O grupo Reagro foi fundado em 1977 pelos médicos veterinários Alexandre Relvas, João Anjinho e Fernando Dias, com o objetivo de prestar serviços de nutrição animal e acompanhamento técnico. Mas hoje assume-se como uma empresa do setor agroalimentar na Península Ibérica, com um volume de negócios de mais de mil milhões de euros e mais de quatro milhões de toneladas de produtos movimentados por ano. Para dar continuidade à expansão entrou no mercado do consumo através da criação da Reagro Experience. Em entrevista à Forbes Portugal o diretor-geral da Reagro Experience, Luciano Gil, explica que a subsidiária nasce com o propósito de alimentar o futuro, reforçando a presença em setores estratégicos como a alimentação saudável, a sustentabilidade e a inovação na cadeia “farm-to-fork”.
A Reagro consolidou-se como um grupo de referência no setor agroalimentar. Como definiria a visão estratégica que orienta a empresa neste momento?
A Reagro foi fundada por três médicos veterinários com um propósito muito claro: elevar os padrões da nutrição animal e do acompanhamento técnico à produção agropecuária. Ao longo das décadas seguintes, essa visão evoluiu. Nos anos 90, diversificámos a nossa atuação para novas áreas do setor agroalimentar – dos cereais e oleaginosas às rações, proteínas, vitaminas e aditivos –, consolidando uma presença transversal em toda a cadeia de valor, desde a importação à transformação e distribuição. Depois de cinquenta anos de liderança e de mais de quatro milhões de toneladas movimentadas anualmente na Península Ibérica, sentimos que muito do bom trabalho que desenvolvemos com os nossos parceiros – e que sempre procurámos fazer bem, mesmo que isso significasse esperar pelo momento certo – não chegava ao consumidor final.
Tornou-se necessário ter uma nova aposta…
Foi essa consciência que nos levou a dar um passo inédito com o lançamento da Reagro Xperience, a nossa primeira operação dirigida ao mercado de consumo. Na verdade, a Reagro Xperience representa o prolongamento natural da nossa história: aproximar a produção sustentável, desta feita, ao consumo quotidiano, através de marcas em que confiamos e parceiros que reconhecemos, que transportam a mesma seriedade com que a Reagro foi criada há 50 anos. No final do dia, a nossa visão estratégica resume-se a três princípios que nunca mudaram: qualidade em tudo o que fazemos – no que produzimos, importamos ou vendemos –, relações sólidas com os nossos parceiros e estar presente em setores cruciais que trabalham para nutrir e alimentar o planeta, de forma sustentável e informada, sendo uma consequência a diversificação do nosso negócio.
Hoje quais são os principais pilares de crescimento do grupo?
Os pilares de crescimento da Reagro assentam numa lógica muito clara: diversificar com sentido, inovar com propósito e garantir qualidade e sustentabilidade para estar sempre no lado certo da história. Hoje, o grupo cresce em várias frentes, não só no seu “core” que continua numa operação muito robusta: através da importação de produtos de referência alinhados com a nossa visão, do desenvolvimento de novas marcas que capturam o valor gerado na produção, e da criação ou cocriação de produtos em parceria com a distribuição. Queremos estar mais próximos do consumidor, mas mantendo a consistência técnica e comercial que construímos no B2B ao longo de décadas. Outro pilar é expansão, por exemplo, para África onde já temos uma ampla atividade a Norte. É uma região com uma das maiores taxas de crescimento populacional do mundo, onde o desafio de garantir segurança alimentar é urgente e estrutural. Acreditamos que a experiência acumulada ao longo de cinco décadas na Península Ibérica – em eficiência logística, nutrição animal, qualidade de matérias-primas e inovação agroalimentar – pode contribuir de forma decisiva para fortalecer a produção e a autossuficiência alimentar destes países. Mais do que uma aposta comercial, trata-se de um compromisso de longo prazo com o desenvolvimento sustentável e com a criação de valor local, promovendo conhecimento técnico, formação e redes de abastecimento estáveis que possam alimentar o futuro da região. Com a experiência acumulada, uma rede de parceiros sólida e uma forte capacidade de sourcing, estamos numa posição privilegiada para responder de forma ágil às novas dinâmicas do setor, tanto no mercado profissional como no consumo direto. Essa combinação entre escala, confiança e visão estratégica é o que sustenta o crescimento da Reagro nesta nova fase.
Nesta ótica, que papel tem a inovação na estratégia da Reagro?
São o motor de tudo o que fazemos, não fosse a Reagro criada por médicos veterinários que juntam, na sua prática, ciência e longevidade animal. A inovação tecnológica é um dos motores desse crescimento, não como substituição da dimensão humana ou técnica, mas como meio para criar cadeias de valor mais ágeis e inteligentes. A inovação permite-nos libertar talento e concentrar energia em novas áreas, garantindo sustentabilidade económica e ambiental a longo prazo. Na Reagro isto é sistémico. É sobre como usamos os dados, a logística e a energia de forma mais eficiente, como valorizamos os subprodutos e como antecipamos novas exigências alimentares e agroalimentares.
E as práticas de sustentabilidade?
Outro pilar incontornável é a sustentabilidade e está no centro das nossas decisões. Investimos em processos que reduzam emissões, melhorem a gestão da água e garantam bem-estar animal. E agora, com a Reagro Xperience, essa sustentabilidade ganha uma nova dimensão: chega à mesa das pessoas e temos essa responsabilidade acrescida. E sim, quando falamos em sustentabilidade, não falamos apenas de compensação ambiental: falamos de origem, de transparência e de acesso. Acreditamos que produtos sustentáveis não têm de ser os mais caros do mercado, mas sim os mais responsáveis. É essa a filosofia da Reagro Xperience: apostar em boas práticas, reduzir impacto e devolver valor à cadeia alimentar. A origem é, aliás, um tema essencial. Hoje, poucos consumidores sabem verdadeiramente de onde vem o que estão a consumir e de como ou quão justa é a sua produção, algo que também no setor profissional é um tema. Por exemplo, com a Montebelo Brasil, a primeira marca lançada pela Reagro Xperience, quisemos inverter essa lógica. A nossa ação passa por sermos uma empresa global que quer assumir em toda a cadeia de valor do campo ao prato, de forma sustentável, intervindo em todos os pontos da cadeia, tornando esta uma cadeia circular.
A marca Montebelo Brasil é um dos vossos projetos recentes e que estrearam em Portugal. Como nasceu esta aposta da marca no mercado português?
Comecemos pela base: A Reagro Xperience nasce com o propósito de alimentar o futuro, reforçando a nossa presença em setores estratégicos como a alimentação saudável, a sustentabilidade e a inovação na cadeia “farm-to-fork”. Apostamos nas áreas críticas da economia alimentar, desenvolvendo produtos e marcas em estreita colaboração com a distribuição e os seus parceiros. O nascimento da Reagro Xperience e o primeiro contacto com a Montebelo Brasil estão profundamente ligados. Diria mesmo que foi “acreditar à primeira vista”. Primeiro pela marca: pela sua identidade, pelas cores, pela linguagem, pela energia com que comunica e pelo propósito que a move. Há algo de muito genuíno na forma como a Montebelo Brasil conta a sua história: é uma marca que respira verdade, alegria e origem. Segundo, quando provámos os produtos: percebemos que havia ali algo diferente. Estamos a falar de sumos com uma densidade e uma pureza notáveis: só um copo de sumo de laranja contém, em média, o equivalente a mais de duas laranjas, espremidas em menos de 48 horas. Essa autenticidade sensorial, aliada à rastreabilidade total do produto – do pomar ao copo –, conquistou-nos de imediato.
Juntou-se o melhor de dois mundos…
Foi um encontro natural entre duas visões alinhadas: a da Louis Dreyfus Company, enquanto produtora e guardiã da marca Montebelo Brasil, e a da Reagro, que há cinco décadas trabalha para garantir alimentos de origem controlada, sustentáveis e de qualidade. O resultado é esta estreia em Portugal, que não é apenas o lançamento de uma marca, mas o início de um novo capítulo na forma como queremos aproximar a produção do consumo, com autenticidade, sabor e propósito. Mas, um dos pontos de distinção é sem dúvida a questão da origem, cada vez mais, um tema na decisão do consumidor. Cada garrafa tem uma história rastreável, através de um QR code, onde é possível acompanhar a jornada do sumo desde o pomar até ao copo. Essa transparência é o futuro da alimentação e um dos grandes compromissos da Reagro Xperience.
Que desafios encontraram na adaptação de um projeto brasileiro ao contexto de Portugal?
Curiosamente, apesar de a Montebelo Brasil ser uma marca de origem brasileira, ela é hoje líder no mercado francês. Ou seja, antes de chegar a Portugal, já tinha passado por um processo de internacionalização exigente o que, na verdade, tornou a nossa adaptação muito mais fluida. O que sentimos em Portugal foi quase o oposto do que aconteceu em França. Lá, a assinatura “Tudo Bem!”, que traduz tão bem a leveza e o otimismo brasileiros, não teve o mesmo impacto cultural. Já em Portugal, essa expressão encontrou terreno fértil: é uma linguagem emocionalmente próxima, espontânea e até familiar. O “Tudo Bem!” é uma atitude que nos pertence também a nós, portugueses. Essa sintonia cultural fez com que a marca se integrasse de forma natural no mercado português. Hoje, vemos isso refletido na relação viva que temos com os consumidores: as redes sociais cresceram acima das expectativas, há uma adesão espontânea à marca, uma ligação afetiva real, e recebemos diariamente mensagens, comentários e contactos de pessoas – desde consumidores a influenciadores e empresas – que querem associar-se à Montebelo Brasil. Há ainda um simbolismo bonito nesta ligação: se pensarmos bem, foram os portugueses que levaram as laranjas para o Brasil há mais de 500 anos. De certa forma, agora é o Brasil que as devolve, transformadas em sumo, com toda a cor e sabor que o país lhes deu. A Montebelo Brasil não é apenas uma marca de bebidas: é um reencontro entre duas culturas que sempre souberam trocar o melhor uma da outra.
Nesta fase, é possível antecipar o potencial de crescimento da Montebelo? E qual é a diferenciação que a Montebelo Brasil traz?
O potencial é enorme. A categoria dos sumos frescos em Portugal ainda tem muito espaço para crescer. Falamos de um segmento onde o consumidor procura autenticidade, naturalidade e transparência e é precisamente aí que a Montebelo Brasil se distingue. São produtos verdadeiramente naturais, sem aditivos, com rastreabilidade total, do pomar até ao copo. Essa clareza na origem é um fator de diferenciação face a outros sumos do mercado. A nossa ambição é clara: chegar a todo o território nacional e ao canal Horeca até meados de 2026, se não antes, e vamos apostar no arranque de 2026 em Espanha, por via da Reagro Xperience, pela força que temos em Ibéria. Queremos crescer de forma sustentada, sempre com foco na qualidade e na proximidade com o consumidor, bem como na ambição.
Consegue-se identificar o perfil do consumidor da Montebelo Brasil?
O perfil de consumidor da Montebelo Brasil é transversal: famílias jovens, consumidores ativos, pessoas que valorizam bem-estar, sabor e autenticidade. Mas sabemos que ainda há caminho a percorrer, nomeadamente em novas jornadas de consumo. Culturalmente, o sumo fresco ainda não faz parte do pequeno-almoço português e queremos ajudar a mudar isso. Acreditamos que a Montebelo Brasil pode redefinir o papel da categoria nos hábitos diários, criando momentos de consumo e inspirando um estilo de vida mais natural. Temos também uma forte ligação ao desporto, um território que reflete os valores da marca: vitalidade, energia e resiliência. Começámos uma parceria sólida com a Academia Kolmachine, e estamos agora a expandir essa presença através de colaborações com atletas como a Kika Nazareth (futebol) e o Kikas/Frederico Morais (surf) uma dupla perfeita entre o “golo-gole” e a onda, entre a força e o equilíbrio. Durante o verão, estivemos presentes junto das principais praias portuguesas, a testar o produto lado a lado com as pessoas. Essa proximidade foi essencial e permitiu-nos ouvir, ajustar e sentir o pulso do consumidor. Agora, queremos transformar essa energia num movimento: fazer da Montebelo Brasil a marca que vai mudar o paradigma dos sumos frescos em Portugal.
Em Portugal, que áreas de negócio considera mais estratégicas para o crescimento da Reagro nos próximos anos?
O agroalimentar continuará a ser a base, mas a alimentação saudável e as “soft commodities” para consumo humano são hoje áreas prioritárias.
Como está a evoluir o mercado agroalimentar em Portugal e quais as oportunidades que o grupo está a aproveitar?
O mercado agroalimentar em Portugal vive uma transformação marcada pela inovação tecnológica, pela transição energética e pela procura crescente de produtos sustentáveis e rastreáveis, ou seja, a origem vai ser cada vez mais um tema. A Reagro vê, neste contexto, uma oportunidade para reforçar a sua liderança, investindo em conhecimento técnico, agricultura de precisão e modelos de economia circular que valorizam os recursos e fortalecem a ligação entre produtores e indústria. Com foco na inovação, eficiência e sustentabilidade, o grupo contribui para posicionar Portugal como uma referência europeia em produção alimentar responsável, seja para o core da Reagro, seja agora para o consumidor.
Quais são as maiores barreiras para crescer no mercado nacional e como estão a trabalhar para as ultrapassar?
As principais barreiras ao crescimento no mercado nacional passam pela fragmentação do setor, pela escassez de mão de obra qualificada e pelos custos crescentes associados à energia, à água, entre outros. Na Reagro, estamos a responder a estes desafios através da inovação tecnológica, da formação contínua e da criação de sinergias entre produtores, indústria e distribuidores. Apostamos em soluções que aumentam a eficiência e a rentabilidade das explorações, enquanto promovemos práticas mais sustentáveis e resilientes, garantindo um crescimento sólido e partilhado em toda a cadeia agroalimentar.
A inovação tecnológica no setor agrícola é hoje determinante. Que investimentos ou projetos a Reagro tem feito nesta área?
A Reagro investe fortemente em tecnologias de precisão, automação logística e rastreabilidade digital. Temos sistemas que permitem acompanhar o produto desde a origem até à distribuição, garantindo transparência total. Também estamos a investir em biotecnologia e em soluções de energia limpa para reduzir a pegada das nossas operações.
Como conciliam crescimento económico com boas práticas ambientais e sociais?
Com métricas e responsabilidade. Crescer só faz sentido se for sustentável, económica, ambiental e socialmente. Avaliamos cada investimento com base no seu impacto e estamos a criar programas de valorização de produtores locais e formação técnica. A nossa lógica é circular: o que o campo nos dá, devolvemos em conhecimento e valor.
De que forma a Reagro pode contribuir para responder a desafios globais como a segurança alimentar e as alterações climáticas?
A nossa escala e experiência permitem-nos ser parte da solução. Trabalhamos com milhares de produtores e podemos influenciar práticas mais sustentáveis no terreno. Acreditamos que a segurança alimentar depende de eficiência, transparência e inovação, três pilares que norteiam as nossas operações.
Onde gostaria de ver a Reagro nos próximos anos, tanto em Portugal como nos mercados internacionais?
Em Portugal, ambicionamos continuar a liderar o desenvolvimento do setor agroalimentar, promovendo conhecimento, tecnologia e valor partilhado em toda a cadeia. A nível internacional, queremos consolidar parcerias estratégicas que nos permitam exportar o modelo Reagro, assente em inovação, proximidade e sustentabilidade. Queremos contribuir para um sistema alimentar mais equilibrado e preparado para os desafios climáticos e demográficos do futuro.
Que papel espera que o grupo desempenhe na projeção de Portugal como referência internacional na agroindústria?
Portugal tem todas as condições para ser uma referência na alimentação do futuro: solos férteis, clima diverso, capacidade tecnológica e talento. O nosso papel é fazer essa ponte entre a produção local e o mercado global com rigor, inovação e compromisso. Há uma nova geração de agricultores e consumidores mais conscientes, e isso cria espaço para empresas como a nossa, que têm escala e capacidade de investimento, mas também uma visão ética. As oportunidades estão na tecnologia aplicada à produção, na valorização do território e na exportação de produtos diferenciados.
Se tivesse de destacar uma prioridade absoluta para o futuro do grupo, qual seria?
Transformar escala em influência positiva. Queremos que o peso que temos na cadeia agroalimentar se traduza em valor para o planeta, para o consumidor e para o produtor. É isso que significa “Feed the Future”, o lema da Reagro Xperience e o futuro da nossa história. E, como disse, queremos estar do lado certo da história.





