Recursos Humanos: O poder do talento no sucesso dos negócios

O mundo do trabalho está em constante mudança e essa parece ser a única certeza numa economia globalizada à escala mundial. A Revolução Industrial, iniciada na Europa no século XVIII, alterou profundamente as formas de produção e com elas as relações de trabalho, que se transformaram rápida e radicalmente. As manufaturas deram origem às fábricas,…
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O mundo do trabalho está em mudança e os desafios que se avizinham são inúmeros. Com o surgir das novas tecnologias, sobretudo com o desenvolvimento da Inteligência Artificial, procuram-se novas competências. As lideranças estão no centro da transformação dos novos Recursos Humanos.
Líderes

O mundo do trabalho está em constante mudança e essa parece ser a única certeza numa economia globalizada à escala mundial. A Revolução Industrial, iniciada na Europa no século XVIII, alterou profundamente as formas de produção e com elas as relações de trabalho, que se transformaram rápida e radicalmente. As manufaturas deram origem às fábricas, que necessitavam de mão-de-obra preparada para operar a nova maquinaria. Mas, ainda assim, as suas condições de trabalho não melhoraram: as horas de trabalho aumentaram e os salários diminuíram. As sociedades dividem-se então entre patrões, detentores do capital e assalariados, divisão esta que ainda hoje se mantém de alguma forma.

Contudo, o conceito de trabalho tem mudado ao longo das décadas. “Estamos a operar num mundo onde o trabalho já não é definido por empregos, o local de trabalho já não é um lugar específico, muitos trabalhadores já não são os empregados tradicionais. Com a ascensão da Inteligência Artificial no local de trabalho, o futuro do trabalho nunca foi tão questionado e as organizações estão a repensar tudo, desde as estratégias de talento ao papel dos recursos humanos e à forma de otimizar o desempenho humano num mundo orientado para a tecnologia”, pode ler-se no relatório da Deloitte “2025 Global Human Capital Trends”.

As organizações do futuro estão agora a redesenhar-se e a gestão de pessoas, dos locais de trabalho, das competências e a cultura das empresas estão a tentar adaptar-se e encontrar um ponto de equilíbrio.

Este relatório, elaborado anualmente, pretende ser um roadmap para as empresas articularem as suas políticas e definirem as melhores estratégias em função das tendências que se avizinham. O documento é muito marcado pelo novo paradigma nas relações de trabalho, já que os avanços tecnológicos estão a dissolver as fronteiras tradicionais entre organizações e trabalhadores, dinâmica esta que exige que as empresas repensem as suas estratégias de gestão de capital humano. E o research destaca três tipos de tensões que necessitam ser avaliadas, para que se ponham alinhar as estratégias: a estabilidade versus a agilidade, a autonomia do trabalhador versus o controle organizacional e o foco no curto prazo versus o investimento a longo prazo. Duas das estratégias que aconselha são as de envolver os colaboradores no desenvolvimento de soluções, promovendo um senso de propriedade e alinhamento com os objetivos organizacionais; e a outra é priorizar resultados humanos, focando-se no bem-estar e desenvolvimento dos colaboradores, reconhecendo que o sucesso organizacional está intrinsecamente ligado ao desempenho humano. Para que tudo isto seja possível, as lideranças são essenciais, e por isso mesmo estão no centro do estudo realizado este ano.

As organizações do futuro estão agora a redesenhar-se e a gestão de pessoas, dos locais de trabalho, das competências e a cultura das empresas estão a tentar adaptar-se e encontrar um ponto de equilíbrio. Para a coach e especialista em marca pessoal, Maria Duarte Bello, autora de vários livros, os colaboradores do futuro deverão ser altamente adaptáveis e comprometidos com a aprendizagem contínua, prontos para se reinventar. “Serão valorizadas competências como o pensamento crítico e a capacidade de resolver problemas complexos com criatividade e com base em dados”, diz. A especialista acrescenta ainda que, entre outras características, a fluência digital será essencial, incluindo o domínio de ferramentas tecnológicas e uma compreensão geral de áreas como automação e segurança da informação.

O mundo do trabalho: principais desafios que enfrenta

Em 2023 havia, em todo o mundo, cerca de 3,63 mil milhões de pessoas a trabalhar, o que corresponde a 60% de toda a população ativa, segundo a ILO – International Labour Organization. Este valor representou um crescimento de 2,1% face a 2022, mas um acréscimo bastante acentuado se pensarmos que em 1990 apenas existiam 2,33 milhões de pessoas empregadas. A população mundial tem crescido de forma acelerada, sobretudo nas economias em desenvolvimento, tendo ultrapassado já a barreira dos 8 mil milhões de pessoas, que necessitam, obviamente, de recursos para a sua sobrevivência. Estes recursos são conseguidos, na larga maioria dos casos, através do trabalho. Infelizmente, e apesar de boa parte da população mundial ter emprego, regista-se ainda uma elevada taxa de pobreza entre as pessoas empregadas, que atinge os 6,4%. Em 2024, a maioria da força laboral estava situada na Ásia e Pacífico, região alargada que detém cerca de 56,3% de todos os trabalhadores mundiais, seguindo-se a África, com 14%. A Europa apenas detém 9,7% desta força laboral. Portugal, em particular, ocupa cerca de 5,1 milhões de pessoas e regista uma taxa de emprego de 78,5% (considerando-se aqui pessoas entre os 20 e os 64 anos). A taxa de desemprego foi de 6,4% em 2024, sendo que o salário mínimo nacional se situa nos 870 euros, sendo um dos 10 mais baixos da Europa.

Paulo Lopes Henriques. Foto/DR

Face a este panorama, um dos grandes desafios que o mundo do trabalho enfrenta é o advento das novas tecnologias, sobretudo da Inteligência Artificial (IA), que ameaça uma enorme transformação no mercado laboral. Segundo um relatório do Fórum Económico Mundial, cerca de 23% das profissões serão impactadas com esta tecnologia até 2027. Estima-se a criação de 69 milhões de novos empregos, mas também se espera que desapareçam 83 milhões de postos de trabalho. Na prática, em termos líquidos, vão perder-se 14 milhões de postos de trabalho.

No entanto, para 82% dos líderes mundiais, a Inteligência Artificial e a automação, são vistas como aliadas dos profissionais de RH, conforme nos revela o estudo Talent Trends 2025, da Randstad. O estudo mostra ainda que, apesar de apenas 41% das empresas utilizarem automação, 83% reconhecem o seu potencial transformador. Este estudo concluiu ainda que 84% dos líderes inquiridos dão prioridade ao talento face à redução de custos e 79% destacam a digitalização da função de RH como uma alavanca da eficiência.

O impacto da transformação da Inteligência Artificial

Foi com a ideia central de que vivemos em tempos desafiantes para a área de Recursos Humanos que o ISEG criou, em parceria com a consultora SHL, o HR Ahead Project. Trata-se de uma plataforma de colaboração entre investigação e a prática de RH que reúne investigadores e profissionais para a necessária discussão nesta matéria. Paulo Lopes Henriques, professor catedrático com competências na área de Gestão de Pessoas, está na origem da criação desta plataforma, tal como Susana Almeida Lopes, igualmente professora e investigadora nesta instituição, e ainda managing partner da SHL.  “Uma das premissas para a criação deste projeto foi abordar esta investigação com uma linguagem acessível a empresários e técnicos de gestão de recursos humanos. Fomos mais além dos formatos de papers académicos. Queremos estar sempre em diálogo com as organizações, para encontrar soluções e oportunidades”, refere, a propósito, Paulo Lopes Henriques.

Para 82% dos líderes mundiais, a Inteligência Artificial e a automação, são vistas como aliadas dos profissionais de RH, conforme nos revela o estudo Talent Trends 2025, da Randstad.

Os dois especialistas defendem que o grande tema em discussão na gestão de RH é, de facto, o impacto da IA no mercado de trabalho. “O maior desafio que identificamos no momento é a introdução da Inteligência Artificial, não da ameaça, que não vemos como tal, mas antes da oportunidade”, explica Paulo Lopes Henriques.  “Eu defendo que a IA é uma oportunidade única na perspectiva das organizações, pela automatização, pela transformação das funções e dos trabalhos. Tudo isto mostra que a gestão de recursos humanos que tem de ser muito mais estratégica. A organização tem de perceber o talento que tem, o talento que precisará nos próximos anos, o que tem em excesso. Estes são temas críticos, e juntam-se à formação, ao reskilling e ao upskilling”, explica Susana Almeida Lopes.

Susana Almeida Lopes. Foto/DR

Para Paulo Lopes Henriques, a IA é uma oportunidade para os RH, mas exige que sejam criadas condições para isso. “A primeira condição é que os gestores de RH têm de mudar o seu mindset, têm de ser transformar na forma como olham para a sua função e, sobretudo como olham para a interação da sua função com as outras. Têm de deixar de ter medo de serem estratégicos e têm de  sentar nos conselhos de administração das organizações”, explica o especialista do ISEG. E refere que “quando falamos em talento, falamos no sucesso das organizações. Isto é o que vai distinguir uma organização da outra. Investir em talento é acabar com a nossa concorrência no mercado”. Um skill fundamental para os gestores de RH, é por exemplo, saberem falar a linguagem financeira, para apresentarem, por exemplo, ganhos efetivos para a empresa ao tomarem determinadas decisões relacionadas com as suas equipas. “Quem gere o talento dentro das organizações, tem de perceber do negócio, tem de estar no terreno para ter visão estratégica”, diz. Alguém que esteja na gestão de recursos humanos e não saiba do negócio, invariavelmente não vai conseguir encontrar as melhores soluções”, acrescenta.

Paulo Lopes Henriques defende que os gestores de RH não podem ser subalternos da direção das organizações. “No futuro, quem gerir bem a área de Recursos Humanos, – e isso implica saber para onde se quer ir e como se quer ir – vai dotar a empresa dos recursos necessários para se distinguir no mercado”, afirma. Uma das principais características destes líderes terá de ser – além das chamadas softskills, também necessárias, como a empatia – o suporte técnico. É este conhecimento que lhes vai dar poder dentro da organização, fundamentando escolhas mais eficientes para a estratégia do negócio.

Para Paulo Lopes Henriques, a IA é uma oportunidade para os RH, mas exige que sejam criadas condições para isso. “A primeira condição é que os gestores de RH têm de mudar o seu mindset (…)”

Na prática, as grandes e médias empresas já têm este tipo de preocupações muito definidas na sua estratégia, mas falta ainda chegar a inúmeras micro e pequenas empresas, que não têm recursos para incluir a gestão de RH no seu dia a dia. Para ajudar a diminuir esta lacuna, Susana Almeida Lopes refere que há pequenas coisas que poderiam ser feitas. Uma delas seria através do IEFP através de modelos e de templates para poderem fazer um plano de formação, um plano de mobilidade, e da formação em tecnologia para requalificar as pessoas. “Uma empresa com 10 ou 15 colaboradores não vai ter dinheiro – ou até visão – para pagar a quem faça um plano destes. Mas há coisas simples, que podem ser implementadas em termos centrais. Outra ideia que temos seria haver uma bonificação fiscal, em sede de  IRS e de IRC, para investimento em formação efetiva de organizações que queiram entrar pelas áreas que são estratégicas, pelas áreas de capacitação do seu talento, das suas pessoas e também dos seus gestores de recursos humanos, de inovação e de tecnologia”, refere a investigadora.

Como reter talento: Boas práticas e estratégias de inclusão

Um dos problemas com os quais as empresas de debatem, sobretudo com uma nova geração de talento bem mais qualificada, é a atração e retenção destes profissionais, que procuram desafio, missão e, sobretudo, propósito. Quanto a isto, Susana Almeida Lopes diz que “os principais fatores para as pessoas ficarem nas empresas são as oportunidades de desenvolvimento, o reconhecimento e a valorização das características humanas, nomeadamente na valorização do bem-estar”. A promoção do bem-estar nas organizações é uma tendência que não era muito habitual há uma décadas, mas que agora esta a aparecer com muita força. Esta ideia de que o colaborar estava sempre disponível, que tinha de trabalhar mais horas para ser reconhecido, está a cair em desuso”, refere a especialista das SHL. Estas escolhas não são apenas preocupação com a saúde mental do colaboradores, mas também porque as pessoas já não o querem fazer, até porque a Europa e Portugal estão praticamente em pleno emprego e a facilidade de mobilidade e de trabalho remoto é grande. “As pessoas têm opção de escolha, e as organizações, se querem retê-las, não podem apenas pensar nas retribuições salariais”, explica Susana.

“As gerações atuais trazem desafios às organizações. Não trazem experiência, mas têm ingenuidade suficiente para dizer aquilo que é preciso ser dito, e desafiam as empresas a sair da mediocridade. Esta rapaziada vai fazer perguntas que ninguém se atreve a fazer, obrigando a pensar em formas alternativas”, remata Paulo Lopes Henriques.

O poder da diferença: como criar uma marca pessoal

Maria Duarte Bello defende que os profissionais do futuro deverem ter competências colaborativas, especialmente em equipas diversas e distribuídas, o que exigirá inteligência emocional, empatia e boas capacidades de comunicação, tanto presencial como virtual. “Espera-se também que tenham uma forte capacidade de autogestão, proatividade e autonomia, assim como uma mentalidade empreendedora orientada para os resultados. Além disso, será fundamental ter consciência global, respeitar a diversidade cultural e agir com ética e responsabilidade social, contribuindo ativamente para um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente”, acrescenta.

Maria Duarte Bello. Foto/DR

E num mundo globalizado e com recursos humanos cada vez mais bem preparados, destacar-se é fundamental.  “Criar uma marca pessoal é cada vez mais importante num contexto em que se exige maior protagonismo, influência e credibilidade. Uma marca pessoal bem definida permite tornar o profissional mais reconhecido e valorizado tanto dentro da organização como no mercado”, explica Maria Duarte Bello. Explica que para criar uma marca  pessoal sólida e autêntica, é fundamental começar por uma reflexão interna sobre quem se é, o que se valoriza e o que se quer comunicar ao mundo profissional. “A clareza sobre os próprios valores, competências e propósito é o primeiro passo. Em seguida, é importante definir uma proposta de valor: o que torna esse profissional único e relevante no seu sector”, afirma. Para esta especialista, a presença online deve ser cuidada e estratégica, com destaque para plataformas como o LinkedIn. Participar em eventos, formar redes de networking e colaborar com outros profissionais também ajuda a reforçar a visibilidade e a credibilidade. Importante é também investir em desenvolvimento contínuo, seja através de formações, leituras ou mentoria, mostrar dinamismo e compromisso com a evolução profissional. “Criar uma marca pessoal é, no fundo, um processo contínuo de construção de reputação, autenticidade e influência”, remata.

 

Descubra as cinco tendências que estão a transformar a força de trabalho

O estudo Global Workforce of the Future 2025, da Adecco, realizado em 60 mercados, identifica cinco tendências que estão a marcar o mundo do trabalho. Saiba a seguir quais são:

1 – Flexibilidade híbrida torna-se a nova norma – O modelo híbrido consolidou-se como a preferência dominante. Segundo dados do “Global Workforce of the Future”, cerca de 65% dos profissionais em todo o mundo preferem modelos que combinem presencial e remoto.

 2 – A Inteligência Artificial já impacta o dia a dia do trabalho – A IA deixou de ser uma promessa distante para se tornar uma ferramenta nas tarefas diárias. Desde o apoio à tomada de decisão até à automatização de processos administrativos, a tecnologia está a mudar a forma como se trabalha.

3 – Diversidade geracional: quatro gerações no mesmo local de trabalho – Pela primeira vez, quatro gerações coabitam no mercado de trabalho, com expectativas, referências e valores diferentes. A convivência entre Baby Boomers, Geração X, Millennials e Geração Z traz novos desafios à liderança, à comunicação e à cultura organizacional.

 4 – Saúde mental no centro da estratégia de talento – O bem-estar emocional é hoje uma prioridade inegociável para grande parte dos profissionais. De acordo com o estudo da Adecco, 40% dos trabalhadores afirmam que o apoio à saúde mental é um critério decisivo na escolha de um empregador.

5 – Mobilidade interna ganha protagonismo – Num contexto de escassez de talento especializado, as empresas estão a redescobrir o valor da mobilidade interna como estratégia para reter competências e preparar as equipas para os desafios futuros.

(Artigo originalmente publicado na edição nº80 de junho/julho de 2025)

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