Opinião

O futuro do empreendedorismo europeu decide-se nos próximos 10 anos

Sacha Michaud

Nos últimos anos, o cenário do empreendedorismo na Europa evoluiu – mas há ainda um longo caminho pela frente. O talento, as ideias e a resiliência existem, o que falta são as condições certas para que isso aconteça em toda a sua plenitude.

Observamos indícios de maturidade no ecossistema de startups europeu: pólos como Amsterdão, Berlim, Barcelona, e até a zona dos Balcãs ganham força, assim como o reconhecimento de Paris como principal hub tecnológico da região. O surgimento de distritos de inovação, o acesso ao capital inicial e – o mais importante – uma mudança cultural, que começa a encarar o empreendedorismo como uma carreira legítima, são sinais otimistas. Iniciativas como o Conselho Europeu da Inovação ou os vistos europeus para startups, bem como as potenciais medidas para reduzir a burocracia no mercado único e atrair talento são, também, um passo na direção certa.

Ainda assim, a Europa está atrás de gigantes como Estados Unidos e China em termos de escalabilidade. Entre 2015 e 2021, foram criadas 300 startups unicórnios no continente europeu (incluindo Reino Unido), enquanto a América do Norte gerou 370 em apenas um ano. Há uma diferença quase simbólica e um gap de cerca de $300 mil milhões em investimentos para empresas na fase de crescimento e consolidação.

Vivemos um momento crítico. A instabilidade económica e fragmentação política trazem obstáculos, mas também criam oportunidades para soluções inovadoras e audazes. Não podemos apenas replicar o que se fez em Silicon Valley – a Europa tem de traçar o seu próprio caminho e, neste cenário, há alguns pontos que precisam de mudar para desbloquearmos o seu potencial:

Mercado verdadeiramente unificado

A diversidade europeia é uma riqueza, mas é também um obstáculo. Empresas recentes deparam-se com sistemas tributários, legislação laboral e exigências regulamentares díspares entre países. É urgente uma integração digital real, com normas padronizadas para dados, plataformas digitais e Inteligência Artificial (IA). Expandir negócios no mercado único deve ser tão simples quanto crescer entre a Califórnia e Nova Iorque.

Capital de risco com ambição

O cenário de Venture Capital (VCs) na Europa cresceu – mas faltam ainda players para sustentar empresas que querem expandir globalmente. As parcerias público-privadas e bancos de investimento, como o Bpifrance e o Fundo Europeu de Investimento, têm um papel essencial, mas é preciso ir além, mitigando riscos e atraindo investimentos robustos e duradouros.

Retenção de talento

A Europa forma talentos de altíssima qualidade em tecnologia, IA e deeptech. Mas muitos emigram à procura de oportunidades mais abrangentes e remuneração adequada. Políticas inteligentes de vistos, incentivos fiscais para colaboradores de startups e uma cultura que celebre a ousadia empreendedora seriam fundamentais. Incorporar o “pensamento startup” desde o ensino básico pode encurtar essa distância.

Grandes empresas também têm responsabilidade

O ecossistema inovador não é responsabilidade exclusiva de governos. Empresas consolidadas têm o dever de atuar como facilitadoras: dialogar com legisladores e apoiar iniciativas que fomentem o ecossistema como um todo.

A Europa tem os ingredientes certos: criatividade, propósito, um ecossistema académico de peso, além de uma perspetiva muito global. Mas é preciso agir com rapidez e fluidez para liderar, e não apenas seguir, a nova onda global de inovação.

Sacha Michaud,
Co-fundador da Glovo

 

 

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