A Paramount Global anunciou recentemente a sua decisão de pôr fim a 44 anos de emissão da gigante MTV, até ao dia 31 de Dezembro de 2025.
Os canais MTV Music, MTV 80s, MTV 90s, Club MTV e MTV Live serão descontinuados, começando pelo Reino Unido e Irlanda e, posteriormente, noutros países da Europa.
A medida surge num momento de reestruturação interna da Paramount Global e redução de custos no grupo norte-americano, que atualmente está num processo de fusão com a Skydance Media. Contudo, a decisão é muito mais do que uma simples estratégia financeira: traduz a inevitável transição de um público que, há muito, abandonou a televisão e passou a consumir música nas plataformas digitais e redes sociais.
O impacto do vídeo na música
A verdade é que a MTV mexeu com várias gerações e mudou a indústria da música. Durante décadas, e para muitos, a MTV foi sinónimo de descoberta, quer de novos estilos musicais ou de novos artistas que rapidamente passaram a fazer parte do soundtrack da nossa vida. Foi, também, sinónimo de experiência coletiva, que hoje parece quase anacrónica num universo dominado por algoritmos e playlists personalizadas.
Com a MTV, música deixou de ser apenas som para se tornar também imagem.
O canal fez história desde o momento em que se estreou, em Agosto de 1981, com o vídeo Video Killed the Radio Star, dos The Buggles, um prenúncio do impacto que o formato audiovisual teria na indústria.
O primeiro videoclipe que apareceu na MTV, em 1981. Video Killed the Radio Star dos The Buggles.
Thriller: o vídeo que transformou a música em cinema
A MTV mudou as regras do jogo e videoclipes tornaram-se num elemento central da identidade dos artistas, permitindo-lhes construir um universo visual que complementava a sua estética sonora. Um exemplo clássico do potencial narrativo de um videoclipe é a produção icónica de Thriller, de Michael Jackson, que conquistou o público e solidificou o papel dos vídeos como uma extensão criativa das próprias canções.
Aliás, foi apenas um ano depois de Michael Jackson ter lançado Thriller, que o artista decidiu contactar o realizador John Landis para que pudessem trabalhar juntos, ciente do impacto que um videoclipe poderia ter no sucesso da sua música. Landis, sem sequer ter ouvido a música antes, aceitou o desafio, mas com uma condição: o vídeo teria de ser um pequeno filme. Empolgado, Michael Jackson concordou, e o resultado foi a famosa produção de 13 minutos que se tornou num fenómeno cultural.
Thriller de Michael Jackson, o vídeo que transformou a música em cinema.
Só as filmagens de Thriller, em 1983, já tinham sido uma ocorrência mediática. O set das gravações foi visitado por estrelas como Marlon Brando, Fred Astaire, Rock Hudson e Jackie Kennedy Onassis, tal era a dimensão do acontecimento.
Para garantir que o videoclipe fosse elegível aos Óscares, o realizador John Landis organizou a sua exibição durante uma semana num cinema em Los Angeles. Finalmente, exatamente à meia-noite de 2 de Dezembro de 1983, a MTV estreou mundialmente Thriller.
O impacto foi imediato. O vídeo consolidou a MTV como força cultural, rompeu barreiras raciais na programação do canal (David Bowie havia denunciado publicamente a falta de artistas de minorias na estação) e revolucionou a produção audiovisual na indústria musical. Deu, também, origem ao formato making of dos videoclipes, alimentou o mercado de vendas e alugueres em VHS, e provou ao mundo que o público queria, de facto, poder rever os seus vídeos favoritos quando quisesse, o que era inédito na altura.

Em 2009, Thriller tornou-se o primeiro videoclipe a integrar o National Film Registry da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, selando definitivamente o seu estatuto histórico.
O canal transmitia videoclipes 24 horas por dia, todos os dias.
Para as editoras discográficas, os videoclipes rapidamente tornaram-se indispensáveis, sendo vistos como parte integrante da promoção de qualquer álbum. Independentemente do género, ter um videoclipe passou a ser um passo essencial para conquistar o público e garantir presença no imaginário coletivo.
MTV e a chegada da era digital
Com a chegada da era digital, a influência da MTV diminuiu e o público começou a utilizar plataformas como o Youtube, por exemplo, para assistir aos seus vídeos preferidos on demand e à distância de um clique. Mas o papel dos videoclipes não diminuiu, no fundo ganhou foi uma nova força.
Qualquer um de nós passou a conseguir criar e divulgar videoclipes nas mais variadas plataformas e, de repente, bastava uma publicação para ser possível alcançar milhões de visualizações. Um exemplo claro disto é Gangnam Style, do artista Psy, que em 2012 se tornou num fenómeno global.

Um outro grande salto deu-se com a chegada das redes sociais. Os videoclipes tornaram-se num instrumento ainda mais estratégico, com artistas a recorrem às mesmas para promover lançamentos, partilhar bastidores e manter uma ligação direta com o público. Com o boom das redes, os videoclipes ficaram imediatamente uma ferramenta central de comunicação e marketing na indústria da música.
O declínio dos videoclipes e da MTV
Nos últimos anos, algo mudou. Até os artistas que gozam de uma enorme projeção global registam hoje quebras acentuadas no número de visualizações dos seus videoclipes. É o caso de Sabrina Carpenter, por exemplo, que apesar de ter ultrapassado 2 biliões de streams no Spotify, com a sua música Espresso, não chegou ainda a atingir 500 milhões de visualizações no seu vídeo oficial no Youtube. Não é o trabalho da artista que está em causa, mas sim as alternações recentes nos nossos hábitos como consumidores.
Alguns músicos têm mesmo optado por abandonar os formatos tradicionais dos videoclipes. A mais recente obra da Beyoncé, por exemplo, não se fez acompanhar por videoclipes completos, tendo a artista escolhido criar pequenos excertos visuais (ou visualizers, em inglês) para o álbum Cowboy Carter.
Mesmo os artistas que continuam a apostar em videoclipes no seu formato original têm reduzido drasticamente na sua quantidade. Taylor Swift lançou seis videoclipes com o álbum 1989, mas apenas um para The Tortured Poets Department. Quer isto dizer, ou pelo menos sugerir, que hoje videoclipes são menos centrais à criação ou expressão da identidade artística dos músicos, o que em muito explica o declínio da MTV.
Social media… killed the radio star?
Outro ponto a mencionar é, também, o aparecimento de plataformas de short videos, como o TikTok, que veio abalar o trono dos videoclipes. A atenção do público tem vindo a ficar cada mais fragmentada e consumir vídeos de três minutos não é igual à facilidade com que se assiste a vídeos de 30 ou 60 segundos.
Certo ou errado, triste ou não, a verdade é que o interesse geral nos vídeos tem vindo a diminuir e, consequentemente, os artistas e as editoras reduzem o investimento nas produções. O círculo vicioso mantém-se, apesar dos fãs mais dedicados continuarem a valorizar os videoclipes dos seus artistas preferidos. Para a indústria, vídeos são muitas vezes um gasto difícil de justificar quando os recursos podem ser aplicados em estratégias mais imediatas e rentáveis.
Apesar dos The Buggles terem proclamado, em 1981, que Video Killed the Radio Star, o declínio do videoclipe no formato cristalizado pela MTV representa uma perda lamentável para a cultura visual da música.
Ainda assim, a marca MTV não vai desaparecer completamente. Irá continuar presente em formato digital e nos seus eventos anuais mais reconhecidos, como os Video Music Awards (VMAs) e os Europe Music Awards (EMAs).
Sem dúvida que no último dia de 2025, quando o ecrã da MTV se apagar na Europa, será o fecho simbólico de uma das mais duradouras histórias da cultura popular contemporânea.