Encontramo-nos em Lisboa. Camila Coelho, que conheço desde sempre pelas redes sociais, eu e mais de dez milhões de seguidores, já estava quase pronta para o photoshoot marcado com a Forbes, quando cheguei ao Corinthia Hotel e a espreitei pela porta entreaberta. Kayo, o make up artist, a dar os últimos retoques. Tatiana a filmar o making off e a Marisa a escolher os slots ideais na suite Fado. É o ambiente das grandes influencers mundiais. É o ambiente de Camila, esse nome incontornável no mundo da beleza e do lifestyle. Abraçamo-nos para não estragar make-ups, mas apartir daí a conversa foi sem batons, sem rímel, sem disfarçar sentimentos e de coração aberto.
Para lá das câmaras e das redes sociais, longe do brilho das passerelles, das sessões fotográficas e dos filtros digitais, esconde-se uma história de raízes humildes, de desafios de saúde e de uma coragem diária que inspira milhões de pessoas em todo o mundo.
“Sou uma rapariga que veio do interior de uma pequena cidade de Minas Gerais, no Brasil, cresci numa família numerosa, muito ligada à natureza”, contou-me com a simplicidade de quem não esquece de onde veio. “A minha maior felicidade até hoje é regressar às minhas origens e perceber que a verdadeira felicidade está nas coisas mais simples da vida.”
Camila nasceu no Brasil, mas aos 14 anos acompanhou a família numa mudança radical para os Estados Unidos. Instalou-se na Pensilvânia, sem falar inglês e enfrentou um choque cultural profundo. “Foi difícil no início, principalmente porque quase não havia latinos onde vivíamos. Mas sempre gostei de mudanças e descobri cedo que me adapto com facilidade. Sou uma pessoa positiva e isso ajuda muito.”
“Nunca foi apenas maquilhagem. Era algo que vinha de dentro, um exercício de empoderamento.”
Contudo, Camila nunca deixou o Brasil para trás. “Tenho 37 anos e passei a maior parte da minha vida fora, mas continuo profundamente ligada ao meu país. A comida, a música, as pessoas… nada substitui o calor humano brasileiro. É por isso que digo sempre: nunca me tornei estrangeira.”
Se a sua ligação às origens é inquebrável, o percurso profissional foi marcado por escolhas corajosas. Camila terminou o ensino secundário nos Estados Unidos, mas não seguiu para a universidade. “Durante muito tempo senti-me inferior por não ter um diploma universitário. Achava que nunca seria respeitada. Até que a própria Forbes nos EUA destacou esse facto e foi aí que percebi que seguir o coração pode ser tão válido quanto qualquer título académico.”
O seu percurso é o de uma cinderela da vida real. Trabalhou num balcão de maquilhagem na Macy’s, representando a Dior, e foi aí que descobriu a paixão pela ligação humana através da beleza. “As mulheres sentavam-se na cadeira e saíam de lá empoderadas. Esse sentimento de autoestima e confiança foi o que me conquistou.” Daí ao YouTube foi um passo natural: partilhar tutoriais, dicas e sobretudo criar comunidade. “Nunca foi apenas maquilhagem. Era algo que vinha de dentro, um exercício de empoderamento.”
A sua ascensão foi pioneira, numa altura em que as redes sociais ainda eram vistas com ceticismo. “Em 2011, quando comecei, tínhamos de provar que isto não era futilidade, mas sim o futuro. Foi difícil, mas aos poucos ganhei respeito e comecei a trabalhar com grandes marcas.” O reconhecimento internacional trouxe capas de revista, colaborações e, mais tarde, o desejo de criar os seus próprios projetos.
Em 2019 lança a sua marca de roupa, seguindo-se, já em plena pandemia, pela marca de beleza Elaluz. “Poderia ter usado o meu nome, mas queria algo Maior. Elaluz significa ‘ela é luz’. Todas nós temos uma luz interior, só precisamos de a reconhecer. Quando conseguimos deixá-la brilhar, não há limites.” Hoje, a marca está presente em mais de 500 lojas da Ulta, nos Estados Unidos, e Camila sonha expandi-la para o Brasil e para a Europa.
Camila Coelho “Foi o dia mais terrível da minha vida. Percebi que não podia lutar contra quem eu era. Desde então nunca mais descuidei o tratamento e passei a ser grata pela minha vida todos os dias.”
Talvez o capítulo mais marcante da sua vida não esteja no sucesso empresarial, mas na coragem de partilhar uma fragilidade. Diagnosticada com epilepsia aos 9 anos, viveu anos em silêncio, com receio do estigma. “Guardei isso durante muito tempo. Tomar a decisão de revelar foi assustador, porque ainda existe preconceito. Mas percebi que tinha de dar visibilidade e mostrar que a epilepsia não me define.”
Na adolescência, Camila Coelho chegou a interromper a medicação, tentando esconder a doença. O resultado foi uma crise em público, na escola. “Foi o dia mais terrível da minha vida. Percebi que não podia lutar contra quem eu era. Desde então nunca mais descuidei o tratamento e passei a ser grata pela minha vida todos os dias.”
Hoje é embaixadora da campanha END EPILEPSY e membro do conselho da Epilepsy Foundation, usando a sua plataforma global para combater o estigma. Ao mesmo tempo, equilibra a carreira com a maternidade, sempre consciente das adaptações que a condição lhe exige. “Quando quis engravidar, sabia que teria de planear, porque tomo medicação. Foi um processo difícil, mas que me ensinou ainda mais sobre fé e resiliência.”
Camila Coelho é muito mais do que uma influenciadora digital. É empresária, criadora de marcas, mãe e, acima de tudo, uma mulher que transformou vulnerabilidade em força. Entre raízes brasileiras e uma vida global, prova que autenticidade e coragem podem ser as maiores ferramentas de liderança.
Como me disse, com a convicção de quem aprendeu a encontrar sentido nas adversidades: “Todas nós somos especiais, capazes de ser e fazer o que quisermos. O segredo é acreditar, encontrar a nossa luz e deixá-la brilhar.”
Fotos: Marisa Cardoso
Hair styling e Make up: Kayo Henriques