“Founder”, um termo que, de tão amplamente adotado e difundido, acabou por se tornar banal, com o seu uso indiscriminado a esvaziar o verdadeiro significado e impacto deste papel. No entanto, quando analisamos a conceção e os estágios iniciais de uma startup, a escolha do talento certo para assumir esta função revela-se como uma das decisões mais críticas para o sucesso da iniciativa empreendedora.
Na verdade, ser “founder” vai muito além de ostentar um título pomposo no LinkedIn. É assumir, desde o primeiro dia em funções, a responsabilidade por moldar a cultura organizacional desde os seus alicerces, ao mesmo tempo que se procura assegurar uma visão e uma estrutura de negócio que seja escalável e sustentável a longo prazo.
Num ecossistema pautado por um ritmo frenético em que a velocidade é glorificada e onde, por vezes, se confunde urgência com precipitação, a tentação de rapidamente identificar e contratar os “Co-Founders” apresenta-se como uma realidade demasiado presente e, ouso dizer, arriscada.
O romantismo associado à “founding team” pode levar à ilusão de que qualquer talento serve, desde que partilhe a nossa visão, entusiasmo e energia. No entanto, o entusiasmo desprovido da complementaridade de competências, do alinhamento de valores e da resiliência partilhada, poderá revelar-se um luxo demasiado caro, que poderia ser evitado com uma abordagem de recrutamento disciplinada e estratégica.
Mas então, como construir “founding teams” de elevada performance que escalem o negócio e amplifiquem a nossa cultura?
Tudo começa com a adoção de uma filosofia de recrutamento rigorosa, que valorize investir tempo no planeamento adequado das responsabilidades e perfis desejáveis.
Diferenciar, desde o início, o papel de “Co-Founder” e de “Early Hire”, torna-se essencial para garantir uma “Founding Team” coesa, capaz de evitar fenómenos de pensamento grupal e ambiguidades que diluam responsabilidades individuais ou atrasem a tomada de decisão.
Após a definição clara dos perfis a recrutar, a identificação do talento certo, exige uma estratégia de sourcing abrangente, onde, para além dos canais tradicionais, se explore ativamente conferências, referências de investidores, comunidades empreendedoras, ou outros nichos de talento menos explorados.
O foco deverá estar na identificação de candidatos de elevada qualidade que reúnam três fatores: serem reconhecidos como experts no seu ramo de atuação; transmitirem credibilidade junto de potenciais clientes, parceiros e investidores e, demonstrarem uma personalidade e visão em sintonia com o atual momento da organização.
Uma vez identificadas as pessoas com este potencial, devemos relembrar-nos de que cada contratação deverá cumprir um propósito estratégico. Mais do que destacar a singularidade ou génio individual, o foco deve recair na arquitetura da equipa. Deste modo, deve ser assegurada a definição clara das competências cognitivas, funcionais e de estilo que demonstram maior compatibilidade e complementaridade com o Founder principal e com as necessidades atuais e os objetivos de crescimento futuro do negócio. Desta forma, a intuição e a afinidade emocional, embora relevantes, não devem ser os únicos critérios do processo de seleção.
Procurar alguém que “sinta” o projeto como o próprio Founder torna-se um ideal raro e, na maioria das vezes, irrealista, que resultará em mais frustrações do que resultados práticos. Em contraste com essa abordagem, o uso de métodos mais estruturados que simulem alguns contextos e desafios reais da função, permite testar a capacidade de resolução de problemas, o pensamento crítico e os estilos de liderança, revelando-se um filtro relevante para a adequação do perfil à visão e à cultura que se ambiciona construir.
Em suma, construir uma “founding team” não é apenas um exercício de recrutamento. É, na realidade, “cultura em ação”. Cada contratação inicial revela-se, na prática, como uma manifestação viva da cultura que se quer construir e que exige método, clareza e paciência. No entanto, a agilidade continua a ser fundamental.
De facto, quando uma contratação não resulta, como inevitavelmente acontecerá, é a capacidade de agir com rapidez e coragem – substituindo pessoas ou reestruturando funções – que vai salvaguardar a cultura, o foco e a motivação das equipas para alcançar a escalabilidade desejada. No final, não se trata apenas de encontrar pessoas que se apaixonem pelo projeto, mas sim de reunir o talento que está disposto a construí-lo, com consistência e resiliência, mesmo nos momentos de maior incerteza.
Paulo Leitão,
Diretor de Recrutamento e Seleção Especializado do Clan