Opinião

Uma nova relação comercial com os EUA ou a capitulação da União Europeia às mãos de Trump?

José Rijo

We have no eternal allies, and we have no perpetual enemies. Our interests are eternal and perpetual, and those interests it is our duty to follow” (“não temos aliados eternos, nem temos inimigos perpétuos. Os nossos interesses são eternos e perpétuos, e é nosso dever prosseguir esses interesses”). Esta lendária frase proferida por Lord Palmerston (primeiro-ministro do Reino Unido, em meados do século XIX), na Câmara dos Comuns, em 1848 (a qual, ao longo dos tempos, foi objeto de afloramentos por parte de renomados estadistas como Churchill e Kissinger), parece hoje revelar-se como fonte inspiradora da governação da atual Administração norte-americana.

Reflexo evidente de tal conduta é o que se pode retirar da recente Declaração Conjunta sobre um Acordo-quadro entre os Estados Unidos e a União Europeia com vista a um comércio recíproco, justo e equilibrado. Com efeito, ao contrário do que normalmente sucede em negociações livres e desprovidas de “reservas mentais” prévias, nas quais as partes contratantes visam o objetivo comum de estreitar os seus laços comerciais por via da supressão de direitos aduaneiros, da eliminação de medidas restritivas do comércio e da remoção de obstáculos regulatórios, o que resulta claro daquela Declaração Conjunta são os antagónicos “estados de alma” com que as partes em apreço partiram para esta negociação. Para a União Europeia, este Acordo-quadro vale prioritariamente pela segurança, estabilidade e previsibilidade que pode trazer para as empresas em geral, face ao que vivemos nos últimos 6 meses, fortemente marcados por declarações contraditórias de Trump, as quais, dada a sua inconstância, introduziram um elevado grau de incerteza no tecido empresarial europeu. Diferentemente, para os Estados Unidos, o principal desiderato a prosseguir é o reequilíbrio da relação comercial entre as duas partes, o qual é francamente favorável à União Europeia.

Em vista de tal finalidade, os Estados Unidos passam a aplicar uma taxa (“duty reciprocal tariff”) de 15% à generalidade dos produtos originários da União Europeia, sempre que sua taxa NMF (nação mais favorecida) em vigor até a 7 de agosto de 2025 for inferior a 15%; nos casos em que a taxa NMF praticada pelos Estados Unidos aos produtos originários da UE até àquela data for superior a 15% não será aplicada a “reciprocal tariff”, mantendo-se em vigor o nível de tributação anterior a 7 de agosto de 2025 (que será sempre superior a 15%). Tratando-se de produtos em cujo processo de fabrico foram incorporados componentes ou matérias-primas norte-americanas em valor igual ou superior a 20%, a mencionada “reciprocal tariff” aplica-se apenas ao valor dos componentes, partes separadas e matérias-primas não originárias dos EUA. No domínio dos produtos derivados de ferro ou aço e alumínio, a pauta aduaneira norte-americana continuará a aplicar um encargo adicional de 50%, acordando as partes em avaliar a possibilidade da criação de um sistema de quotas que alivie aquele elevado encargo (à semelhança dos mecanismos de defesa comercial que a própria União Europeia utiliza para mitigar os efeitos das taxas que aplica nas importações daqueles produtos).

No que concerne às barreiras comerciais digitais, as partes comprometem-se a não adotar ou manter taxas de utilização das redes, nem a aplicarem direitos aduaneiros sobre as transmissões eletrónicas. Os Estados Unidos e a União Europeia estão ainda sintonizados em continuar a apoiar a moratória sobre os direitos aduaneiros nas transmissões eletrónicas na Organização Mundial do Comércio e a procurar a adoção de um compromisso multilateral com carácter permanente.

Mas não é só no domínio tarifário que este Acordo-quadro se revela leonino para o país do Tio Sam. As exigências de Trump no decurso desta recente “negociação” foram igualmente impiedosas noutras áreas. Se não vejamos. Os Estados Unidos e a União Europeia comprometem-se a cooperar para garantir o fornecimento seguro, fiável e diversificado de energia. Como parte deste esforço, a União Europeia vai adquirir gás natural liquefeito, petróleo e produtos de energia nuclear aos Estados Unidos, prevendo-se uma aquisição de 750 mil milhões de dólares até 2028 (o que a União Europeia classifica, eufemisticamente, de “cooperação energética”).

Além disso, a União Europeia pretende comprar pelo menos 40 mil milhões de dólares em chips de inteligência artificial dos EUA para os seus centros de computação. A União Europeia planeia trabalhar com os Estados Unidos para adotar e manter requisitos de segurança tecnológica em linha com os dos Estados Unidos, num esforço conjunto para evitar fugas de tecnologia para destinos preocupantes.

A União Europeia projeta ainda aumentar substancialmente a aquisição de equipamento militar e de defesa aos Estados Unidos, com o apoio e a facilitação do governo americano. Este compromisso reflete uma prioridade estratégica partilhada para aprofundar a cooperação industrial da defesa transatlântica, reforçar a interoperabilidade da NATO e garantir que os aliados europeus estão equipados com as tecnologias de defesa mais avançadas e fiáveis. Daí, que até final do mesmo prazo (que, por acaso, coincide com o termo do mandato de Trump…), as empresas europeias se comprometem a investir cerca de 600 mil milhões em setores estratégicos nos Estados Unidos. Este investimento reflete o forte compromisso da União Europeia com a parceria transatlântica e o seu reconhecimento dos Estados Unidos como o destino mais seguro e inovador para o investimento estrangeiro.

Mas mesmo em temas-bandeira que a União Europeia tem proclamado nestes últimos anos se detetam concessões aos Estados Unidos. É o que sucede, por exemplo, na área do combate à desflorestação e degradação florestal, e no quadro do mecanismo de ajuste do carbono fronteiriço (CBAM).

No primeiro caso, reconhecendo que a produção das mercadorias norte-americanas representa um risco insignificante para a desflorestação global, a União Europeia compromete-se a trabalhar para abordar as preocupações dos produtores e exportadores dos Estados Unidos com a finalidade de evitar impactos indesejáveis no comércio entre os dois blocos.

No segundo caso, reconhecendo como legítimas as preocupações das pequenas e médias empresas norte-americanas, a União Europeia, para além do aumento recentemente acordado da exceção de minimis, compromete-se a trabalhar para proporcionar flexibilidade adicional na aplicação do CBAM às importações dos produtos originários dos Estados Unidos.

Dito isto, talvez seja exagerado considerar que este Acordo-quadro representa uma inteira e absoluta capitulação da União Europeia face aos Estados Unidos. Foi, porventura, o acordo possível para o lado europeu, por forma a abrir caminho para uma certa estabilização da relação comercial entre estes dois blocos económicos. Mas do que não restarão quaisquer dúvidas é do total desequilíbrio de forças com que as partes o negociaram e do resultado que dele emerge.

José Rijo,
Partner na SPCA – Sociedade de Advogados

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