As empresas do século XXI tendem a olhar para as equipas através de categorias aparentemente estáveis: “jovens talentos”, “profissionais sénior”, “meio da carreira”. Estas categorias já não explicam a realidade. A geração, enquanto bloco homogéneo, deixou de existir, implodiu. O que hoje realmente diferencia as pessoas da mesma idade são fatores que nada têm a ver com cronologia como literacia digital, experiência económica, ecologia emocional e modo de relação com a mudança. É aqui que se situa o novo campo de batalha da liderança: os conflitos intrageracionais.
Durante décadas, as organizações prepararam-se para gerir choques entre gerações como Baby Boomers, Gen X, Millennials. O paradigma mudou. A tensão mais relevante já não é vertical, mas horizontal. São pessoas com a mesma idade que pensam, trabalham e se relacionam com o futuro de formas completamente diferentes. Este fenómeno não é um detalhe sociológico, é um fator que reconfigura equipas, desafia modelos de liderança e pode bloquear culturas inteiras se não for reconhecido.
A aceleração tecnológica é um dos motores desta fragmentação. Dentro da mesma geração encontramos profissionais que integram IA, automações e novas ferramentas com naturalidade quase intuitiva e outros que vivem a transição digital com um stress constante. A diferença não está na idade, está na velocidade de adaptação. Nas reuniões, isto materializa-se em ritmos distintos. Uns trabalham com dashboards, dados em tempo real e pensamento interativo, outros focam-se na estabilidade, no método e na previsibilidade. Uma equipa de pessoas com a mesma idade pode funcionar com duas temporalidades internas, uma rápida, orientada para inovação contínua, e outra mais cautelosa, que precisa de consolidar antes de avançar.
A desigualdade económica aprofunda ainda mais estas linhas de fratura. As pessoas da mesma geração têm percursos materiais incomparáveis: uns cresceram com estabilidade, investiram em formação e construíram redes de oportunidade, outros viveram precariedade, responsabilidades familiares precoces ou falta de suporte estrutural. Estas trajetórias moldam mentalidades. Um profissional da mesma idade pode correr riscos, propor projetos ambiciosos e pensar a cinco anos, mas o colega ao lado pode procurar segurança, clareza e rotinas que garantam previsibilidade. O líder que ignora esta assimetria corre dois riscos, como por exemplo, exigir demasiado de quem está sobrecarregado ou subestimar quem tem capacidade para acelerar.
Emocionalmente, a fragmentação é ainda mais sensível. Dentro da mesma geração coexistem profissionais que carregam desgaste, ansiedade e um sentimento de “envelhecimento precoce”, fruto de dinâmicas sociais intensas, e outros que vivem com energia expansiva, vontade de experimentar e um espírito de reinvenção contínua. Esta diferença não é visível no currículo, mas molda a forma como cada pessoa recebe feedback, gere pressão, resolve conflitos e encara a mudança. Uma liderança eficaz precisa saber que não há “maturidade emocional média” dentro de uma geração, há “ilhas” emocionais dentro do mesmo grupo etário.
Este mosaico intrageracional manifesta-se nas dinâmicas de trabalho. Em empresas que promovem autonomia e modelos híbridos, é comum encontrar colaboradores da mesma geração divididos entre os que prosperam com flexibilidade e os que sofrem com incerteza, entre os que adoram trabalhar por objetivos e os que precisam de orientação clara, entre os que se sentem inspirados pela experimentação e os que se sentem ameaçados por ela. Estes conflitos são frequentemente interpretados como choques de personalidade, mas são choques de ritmo e ritmos são lideráveis.
A cultura organizacional também é afetada por esta diversidade interna. Dois profissionais da mesma geração podem ter expectativas opostas sobre o papel social da empresa, sobre inclusão, ética, sustentabilidade ou propósito. A diferença não é geracional, mas informacional: vivem em ecossistemas digitais diferentes, alimentados por algoritmos que fabricam mundos simbólicos distintos. Não são dois “grupos etários” a discutir: são duas realidades digitais dentro da mesma faixa etária a colidir.
Perante isto, a liderança precisa de ajustar profundamente a sua abordagem. A idade cronológica é um referencial inútil para entender as equipas. Liderar por estereótipo (“os trintões são assim”, “os quarentões querem aquilo”) tornou-se contraproducente. O verdadeiro diagnóstico passa por identificar subgerações internas: perfis psicológicos, tecnológicos e económicos dentro da mesma geração.
As empresas que se adaptarem a este fenómeno vão ganhar vantagem competitiva. Porquê? Porque vão deixar de assumir que as pessoas da mesma idade têm as mesmas necessidades formativas, a mesma velocidade de aprendizagem, o mesmo apetite pelo risco, a mesma resistência emocional, a mesma relação com o digital, a mesma visão de carreira. Vão desenhar planos de desenvolvimento mais inteligentes, vão evitar conflitos silenciosos, vão aumentar retenção e vão criar equipas que convertem diversidade interna em inovação.
Liderar no século XXI exige uma mudança de paradigma: não basta compreender gerações, é preciso compreender a diferença dentro da diferença. A geração implodiu, o que resta são indivíduos que partilham cronologia, mas não mentalidade. O papel da liderança é transformar esta nova realidade numa força, não num obstáculo. As equipas mais fortes do futuro não serão homogéneas serão capazes de integrar esta fragmentação invisível de forma colaborativa, sustentável e produtiva.
Maria Duarte Bello,
CEO da MDB – Coaching e Gestão de Imagem, Coach PCC & Mentor Senior





