A ACCIONA Energía está a entrar no mercado português também no domínio da mobilidade elétrica, tendo adquirido a Cable Energía (a empresa que detinha e operava a rede Shell Recharge em Espanha e Portugal, fora das estações de serviço da Shell). A propósito desta operação, Rui Falé, responsável desta divisão dentro da Acciona, aborda os planos da empresa para o país e analisa o que poderá trazer o novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica.
A ACCIONA está a entrar no mercado português com a aquisição da Cable Energía, a empresa que detinha e operava a rede Shell Recharge em Espanha e Portugal, fora das estações de serviço da Shell. Isto representa um investimento de quantos milhões?
Infelizmente, e por motivos de confidencialidade de negócio, não nos é possível partilhar essa informação.
Para os consumidores, os postos Acciona surgirão com uma identidade própria, com o logótipo e a imagem da Acciona?
Concluímos a transição de todos os postos de carregamento para uma imagem unificada da ACCIONA. Atualmente, estamos a trabalhar na aplicação da ACCIONA, para que os nossos clientes possam começar a utilizá-la a curto prazo e desfrutar de todos os benefícios que lhes podemos oferecer, seja em termos de acesso a energia 100% renovável, bem como de tarifas de carregamento claras, transparentes e competitivas.
A Acciona Energía anuncia 396 pontos de carregamento públicos ativos na Península Ibérica. Esses são postos já existentes?
Exatamente. Esses 396 pontos de carregamento foram adquiridos pela ACCIONA à Cable Energía e já se encontravam em funcionamento.
Quantos desses estão localizados em Portugal, que potências oferecem e qual o calendário para estarem todos operacionais no país, na eventualidade de ainda não estarem todos a funcionar?
Uma dúzia desses locais já estava em pleno funcionamento, e todos com capacidades superiores a 100 kW. Algumas localizações encontram-se neste exato momento numa fase muito avançada de desenvolvimento, pelo que esperamos que todos estejam em funcionamento logo no início de 2026.
Falam de um “pipeline” de mais 321 pontos. Pode clarificar o que significa “pipeline” neste contexto e em que é que estes 321 pontos diferem dos 396 referidos na pergunta anterior? Estes 321 são postos ainda em fase de licenciamento ou já com localização definida? Quantos destes serão instalados em território nacional?
Estamos a analisar as informações e a decidir o que faz sentido manter, para, dessa forma, avançarmos para as próximas etapas, e aquilo que não pretendemos desenvolver. Esta é uma tarefa demorada, dado o elevado número de localizações. Estamos a trabalhar simultaneamente para coordenar os projetos que já se encontram em implementação com aqueles que adquirimos, para que a rede da ACCIONA em Portugal seja consistente e esteja alinhada com as nossas prioridades.
“Estamos a analisar as informações e a decidir o que faz sentido manter [postos de carregamento], e aquilo que não pretendemos desenvolver”.
Considerando que há vários atores no mercado com forte implantação, qual é o objetivo da empresa em termos de carregamento elétrico?
O nosso objetivo passa por tornarmo-nos num operador líder em mobilidade elétrica na Península Ibérica.
Nesse sentido, o nosso foco passa, desde logo, por oferecer uma rede pública de carregamento de alta qualidade, alimentada por energia 100% renovável. Mas também pretendemos cobrir rotas de alto tráfego, áreas de destino (como centros comerciais, hotéis, parques de estacionamento de longa duração) e áreas urbanas, que o intuito de reduzir a ansiedade dos utilizadores em relação à autonomia.
Para que tal seja alcançado, visamos garantir uma experiência simples e interoperável, com acesso através de aplicação e utilização de vários métodos de pagamento, para além de uma potência adaptada, com carregamento rápido/ultrarrápido, para veículos e frotas elétricos.
Ou seja, esperamos crescer de forma sustentável, escalável e rentável, com a integração da rede e do pipeline adquiridos, para, assim, captarmos sinergias entre a geração renovável, a utilização e a mobilidade elétrica. No caso de Portugal, em particular, pretendemos contribuir para a transição energética, apoiar a descarbonização dos transportes e posicionar a ACCIONA como parceira em infraestruturas, energia limpa e mobilidade.

A Acciona tem algum objetivo que pretenda alcançar em termos de quota de mercado na mobilidade elétrica em Portugal? Qual?
Ainda não foi anunciada nenhuma meta numérica específica para Portugal, mas o objetivo geral da ACCIONA Energía é expandir significativamente a rede de carregamento. Para tal, queremos ter uma forte presença em corredores de tráfego, destinos de longa distância e áreas urbanas, tudo como parte da nossa estratégia de mobilidade elétrica.
Como avalia o fim anunciado da Mobi.E que terá efeitos a 1 de janeiro de 2027? Acredita que será de facto uma extinção ou apenas uma transformação do modelo atual? Que impacto terá esta mudança no setor e na relação com os operadores privados?
Vemos essa medida mais como uma transformação estrutural do que como um desaparecimento. Espera-se que a nova EADME (Entidade Agregadora de Dados da Mobilidade Elétrica) atue como um centro de dados e interoperabilidade, em vez de um operador de mercado central.
Do ponto de vista dos operadores, esta mudança poderá aumentar a concorrência e a inovação, se a interoperabilidade continuar a ser obrigatória, transparente e tecnicamente harmonizada. O principal risco é o surgimento de um acesso assimétrico aos dados ou aos sistemas de pagamento, o que poderá prejudicar os operadores de menor dimensão.
Perante estas premissas, o que o setor precisa é de clareza, normas técnicas e estabilidade no período de transição até 2027.
“O setor precisa de clareza, normas técnicas e estabilidade no período de transição até 2027”.
Ainda relativamente ao novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica, a promessa é que aumente a concorrência. Acredita nisso?
Em princípio, sim. Isto, se a regulamentação garantir condições equitativas e impedir a fragmentação do mercado. A mudança para um sistema baseado em dados e relações mais diretas entre consumidores, fornecedores de serviços de mobilidade e operadores, pode, de facto, abrir espaço para novos participantes, bem como para uma diferenciação de serviços. No entanto, a concorrência efetiva dependerá de como a interoperabilidade, as tarifas e o acesso à infraestrutura pública forem regulamentados e aplicados.
Quais são, na sua perspetiva, os principais pontos positivos e negativos desse novo enquadramento legislativo?
Como pontos positivos, destaco uma maior clareza sobre as funções e responsabilidades ao longo da cadeia de valor (EADME, CPO, PSME), bem como o reconhecimento de dois modelos de tarifação (ad hoc e através de prestadores de serviços de mobilidade), em conformidade com as normas da UE. Parece-me ainda importante destacar a flexibilidade para combinar o autoconsumo e a tarifação pública, promovendo sinergias com a produção de energia renovável.
“É necessário apresentar um conjunto de regras claras sobre transparência tarifária e faturação por kWh para proteger os consumidores”.
Já no que concerne a desafios ou riscos que este novo enquadramento legislativo pode significar, elenco o calendário de transição e a falta de detalhes técnicos, que podem causar incerteza a curto prazo, para além de um risco de interoperabilidade desigual, isto, se alguns intervenientes ou plataformas desenvolverem sistemas fechados. Creio que é necessário apresentar um conjunto de regras claras sobre transparência tarifária e faturação por kWh para proteger os consumidores. E verifica-se uma alocação de custos pouco clara para a gestão de dados e interoperabilidade, o que pode afetar a competitividade dos operadores mais pequenos.
Portugal regista já quase 20% de veículos totalmente elétricos nos registos de veículos novos. Como acelerar mais a implementação da infraestrutura de carregamento para tornar mais convidativa a mudança para a mobilidade elétrica por parte dos consumidores?
Essa aceleração depende de três fatores complementares. Em primeiro lugar, simplificar os procedimentos de licenciamento e ligação à rede, especialmente para instalações de média tensão; depois, incentivar parcerias público-privadas para centros de carregamento em locais estratégicos urbanos e interurbanos; por fim, garantir uma regulamentação estável e incentivos que recompensem a implantação de pontos de carregamento de alta potência, fiáveis e alimentados por energia renovável.
Estamos prontos para investir, mas a previsibilidade, a interoperabilidade e o licenciamento eficiente continuam a ser a chave para desbloquear a implantação em grande escala.





