Opinião

Não, a IA não mata o pensamento de um criativo

Ivo Gomes

Há uma narrativa quase apocalíptica a circular no setor do marketing: a IA vai acabar com os criativos e tornar as agências irrelevantes”. Pessoalmente, considero esta visão fatalista profundamente limitadora. Enquanto CEO de uma agência, responsável por dezenas de criativos, diria que importante é que, concordando ou não, gostando ou não, aceitemos as inovações tecnológicas – e, mais do que aceitar, sejamos pioneiros na sua utilização. Se recuarmos algumas décadas, é certo que a internet, o Photoshop e outras ferramentas também provocaram um efeito semelhante, mas o mundo não parou por causa disso.

Pessoalmente, tudo isto entusiasma-me. Não temo pelo nosso futuro ou dos nossos profissionais. A IA pensa matematicamente. Probabilisticamente. Segue lógica. É uma máquina construída para encontrar o caminho mais provável para uma resposta aceitável. As pessoas parecem confiar mais na intuição mecânica do que na intuição humana. Como se o “instinto” da máquina fosse mais respeitável do que décadas de exposição a mercados, padrões, comportamentos, sentimentos, ao mundo real e às pessoas. Na minha ótica, a IA chegou ao marketing para remover todo o trabalho que estava a atrapalhar e a diluir o valor do criativo.

Se a lógica, a pesquisa, a comparação, a recolha e organização bruta de informação passam a ser tratadas por sistemas, então o papel mais valioso volta ao seu lugar natural. Talvez o maior dividendo criativo da IA não seja produzir mais output, mas permitir que voltemos a operar onde somos realmente valiosos: no pensamento não linear, na visão estratégica e nos insights menos óbvios.

A IA não mata o criativo, mata o comodismo criativo. Se conseguir substituir o trabalho criativo de alguém, a verdade é que essa pessoa não era assim tão criativa. Era executora. Ao eliminar os executores, obriga-nos a regressar ao nível mais elevado da nossa profissão: pensar melhor. O irónico é que a IA pode desencadear a devolução da magia perdida pela obsessão com a lógica matemática que tem assombrado o marketing.

Voltámos a tentar descobrir as verdades não escritas, de hackear a perceção humana, a falar para uma dor não explorada ou documentada, para a experiência única do indivíduo que só outro humano consegue verdadeiramente compreender. Ao colocar as tarefas lógicas de lado, voltamos a lembrar-nos de que a comunicação requer algum grau de irracionalidade racional. Que todas as mensagens poderosas devem conter um elemento de absurdo, desproporção, ineficiência, escassez, custo, dificuldade ou extravagância, isto porque o discurso meramente racional não capta a atenção.

A IA ajudou este mundo a lembrar-se de que fazer bom marketing é como fazer uma boa piada: é preciso quebrar um padrão, ler as pessoas e usar o timing certo. Já pediu ao GPT para fazer uma piada hoje? Não tem graça, mas é só a minha opinião.

Ivo Gomes,
CEO Mob Agency

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