Acordo de cessar-fogo em Gaza: o que prevê, quem esteve por trás dos esforços diplomáticos e os bastidores do anúncio de Trump

O anúncio -  era já madrugada em Lisboa - feito por Donald Trump de que tinha sido alcançado um acordo entre Israel e o Hamas para um cessar-fogo em Gaza tem motivado reações positivas em redor do mundo.   Fazemos uma síntese sobre o que se sabe do acordo, até agora. O plano de Trump…
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Israel e Hamas acordaram na quarta-feira à noite a fase inicial do cessar-fogo na Faixa de Gaza, após negociações em Sharm al-Sheikh mediadas pelo Egipto, Qatar, Estados Unidos e Turquia. O que se sabe do plano.
Economia

O anúncio –  era já madrugada em Lisboa – feito por Donald Trump de que tinha sido alcançado um acordo entre Israel e o Hamas para um cessar-fogo em Gaza tem motivado reações positivas em redor do mundo.

 

Fazemos uma síntese sobre o que se sabe do acordo, até agora.

O plano de Trump inclui 20 pontos e propõe três fases de retirada das tropas israelitas de Gaza, com as quais Israel concordou: a fase final da retirada deixa cerca de 15% de Gaza sob controlo israelita até que “Gaza esteja devidamente protegida de qualquer ameaça terrorista ressurgente”. Neste contexto, as tropas israelitas em Gaza irão retirar-se para uma zona demarcada.

O exército israelita ficará, assim, numa “linha amarela” demarcada pelos Estados Unidos, que forma um perímetro entre 1,5 e 6,5 quilómetros a partir da fronteira entre Israel e Gaza.

O Exército israelita anunciou já, entretanto, que iniciou os preparativos e está a estabelecer um protocolo para recuar em breve para a linha que foi estabelecida para a primeira fase da sua retirada após acordo. Esta retirada deverá ocorrer antes de segunda-feira, dia em que Donald Trump anunciou que as milícias de Gaza, lideradas pelo Hamas, vão entregar os reféns mantidos em Gaza.

Será também implementada uma troca de prisioneiros palestinianos por reféns israelitas. Uma fonte do Hamas disse à agência de notícias espanhola EFE que Israel deverá libertar cerca de 1.950 prisioneiros palestinianos, incluindo 250 condenados a prisão perpétua, e cerca de 1.700 detidos em Gaza. Em contrapartida, o Hamas libertará os reféns. Segundo deu conta Trump, todos os reféns “serão libertados muito em breve” na primeira fase do acordo, o que significa que Israel vai levar todos os reféns de Gaza para casa, estejam eles vivos ou mortos.

De acordo com o jornal Haaretz, esta primeira fase da retirada vai garantir que o Hamas localize os reféns, mantidos pelo seu braço armado (as Brigadas Al Qassam), mas também por outros grupos, como a Jihad Islâmica Palestiniana.

De acordo com as autoridades israelitas, dos 48 reféns mantidos em Gaza, cerca de 20 ainda estarão vivos. Em declarações à Lusa, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, manifestou “alegria” e “alívio”, sobretudo pela libertação de reféns, designadamente dois cidadãos “com ligações a Portugal, embora um, já seguramente, falecido”. Já posteriormente a estas declarações de Paulo Rangel, a embaixada israelita em Lisboa afirmou que o acordo de cessar-fogo em Gaza levará à libertação dos reféns, “incluindo seis portugueses”.

As partes envolvidas nas negociações acordaram ainda criar condições para permitir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

A invasão de Gaza por Israel persiste há quase dois anos, após o ataque terrorista surpresa do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, com várias negociações de paz e cessar-fogos a fracassarem na região desde então.

Ficou, igualmente, acordado que Gaza será governada transitoriamente por um “comité palestino tecnocrático e apolítico” composto por “palestinianos qualificados e especialistas internacionais”, de acordo com o plano. O comité será supervisionado por um “Conselho de Paz” liderado e presidido por Trump.

Apesar do cessar-fogo e da oportunidade criada para haver paz, o caminho será árduo. Aliás, segundo algumas notícias, o plano de paz de 20 pontos de Trump foi acordado em grande parte por Israel e parcialmente pelo Hamas, com algumas divergências em relação ao desarmamento e ao futuro da governação e das fronteiras de Gaza.

O plano prevê o desarmamento do Hamas, embora o grupo não tenha indicado que pretende concordar com o desarmamento, algo que afirmou que só faria se um Estado palestino fosse estabelecido. Recentemente, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu afirmou que “o Hamas será desarmado e Gaza será desmilitarizada – seja da maneira fácil ou da maneira difícil”.

Também o ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, declarou que votará contra um acordo de cessar-fogo com o Hamas, que inclui a libertação de reféns mantidos em Gaza e de prisioneiros palestinianos. “Emoções confusas numa manhã complexa”, escreveu Smotrich na sua conta na rede social X. Por um lado, o ministro disse sentir “imensa alegria” com a libertação dos reféns mantidos na Faixa de Gaza, mas, ao mesmo tempo, manifestou “grande medo” sobre as “consequências de esvaziar as prisões e libertar a próxima geração de líderes terroristas, que farão todo o possível para continuar a derramar rios de sangue judeu”.

Para já, este acordo, que resulta de uma proposta apresentada pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, coloca em destaque os mediadores, pela forma como conseguiram sentar à mesma mesa e obter um entendimento entre os dois antagonistas deste conflito. Para além dos regozijos pelo cessar fogo, nas reações há também vários elogios aos esforços diplomáticos dos Estados Unidos, do Qatar, do Egito, da Turquia e da Arábia Saudita, nações que se envolveram nas negociações.

O plano original dos 20 pontos

Aqui em baixo reproduzimos, na íntegra, o acordo de 20 pontos de Donald Trump que esteve na mesa a ser discutido, desconhecendo-se, neste instante, se houve efetivo acordo em todas as alíneas:

1. Gaza será uma zona livre de terrorismo e desradicalizada, que não representará uma ameaça para os seus vizinhos.

2. Gaza será reconstruída para o benefício do seu povo, que já sofreu mais do que o suficiente.

3. Se ambos os lados concordarem com esta proposta, a guerra terminará imediatamente. As forças israelitas retirar-se-ão para a linha acordada para preparar a libertação dos reféns. Durante este período, todas as operações militares, incluindo bombardeamentos aéreos e de artilharia, serão suspensas e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que as condições para a retirada completa sejam cumpridas.

4. No prazo de 72 horas após Israel aceitar publicamente este acordo, todos os reféns, vivos e mortos, serão devolvidos.

5. Assim que todos os reféns forem libertados, Israel libertará 250 prisioneiros condenados a prisão perpétua, além de 1700 habitantes de Gaza que foram detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas nesse contexto. Para cada refém israelita cujos restos mortais forem libertados, Israel libertará os restos mortais de 15 habitantes de Gaza falecidos.

6. Assim que todos os reféns forem devolvidos, os membros do Hamas que se comprometerem com a coexistência pacífica e com o desmantelamento das suas armas receberão amnistia. Os membros do Hamas que desejarem deixar Gaza terão passagem segura para os países de acolhimento.

7. Após a aceitação deste acordo, a ajuda completa será imediatamente enviada para a Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025 relativo à ajuda humanitária, incluindo a reabilitação de infraestruturas (água, eletricidade, esgotos), a reabilitação de hospitais e padarias e a entrada de equipamento necessário para remover escombros e abrir estradas.

8. A entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza ocorrerá sem interferência das duas partes, por meio das Nações Unidas e suas agências, da Cruz Vermelha e de outras instituições internacionais não associadas de forma alguma a nenhuma das partes. A abertura da passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado no acordo de 19 de janeiro de 2025.

9. Gaza será governada sob a administração transitória temporária de um comité tecnocrático e apolítico palestiniano, responsável pela gestão quotidiana dos serviços públicos e municípios para a população de Gaza. Este comité será composto por palestinianos qualificados e especialistas internacionais, com a supervisão e fiscalização de um novo órgão internacional transitório, o «Conselho da Paz», que será liderado e presidido pelo presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair. Este órgão estabelecerá o quadro e tratará do financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestiniana tenha concluído o seu programa de reformas, conforme descrito em várias propostas, incluindo o plano de paz do presidente Trump em 2020 e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controlo de Gaza de forma segura e eficaz. Este órgão recorrerá aos melhores padrões internacionais para criar uma governação moderna e eficiente que sirva a população de Gaza e seja propícia à atração de investimentos.

10. Um plano de desenvolvimento económico de Trump para reconstruir e dinamizar Gaza será criado através da convocação de um painel de especialistas que ajudaram a criar algumas das prósperas cidades milagrosas modernas no Médio Oriente. Muitas propostas de investimento ponderadas e ideias de desenvolvimento empolgantes foram elaboradas por grupos internacionais bem-intencionados e serão consideradas para sintetizar as estruturas de segurança e governação para atrair e facilitar esses investimentos que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza.

11. Será estabelecida uma zona económica especial com tarifas e taxas de acesso preferenciais a serem negociadas com os países participantes.

12. Ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair serão livres para fazê-lo e livres para retornar. Incentivaremos as pessoas a permanecerem e lhes ofereceremos a oportunidade de construir uma Gaza melhor.

13. O Hamas e outras facções concordam em não ter qualquer papel na governação de Gaza, direta, indireta ou de qualquer outra forma. Todas as infraestruturas militares, terroristas e ofensivas, incluindo túneis e instalações de produção de armas, serão destruídas e não serão reconstruídas. Haverá um processo de desmilitarização de Gaza sob a supervisão de observadores independentes, que incluirá a inutilização permanente de armas através de um processo acordado de desativação, apoiado por um programa de recompra e reintegração financiado internacionalmente, tudo verificado pelos observadores independentes. A Nova Gaza estará totalmente empenhada em construir uma economia próspera e na coexistência pacífica com os seus vizinhos.

14. Será fornecida uma garantia pelos parceiros regionais para assegurar que o Hamas e as facções cumpram as suas obrigações e que a Nova Gaza não represente uma ameaça para os seus vizinhos ou para o seu povo.

15. Os Estados Unidos trabalharão com parceiros árabes e internacionais para desenvolver uma Força Internacional de Estabilização (ISF) temporária para ser imediatamente destacada em Gaza. A ISF treinará e prestará apoio às forças policiais palestinianas selecionadas em Gaza e consultará a Jordânia e o Egito, que têm vasta experiência neste campo. Esta força será a solução de segurança interna a longo prazo. A ISF trabalhará com Israel e o Egito para ajudar a proteger as áreas fronteiriças, juntamente com as forças policiais palestinas recém-treinadas. É fundamental impedir a entrada de munições em Gaza e facilitar o fluxo rápido e seguro de mercadorias para reconstruir e revitalizar Gaza. Um mecanismo de resolução de conflitos será acordado pelas partes.

16. Israel não ocupará nem anexará Gaza. À medida que a ISF estabelecer o controlo e a estabilidade, as Forças de Defesa de Israel (IDF) retirar-se-ão com base em normas, marcos e prazos relacionados com a desmilitarização que serão acordados entre as IDF, a ISF, os garantes e os Estados Unidos, com o objetivo de garantir uma Gaza segura que não represente mais uma ameaça para Israel, o Egito ou os seus cidadãos. Na prática, as IDF irão progressivamente entregar o território de Gaza que ocupam às ISF, de acordo com um acordo que irão celebrar com a autoridade transitória, até se retirarem completamente de Gaza, com exceção de uma presença de segurança no perímetro que permanecerá até que Gaza esteja devidamente segura contra qualquer ameaça terrorista ressurgente.

17. Caso o Hamas adie ou rejeite esta proposta, o acima exposto, incluindo a operação de ajuda ampliada, prosseguirá nas áreas livres de terrorismo entregues pelas Forças de Defesa de Israel às Forças de Segurança Internas.

18. Será estabelecido um processo de diálogo inter-religioso baseado nos valores da tolerância e da coexistência pacífica, com o objetivo de tentar mudar a mentalidade e a narrativa dos palestinianos e israelitas, enfatizando os benefícios que podem ser obtidos com a paz.

19. À medida que o redesenvolvimento de Gaza avança e quando o programa de reforma da Autoridade Palestina for fielmente executado, as condições poderão finalmente estar reunidas para um caminho credível para a autodeterminação e a criação de um Estado palestino, que reconhecemos como a aspiração do povo palestino.

20. Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos para chegar a um acordo sobre um horizonte político para a coexistência pacífica e próspera.

Bastidores do anúncio de Trump

O anúncio do cessar-fogo tem também já uma pequena história por detrás. Trump estava na Casa Branca a realizar uma mesa redonda sobre influencers quando o secretário de Estado, Marco Rubio, chamou a sua atenção. Rubio passou uma nota em papel, escrita à mão, ao presidente norte-americano. O momento está neste clip de vídeo da Forbes, a partir deste minuto: 1:58:42.

Os fotógrafos, que cobriam o evento, ampliaram a imagem da nota escrita à mão. O fotógrafo da Associated Press, Evan Vucci, foi um desses fotógrafos que capturou uma imagem do bilhete que Rubio entregou a Trump. Dizia: “Muito perto. Precisamos que aprove uma publicação no Truth Social em breve para que possa anunciar o acordo primeiro”.

Trump dirigiu-se, então, para a imprensa: “Acabei de receber uma nota do secretário de Estado, dizendo que estamos muito perto de um acordo sobre o Médio Oriente e que eles vão precisar de mim rapidamente”, referiu Trump, acrescentando que iria “responder a mais algumas perguntas”, o que fez durante cerca de mais dez minutos, perante o ar visivelmente ansioso de Rubio.

É então que Trump diz: “Tenho de ir agora tentar resolver alguns problemas no Médio Oriente — embora esteja muito bem representado [nesta mesa-redonda a decorrer na Casa Branca] pelo nosso secretário de Estado. Ele provavelmente faria um trabalho ainda melhor do que eu, mas quem sabe”.

com Lusa e Antonio Pequeño IV/Forbes Internacional

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