No Forbes Annual Summit, logo no início do painel, que agregou Bruno Bobone (presidente do Grupo Pinto Basto), Miguel Machado (executive partner da Milestone) e Marina Fernie (diretora geral Danone Portugal) em torno de “O Legado no Mundo dos Negócios. Empresas com Propósito”, ficou claro que falar de legado, em 2025, não é falar do passado, mas sim de uma bússola para o futuro.
Bruno Bobone foi direto ao ponto ao explicar como o propósito se foi construindo ao longo de mais de dois séculos na sua empresa. O responsável do Grupo Pinto Basto recordou que a empresa nasceu em 1824 e que o próprio José Ferreira Pinto Basto, fundador, estabeleceu princípios que hoje se reconheceriam como modernos: educação, bem-estar e desenvolvimento pessoal dos trabalhadores.
Bruno Bobone lembrou que José Ferreira Pinto Basto, quando fundou a empresa, deu “casas aos seus empregados, obrigou-os a estudar e a ter hobbies para não se focarem apenas no seu trabalho”, tendo este tipo de valorização acontecido 70 anos da encíclica papal “Rerum Novarum, escrita em 1891, sobre a condição dos operários.
“A relação com as pessoas é um valor que está acima de todos os outros” – Bruno Bobone
Bruno Bobone detalhou que “a relação com as pessoas é um valor que está acima de todos os outros” e que essa visão se manteve inalterada até hoje. “Foi isto e foram estes valores que nos trouxe nestes 250 anos”, afirmou, acrescentando que, em tempos de crise, “há só uma forma de ultrapassar as dificuldades que é garantir que as pessoas estão connosco e não nos abandonam”. Para o líder do Grupo Pinto Basto, a longevidade empresarial assenta numa regra: “Os valores nunca podem ser negociados numa empresa; os valores são a essência da nossa existência”.
Questionado sobre a forma de preservar esse legado, Bruno Bobone partilhou o ritual que mantém com cada nova pessoa que entra na organização: “Digo-lhes que a empresa segue os princípios da Doutrina Social da Igreja; também lhes digo que o papel delas na empresa é exatamente o mesmo que o meu, que é garantir que as pessoas à sua volta são felizes; e a terceira coisa que lhes transmito é que, quando falamos publicamente, temos de falar de forma coordenada”.
“Uma empresa para chegar a 250 anos, tem de ser dez vezes mais inovadora do que a empresa que acaba de aparecer no mercado” – Bruno Bobone
Ao contrário do estigma de que empresas centenárias são rígidas, Bruno Bobone lembrou que a sobrevivência exige o oposto: “Uma empresa para chegar a uma idade como esta, com 250 anos, tem de ser dez vezes mais inovadora do que a empresa que acaba de aparecer no mercado”. Essa credibilidade histórica, sublinhou, é hoje uma vantagem estratégica.
Como se combina a fé com um Excel? “Curiosamente as pessoas felizes produzem mais do que as outras; o sucesso vem-nos mais rapidamente do que as outras empresas”, responde Bruno Bobone.

Do lado da tecnologia, o desafio é outro, mas a lógica é semelhante. Miguel Machado, executive partner da Milestone, trouxe para o palco a perspetiva de uma empresa que faz do conhecimento o seu principal ativo. Explicou que o propósito da Milestone nasce da ideia de impacto: “O porquê da nossa existência é criar impacto no que fazemos e criar impacto nos clientes”. Reconheceu que há um mito no setor da consultoria — “os clientes sabem fazer melhor do que nós” — mas clarificou que o valor surge da “layer adicional de conhecimento tecnológico” que a Milestone acrescenta.
A forma de medir esse impacto passa, segundo Miguel Machado, por cuidar das pessoas: “Nós vendemos conhecimento; isso é decisivo para o sucesso da nossa organização”. O processo de recrutamento, a atualização contínua e a motivação das equipas são fatores estruturais. E há números que validam essa estratégia: “A nossa empresa tem 95% de taxa de retenção”. Para o responsável da Milestone, isso acontece porque “o que dizemos é o que fazemos”.
“O porquê da nossa existência é criar impacto no que fazemos e criar impacto nos clientes” – Miguel Machado
O líder destacou ainda o princípio da Milestone – máxima liberdade para máxima responsabilidade – que ressoa particularmente junto das novas gerações. Ao mesmo tempo, admitiu que estas precisam de “acompanhamento diferente”, exigindo uma gestão mais próxima. Para o futuro, a Milestone quer acelerar a inovação, expandir para a Europa e aprofundar áreas como automação e inteligência artificial.
No caso da Danone Portugal, o legado nasce da própria fundação da empresa, como lembrou Marina Fernie, diretora-geral. “A Danone nasceu para apresentar produtos para solucionar problemas das crianças”, recordou, sublinhando que a missão é, desde então, contribuir para a saúde através da alimentação. Esse propósito, garantiu, não é decorativo: “Vivemos com esse propósito no nosso ADN; tomamos todas as decisões com o pensamento em contribuir para um bem maior”.
“A forma de continuar o legado é colocá-lo no centro da estratégia” – Marina Fernie
Marina Fernie reconheceu que a principal dificuldade é fazer desse propósito a verdadeira “bússola” da empresa, mas defendeu que, quando isso acontece, transforma-se numa vantagem competitiva: “Acreditar que esse propósito é que ganha no mercado e que nos dá força para sermos mais criativos”.
Portugal, dentro da estrutura global da Danone, ocupa uma posição singular. “As diretrizes da Danone são universais, mas Portugal tem condições específicas que permitem que seja usado como hub para testar coisas”, explicou. Um dos exemplos mais conhecidos é o produto Triplo Zero, que foi testado primeiro no mercado português antes de ser lançado mundialmente. “A Danone considera Portugal como hub estratégico; conseguimos experimentar produtos”, concluiu.
“Portugal tem condições específicas que permitem que seja usado como hub para testar coisas” – Marina Fernie
Ao longo do painel, o fio condutor foi o de que empresas com propósito não apenas resistem ao tempo, como o utilizam a seu favor. Seja um grupo bicentenário, uma consultora tecnológica ou uma multinacional de alimentação, o legado constrói-se no cruzamento entre valores, pessoas e inovação — e é esse equilíbrio que, cada vez mais, define o sucesso no mundo dos negócios.





