A Ferrari abriu o jogo sobre o Elettrica, o seu primeiro modelo totalmente elétrico, durante o Capital Markets Day, realizado em Maranello, esta quinta-feira. A marca italiana revelou o chassis pronto para produção — já com bateria e motores elétricos integrados —, embora sem carroçaria nem rodas. O anúncio, aguardado há meses, marca uma viragem simbólica na história da empresa, mas o tom da apresentação deixou claro que esta transição será mais prudente do que o mercado antecipava.
John Elkann, presidente da Ferrari, descreveu o Elettrica como “a expressão da união entre disciplina tecnológica, criatividade do design e arte da produção”, reforçando a ideia de continuidade com o ADN da marca. Mas, na mesma ocasião, a Ferrari confirmou uma mudança de estratégia: até 2030, a sua gama será composta por 40% de modelos a combustão, 40% híbridos e apenas 20% elétricos — uma revisão significativa face ao plano de 2022, que previa o inverso.
Um elétrico à italiana
O Elettrica será produzido integralmente em Maranello, na nova instalação de “construção eletrónica”, onde a Ferrari passa a fabricar internamente componentes estratégicos de veículos elétricos, incluindo baterias de alta tensão, eixos eletrónicos e inversores. Apesar de não ter revelado dados de desempenho, a marca confirmou que o modelo manterá “características dinâmicas à altura do legado Ferrari”.
Espera-se que o Elettrica conte com dois motores elétricos, tração integral e uma potência superior a 800 cv (mais de 1000 cv no modo boost), posicionando-se entre o SF90 Stradale (híbrido plug-in de 1.000 cv) e os futuros modelos puramente elétricos do segmento GT. A sua aceleração 0-100 km/h será em 2,5 segundos, a sua velocidade máxima de 310 km/h, a autonomia superior a 530 km e capacidade de carregamento a 350 kW.
Fontes próximas da empresa, citadas pela Reuters, indicam que não está previsto um segundo elétrico antes de 2028, refletindo o abrandamento da procura global por veículos de luxo elétricos.
O preço da prudência
A apresentação não convenceu os investidores. As ações da Ferrari afundaram mais de 13% na bolsa de Nova Iorque e 14% em Milão, o pior desempenho diário desde que a empresa abriu capital. O motivo: as novas previsões financeiras ficaram bem abaixo das expectativas. A Ferrari projeta receitas de 9 mil milhões de euros em 2030 e lucros ajustados de pelo menos 3,6 mil milhões, face a 2,7 mil milhões atualmente — um crescimento inferior ao ritmo estimado em 2022.
Analistas da RBC Capital consideram as projeções “conservadoras”, enquanto a CFRA baixou a recomendação da ação para “vender”, reduzindo o preço-alvo de 475 para 350 dólares (aprox. €410 para €302), citando preocupações com a desaceleração do crescimento e o “risco de transição tecnológica lenta”.
Entre o mito e a mudança
Este carro pode ser considerado o culminar de uma longa jornada de pesquisa tecnológica em eletrificação do lado da Ferrari, que começou com as primeiras soluções híbridas derivadas do carro de Fórmula 1 de 2009. Do protótipo 599 HY-KERS de 2010 ao LaFerrari de 2013, e do SF90 Stradale – o primeiro híbrido plug-in da marca de Maranello – e do 296 GTB ao 849 Testarossa apresentado recentemente, a Ferrari construiu o know-how necessário para desenvolver um elétrico “capaz de se destacar em todas as dimensões”, segundo o fabricante.
O Elettrica simboliza a entrada da Ferrari num novo território tecnológico — mas também a resistência de uma marca que fez dos motores a gasolina uma parte essencial da sua identidade. Ao contrário de concorrentes como a Porsche ou a Lotus, que apostaram numa transição mais rápida, a Ferrari parece querer gerir o processo com tempo e margem para preservar margens e exclusividade. Num setor em que a eletrificação já é inevitável, a Ferrari opta por evoluir sem abdicar de si própria — e, por agora, os mercados parecem ter-lhe dado a entender que a hesitação também tem custo.