A família Soares Franco, dona da José Maria da Fonseca Vinhos, decidiu, em 2015, criar uma estrutura própria de distribuição para ganhar músculo num mercado altamente competitivo. Foi assim que nasceu a José Maria da Fonseca Distribuição que completa este ano dez anos, nos quais tem conseguido colocar não só as marcas da casa-mãe, mas também de parceiros como o Monte da Ravasqueira ou a Lima & Smith no mindset de clientes e consumidores. O diretor-geral da José Maria da Fonseca Distribuição, Paulo Costa, explica em entrevista à Forbes Portugal como é que o facto de ter um acionista com cunho familiar com 190 anos de tradição ainda é o melhor cartão de visita para conquistar a confiança no mercado. Sem esquecer que o alargamento da gama do portfólio também tem sido crítico para o crescimento das vendas. Paulo Costa refere que a faturação tem vindo a crescer 10% ao ano e que, mesmo com os desafios do mercado, a expetativa é para continuar nesse trajeto positivo. Para este ano espera atingir os 21 milhões de euros e nos próximos dois anos chegar aos 24/ 25 milhões de euros. Mesmo com a tradição no ADN, assume que a inovação também faz parte da estratégia José Maria da Fonseca Distribuição, estando já a oferecer, por exemplo, vinhos sem álcool para responder às novas tendências de consumo.
Qual o retrato que pode fazer do percurso da José Maria da Fonseca Distribuição?
Este ano de 2025 estamos a fazer dez anos. Na realidade, não podemos falar deste projeto sem falar daquilo que é a José Maria da Fonseca Vinhos, porque está na génese de todo este projeto. A José Maria da Fonseca (JMF) é um dos mais antigos produtores de vinhos em Portugal, fizemos no ano passado 190 anos. O facto de ter estado sempre na mesma família desde a sua fundação tem muito impacto na forma como se vive o dia-a-dia da empresa, tanto da empresa de vinhos como da empresa de distribuição. A José Maria da Fonseca, sendo de 1884, passou por tudo o que são factos históricos que nos possamos lembrar da história de Portugal. Nos anos 60 já teve uma empresa de distribuição, das primeiras em Portugal, na altura com uma parceria entre a José Maria da Fonseca e o DV, que mais tarde passou a chamar-se de Diageo e que funcionou durante uma década e meia. Na realidade a distribuição também já estava um pouco dentro do ADN daquilo que é a José Maria da Fonseca, e dentro de todas estas fases que 190 anos de história fazem com que as empresas passem. Passámos uma fase no início da década, portanto, entre 2000 e 2015, em que, as nossas marcas eram distribuídas por empresas externas, pelos nossos parceiros, sendo que, alguns deles ainda são nossos parceiros.
Mas a estratégia mudou…
A partir de 2015, a família Soares Franco, nomeadamente, mais até por iniciativa da sétima geração, decide criar uma estrutura própria de distribuição, que obviamente permitisse que estivéssemos mais próximos do mercado, mais próximos dos clientes e dos consumidores, e que tivesse uma abordagem mais ativa, mais proativa, mais agressiva perante o próprio mercado, que nos últimos anos evoluiu e muito no sentido de ser cada vez mais competitivo. A envolvência da JMF neste projeto, como acionista único, e o facto de ser uma empresa familiar, obviamente que transpõe um ADN de empresa familiar, que é muito importante no nosso dia-a-dia, porque incute fatores como a paixão, o compromisso, a confiança, a credibilidade, que no fundo é aquilo que nós queremos ser no mercado. E é esse um dos grandes fatores de diferenciação que sempre procurámos nestes últimos dez anos e que vivemos todos os dias e que conseguimos felizmente passar também para os nossos parceiros. Depois o trajeto foi o normal, desde todo o trabalho de recrutamento para constituir a equipa que temos hoje em dia, de decisões estratégicas que tivemos de tomar à volta das marcas e do modelo de distribuição, de redefinição de todo o modelo de negócio, inclusive a forma como as duas empresas se relacionam em termos de sistemas de informação, de recursos partilhados. Tudo isso foram indicadores importantes para a construção do projeto que temos hoje. E que felizmente, chegados a 2024, atingiu cerca de 20 milhões de euros e é um caso de sucesso.
E nestes dez anos é possível identificar alguns marcos determinantes que têm ajudado ao crescimento?
Sim, há dois ou três momentos que foram muito impactantes. O momento do arranque foi o fundamental, foi o grande desafio de como montar uma distribuição, não diria do zero, mas quase do zero, que fosse capaz de imprimir impacto no mercado e fazer crescer as vendas dos vinhos da José Maria da Fonseca. Na altura eram só esses. Passados estes dez anos, mais do que triplicámos as vendas das marcas da José Maria da Fonseca em Portugal, portanto é sem dúvida nenhuma um número de sucesso. Um segundo momento foi aquele em que percebemos que já tínhamos condições e capacidade para abrir este serviço de distribuição a produtores externos. Em 2018 foi o grupo José de Mello, dono na altura do Monte da Revasqueira, que nos veio desafiar para que fizéssemos esse trabalho para eles no mercado nacional: de construção e distribuição das marcas do Monte da Revasqueira. Decidimos que sim, que era o momento em que o podíamos fazer, até porque já tínhamos estrutura e precisávamos também de complementar o portfólio e de ganhar escala para conseguir dar os passos seguintes.
Foi um momento-chave…
Este foi também um momento de viragem, até porque a partir desse momento passámos a ter mais portfólio, maior complexidade, maiores necessidades de controle de gestão, de reporting. Tudo isto implicou uma nova alteração do ponto de vista de funcionamento. Depois fomos aumentando também o número de parcerias com outros produtores, hoje já temos bastantes. Mas o terceiro ponto foi o impacto que este projeto de distribuição teve em toda a organização, do ponto de vista dos sistemas de informação, dinâmicas entre equipas, portanto uma proximidade muito grande entre equipas comerciais que todos os dias trabalham com clientes e consumidores e o planeamento e enologia e viticultura. Esta partilha de recursos e de aprendizagens foi muito importante, não só para termos gestão distribuidora, como também para darmos um passo em frente naquilo que é a nossa forma de trabalhar na José Maria da Fonseca, e volto a repetir, com 190 anos de história, que tem também às vezes necessidades de renovar ciclos.
Deixe-me insistir nas parcerias. Como é que se equilibra o peso entre as marcas próprias da José Maria da Fonseca e estas parcerias estratégicas? Além da Ravasqueira, estão com a Lagoalva…
Desde 2018 com a entrada da Ravasqueira, temos dado quase anualmente novos saltos do ponto de vista de aumento de parcerias. Em 2020 a Lima & Smith, que é um pequeno produtor da região do Douro e dos Vinhos Verdes, também entrou para o nosso portfólio, depois em 2022 foi a Lagoalva. Em 2024 o grupo de José de Mello também reorganizou todo o seu negócio de vinhos com a aquisição de novas quintas, nomeadamente, a Quinta de Pancas e a Quinta do Couto, assim como maiores representantes deste negócio. E montou uma holding nova para gerir o negócio de vinhos, chamada WineStone e, portanto, já estava connosco desde 2018 com o negócio da Ravasqueira do Alentejo e integrámos também Pancas e Couto como grandes marcas dentro do nosso portfólio. E já em 2025, em abril, incorporámos também as Caves Messias, que tem um portfólio muito significativo e muito importante, nomeadamente em vinhos do Porto e em espumantes. Como é que se equilibra tudo isto? Encaramos este negócio como uma oportunidade na medida, em que, complementam o nosso portfólio e permitem que tenhamos uma abordagem mais positiva junto dos nossos clientes. Conseguimos satisfazer todo o seu espectro de necessidades, seja do ponto de vista de regiões vitivinícolas, seja do ponto de vista de posicionamento dos vinhos. Neste momento, conseguimos proporcionar aos nossos clientes e consumidores vinhos que vão desde as gamas de entrada seja em Setúbal, no Alentejo, no Douro, até vinhos super premium também nessas regiões, para além de todos os vinhos do Porto e moscatéis antigos que temos no nosso portfólio.
E para ganharem nome no mercado, o facto de estarem inseridos num grupo que já tem esta tradição é o vosso melhor cartão de visita?
Sim, é um trunfo sem dúvida, na medida em que a José Maria da Fonseca tem uma reputação de mercado muito boa, sempre teve e continua a ter. Na fase de arranque do projeto foi absolutamente crítica, porque o nosso cartão de visita tinha a identidade de um dos grandes produtores nacionais de vinhos. Hoje representamos também uma série de marcas de outros produtores, mas conseguimos criar esse nome no mercado também como uma empresa de distribuição e, no fundo, faz sentido pela credibilidade, pela reputação e pela confiança que gera que tenhamos esta identidade. Tudo isto no fundo justifica termos esse nome e o mantermos durante todos estes anos.
Referiu o crescimento da faturação para os 20 milhões de euros em 2024, mas estamos a falar de um segmento competitivo. Qual é o segredo para se manter esta consistência em termos de crescimento neste setor?
Muito, muito, muito trabalho, muito sacrifício, muita confiança e muita energia. Obviamente, digo isto meio a brincar, mas é um facto. Termos as marcas que temos com a notoriedade que têm, com a força que têm, ajuda. É absolutamente crítico. Acima de tudo têm sido esses os nossos maiores fatores de sucesso, termos um portfólio de marcas muito abrangente e com muita notoriedade, mesmo que marcas que se calhar no início de ciclo conosco tivessem menos vendas do que notoriedade, por assim dizer, aquilo que representam no imaginário do consumidor depois não era refletido nas vendas que geravam, nomeadamente em Portugal, e esse foi um dos nossos grandes desafios e conseguimos ultrapassar, tanto que marcas como Periquita, BSE, João Pires – que foi um sucesso tremendo nos últimos quatro anos, aliás o nosso maior caso de sucesso – são marcas que hoje, obviamente, têm ainda mais presença no imaginário do consumidor, mas não só aí, também à mesa todos os dias dos nossos consumidores, seja em casa, seja na restauração.
E como conseguem vencer?
Mas sim, como dizia, o mercado dos vinhos é um mercado altamente competitivo, aliás, essa competitividade tem crescido nos últimos anos. Cada vez vemos mais marcas de vinhos, mais produtores de vinhos aparecerem, com mais variedade no sortido, não só é um mercado muito competitivo e dinâmico como altamente promovido como o mercado das cervejas, como o mercado dos produtos de higiene pessoal. Este modelo de negócio dos grandes descontos também está muito presente no mercado dos vinhos e isso é também mais um desafio, isto aliado ao facto de o mercado não crescer. Nos últimos dois anos o mercado caiu se calhar 1%, obviamente que representa grandes desafios, que conseguimos ultrapassar e vencer até agora, mas que para o futuro criar ainda mais dificuldades e maior incerteza. Mas estamos confiantes que vamos conseguir manter este percurso nos próximos anos.
Nesta fase, como antecipa os próximos dez anos para a José Maria da Fonseca Distribuição?
Os planos de negócio valem o que valem, porque são exercícios de ambição obviamente, mas de futurologia. A nossa prioridade nos próximos anos, até porque demos saltos muito significativos, tanto do ponto de vista de vendas, como do ponto de vista de estrutura e de portfólio, é conseguir consolidar toda a nossa operação. E por consolidar significa que com a entrada, nomeadamente, de Pancas e de Couto, duas marcas da WineStone, e com a entrada da Messias, nós ficámos já confortáveis com aquilo que é a nossa oferta do ponto de vista de portfólio. E vamos entrar na fase em que temos efetivamente de consolidar este negócio e de apresentar os resultados que nos propusemos, aos nossos parceiros e também aos nossos acionistas, como é óbvio. Desde o início do projeto tivemos um crescimento médio anual à volta dos 10%, não vamos obviamente, até porque o mercado não evolui para aí, manter estes níveis de crescimento, até porque não intencionamos incorporar, para já, muito mais marcas no nosso portfólio. Portanto, a aposta é fazer crescer estes projetos. Ainda assim, espero, em 2025, já fechar com cerca de 21 milhões de euros e depois em 2026 e 2027 chegar rapidamente aos 24 milhões e 25 milhões de euros.
Em termos dos canais de venda das marcas, é sobretudo no horeca (hotéis, restaurantes e cafés) ou estão também no retalho alimentar?
São os dois. A nossa aposta foi sempre, desde o início da operação em ambos os canais. O grande desafio é como é que podemos garantir que os nossos consumidores têm a possibilidade de comprar ou consumir as nossas marcas em qualquer momento. Quando digo em qualquer momento, é se estão no restaurante têm de poder consumir os nossos vinhos. Se vão ao supermercado também têm de estar presentes. Se forem a uma garrafeira, a mesma coisa. Se forem online, que é obviamente um segmento também em expansão, as nossas marcas têm de estar disponíveis. O nosso grande desafio era a distribuição e a distribuição em ambos os canais. No caso do On Trade, é um canal onde tipicamente as marcas se constroem, onde se lançam os novos produtos. Nós estamos, como é óbvio, de acordo com essa filosofia. Até porque, andando mais uma vez para trás, uma das grandes géneses e forças da José Maria da Fonseca Vinhos é o mercado da exportação. E o nosso mercado, On Trade, é o mercado onde tipicamente o nosso turista consome os vinhos portugueses. E, consumindo os vinhos portugueses, os nossos nomeadamente, sendo positivamente impactado por eles, aumentamos também o nosso mercado potencial na exportação.
E no Off Trade?
O Off Trade é o mercado com a maior fatia de vendas em Portugal. Se calhar 60 ou 70% das vendas de vinhos em Portugal são feitas num supermercado, isto vendas em volume. É absolutamente crítico. O Off Trade tem uma capacidade de teste de inovação, de lançamento de produtos, de resultados imediatos, que não é a grande vantagem do On Trade. Também, por aí, é cada vez um mercado mais competitivo e onde todos os produtores que pretendem estar. Nós, obviamente, tendo marcas que estão no coração dos consumidores como o Periquita, o BSE, o João Pires, o Alambre, o Lancers, a Ravasqueira, a Lagoalva, o Pancas, que estão no nosso coração no dia-a-dia, a presença em Off Trade é incontornável. Portanto, sim, vamos manter uma aposta nos dois canais e aproveitar o digital como potencial de crescimento, apesar de ter vendas muito residuais, nesta fase.
A atuação da empresa é apenas o mercado nacional? Há alguma ponte para a exportação das marcas do grupo?
A José Maria da Fonseca tem um histórico de presença nos mercados internacionais muito grande. Há dez anos as vendas para o mercado internacional representavam-se cerca de 70% do total. Com o projeto de distribuição em Portugal, os pratos da balança equilibraram-se um bocadinho até pelos crescimentos exponenciais que tivemos em Portugal. Este modelo, tal como está concebido, é apenas para o mercado nacional, mas obviamente que podemos e devemos tirar aprendizagens do modelo que implementámos aqui e percebermos como é que se pode adaptar a outros países. O futuro dirá se assim se vai manter ou se não. Mas, para já, a nossa presença é apenas em Portugal.
Hoje os consumidores procuram packaging sustentáveis, começam a surgir os vinhos sem álcool. Como é que têm adaptado a oferta a estas novas tendências de consumo?
Sim. Temos feito esse trajeto. O facto de termos uma empresa que está hoje muito mais próxima do mercado, obviamente que nos tem dado os inputs necessários para irmos adaptando a nossa oferta àquilo que são as exigências do consumidor. Isto tanto do ponto de vista da produção, como do ponto de vista da distribuição. Mais do ponto de vista do produtor, nós depois temos feedbacks que passamos de uma forma muito consistente, tanto ao produtor José Maria da Fonseca Vinhos, como aos outros produtores que connosco trabalham, no sentido de perceber se temos a gama adaptada ao poder de compra ou não, sendo que o poder de compra tem sido um fator muito importante, nomeadamente nos últimos dois anos e com este fenómeno de inflação que não tínhamos nos anos anteriores. Seja por questões de preocupação com a sustentabilidade que nos obrigam a ser mais inovadores do ponto de vista do packaging, garrafas de vidro mais leves, poupanças na cartonagem. Tudo isso são aspetos que nós passamos à produção e aos vários produtores como áreas de melhoria, e obviamente do ponto de vista do perfil do consumidor também conseguimos ter apports muito importantes. Sentimos claramente que os vinhos sem álcool são uma tendência. Neste momento, somos o mais antigo produtor em Portugal de vinhos sem álcool, e ainda um dos únicos. Temos sentido muita procura, aliás temos tido alguns problemas de produção no sentido de conseguirmos satisfazer toda essa procura tanto no mercado nacional como no mercado internacional. Achamos que vinhos sem álcool ou com pouco álcool serão o futuro, e o desenvolvimento de novas soluções dentro dessa área está no topo das nossas prioridades.
Nesta fase, quantas marcas é que têm nesta categoria?
Nós temos uma marca de vinho sem álcool que é o ‘O%riginal’, que está em referência de tinto, branco e rosé, e temos uma marca que queremos usar, que é a marca Lancers, que está a ser desenvolvida no sentido de termos projetos de vinhos com pouco álcool. Tipicamente até são para targets mais jovens, e é esse o posicionamento que queremos colar a marca nos últimos anos. Portanto, temos dois tipos de ofertas neste momento para o consumidor.