes superior aos ganhos. Este viés (a chamada aversão à perda) empurra investidores para vender no fundo do mercado e a comprar no topo. Buffett treinou-se, deliberadamente, para resistir a esse impulso automático. Mas esta lição vai muito além da bolsa. Trata-se de coragem emocional em qualquer decisão que importe. Quando a pressão social dita o que “deve” ser feito seguir a moda, aceitar o caminho óbvio, conformar-se a verdadeira disciplina está em saber parar, recuar e recusar até compreender plenamente. Para o decisor contemporâneo, o controlo emocional não é um traço acessório. É, cada vez mais, o verdadeiro prémio de longo prazo.
3. O círculo de competência é uma vantagem, não uma limitação
Durante décadas, Warren Buffett manteve-se deliberadamente afastado do sector tecnológico. Enquanto empresas como a Google, a Amazon ou a Microsoft cresciam a um ritmo vertiginoso, este optou por ficar à margem. A razão era simples: não compreendia suficientemente esses negócios. Num mundo que idolatra a omnisciência e corre atrás de cada nova megatendência, esta atitude parece quase herética.
Buffett, porém, compreendeu algo essencial: não é preciso entender tudo basta compreender profundamente algumas coisas, dentro de um círculo de competências claramente definido. Ao recusar investir naquilo que não dominava, evitou a bolha “dot-com” que, no início dos anos 2000, arruinou inúmeros “especialistas”. Só mais tarde, quando passou a compreender a Apple e a Amazon como negócios de consumo com moats económicos duradouros, investiu de forma decisiva (e colheu resultados extraordinários). O verdadeiro poder não reside em saber tudo, mas em ter a humildade de dizer “não sei”. Para líderes e decisores, a vantagem competitiva não nasce da aparência de omnisciência, mas da excelência concentrada em áreas escolhidas.
4. O valor intrínseco é invisível para quem olha apenas para o preço
Quando Warren Buffett analisa uma empresa, não se foca apenas no preço da ação. Procura, antes, estimar o seu valor intrínseco (o valor presente dos fluxos de caixa que o negócio poderá gerar ao longo do tempo). A distinção é decisiva: o preço é aquilo que se paga; o valor é aquilo que se recebe. A maioria confunde sistematicamente estes dois conceitos. Buffett espera, com paciência quase obstinada, até que a distância entre preço e valor seja suficientemente ampla para criar uma verdadeira margem de segurança. Isto não é especulação; é disciplina aplicada à incerteza. O mesmo princípio estende-se muito para além dos mercados financeiros.
Quantas decisões profissionais ou pessoais falham por se privilegiar o custo imediato em detrimento do valor de longo prazo? Em carreiras, negócios ou relações, o erro raramente está no preço pago, está na incapacidade de reconhecer o valor real daquilo que está em jogo.
5. O tempo é o único juiz incontestável
Buffett investiu na Coca-Cola em 1988 e nunca vendeu uma única ação. Ao longo de décadas, atravessou crises económicas, mudanças estruturais e sucessivas ondas de disrupção tecnológica. Manteve-se firme. Hoje, essa posição gera cerca de 816 milhões de dólares por ano em dividendos. Enquanto muitos investidores mal conseguem esperar três trimestres, Buffett pensa em décadas. Porque compreendeu, de forma quase instintiva, que o verdadeiro poder não reside na atividade constante, mas na paciência bem informada. Isto não é passividade. É a capacidade de escolher ativos tão sólidos que não existe razão para vender. Como o próprio resume: “O nosso horizonte de investimento favorito é para sempre.” Para quem procura construir algo duradouro – seja uma empresa, uma carreira ou uma relação – a lição é clara: o movimento permanente é, muitas vezes, uma ilusão de progresso. O verdadeiro poder está em saber quando permanecer imóvel e deixar o tempo trabalhar a seu favor.
6. O dinheiro é um mero “instrumento” o carácter é o activo final
Esta foi a parte mais forte do encontro, porque mostrou coerência entre investimento e filantropia. Randall Lane abordou o tema da relação pessoal com Buffett nos philanthropy summits da Forbes e descreveu-o como um verdadeiro “antídoto contra a vaidade”. Jantares simples, nenhum aparato, nenhuma encenação. Contou também a história do avião, que Buffett batizou primeiro de Indefensible e mais tarde de Indispensable, quando percebeu que o ganho de tempo justificava a decisão. A lição é direta: frugalidade não é pose, é um critério racional, com exceções quando fazem sentido. Depois, a frase que ficou: Buffett quis dar aos filhos “o suficiente para fazerem qualquer coisa, mas não tanto que não façam nada”. A mesma lógica orienta a sua filantropia. Em vez de criar uma fundação eterna com o seu nome, preferiu apoiar quem já executa bem
O que permanece depois da saída?
Quando Greg Abel assumir a liderança executiva, vai receber mais do que uma empresa bem gerida. Vai receber uma forma de decidir. A Berkshire pode continuar a crescer, mas a pergunta a sério é outra: este estilo de decisão, calmo, paciente e pouco dado a ruído, aguenta quando Buffett já não está na sala? Quando saí do evento, ficou-me uma ideia simples. O legado de Buffett não se mede em mil milhões. Mede-se no modo como pensa e no modo como se comporta quando ninguém está a ver. Buffett pode deixar o escritório. O método, esse, ainda tem muito para ensinar, sobretudo num tempo que confunde pressa com inteligência de mercado.
João Maria Botelho,
Global Shaper (World Economic Forum) / Forbes under 30 em Sustentabilidade em Inovação Social





