Hiroshima assinala 80 anos da bomba atómica: ainda se procuram restos mortais oito décadas depois

O Japão vai assinalar na quarta-feira os 80 anos do lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima num contexto de apelos ao abandono das armas nucleares e das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente. Em 06 de agosto de 1945, às 08:15 (00:15 em Lisboa), os Estados Unidos lançaram uma bomba atómica sobre a cidade…
ebenhack/AP
O Japão vai assinalar esta quarta-feira os 80 anos do lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima num contexto de apelos ao abandono das armas nucleares e das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente.
Forbes Life

O Japão vai assinalar na quarta-feira os 80 anos do lançamento da bomba atómica sobre Hiroshima num contexto de apelos ao abandono das armas nucleares e das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente.

Em 06 de agosto de 1945, às 08:15 (00:15 em Lisboa), os Estados Unidos lançaram uma bomba atómica sobre a cidade de Hiroshima, matando cerca de 140.000 pessoas.

Três dias depois, uma bomba idêntica atingiu Nagasaki e matou mais 74.000 pessoas, segundo a agência de notícias France-Presse (AFP).

Os dois ataques, que precipitaram o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), são os únicos casos na História em que foram utilizadas armas nucleares em tempo de guerra.

Representantes de 120 países e regiões, bem como da União Europeia, deverão assistir à cerimónia em Hiroshima na quarta-feira, um número recorde, de acordo com as autoridades da cidade do sudoeste do Japão.

Os principais Estados com armas nucleares, como a Rússia, a China e o Paquistão, não estarão presentes, enquanto o Irão, acusado de tentar adquirir a bomba, estará representado.

Contrariamente à prática habitual, o Japão disse que não escolheu os convidados para a cerimónia, mas que notificou todos os países e regiões do evento.

A Palestina e Taiwan, que o Japão não reconhece oficialmente como países, anunciaram pela primeira vez a presença no evento.

“A existência de líderes [políticos] que querem reforçar o poder militar para resolver conflitos, incluindo a posse de armas atómicas, torna difícil o estabelecimento da paz mundial”, afirmou na semana passada o presidente da câmara de Hiroshima, Kazumi Matsui, referindo-se às guerras na Ucrânia e no Médio Oriente.

Matsui convidou no mês passado o Presidente dos Estados Unidos a visitar Hiroshima, quando Donald Trump comparou os recentes ataques aéreos contra o Irão aos bombardeamentos atómicos de 1945.

“Parece-me que ele [Trump] não compreende bem a realidade dos bombardeamentos atómicos, que, se utilizados, custam a vida a muitos cidadãos inocentes, amigos ou inimigos, e ameaçam a sobrevivência da humanidade”, afirmou na altura.

Hiroshima é atualmente uma metrópole próspera com 1,2 milhões de habitantes, mas as ruínas de um edifício encimado pelo esqueleto metálico de uma cúpula permanecem no centro da cidade como uma recordação do horror do ataque.

“É importante que muitas pessoas se reúnam nesta cidade atingida pela bomba atómica, porque as guerras continuam” no mundo, disse Toshiyuki Mimaki, copresidente da organização Nihon Hidankyo, formada por sobreviventes da bomba e vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2024.

A Nihon Hidankyo quer que os governos tomem medidas para eliminar as armas nucleares, com base nos testemunhos dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, conhecidos como ‘hibakusha’.

“Quero que os representantes estrangeiros visitem o Museu Memorial da Paz e compreendam o que aconteceu” sob a nuvem atómica em forma de cogumelo, disse Mimaki.

Transmitir a memória dos ‘hibakusha’ e as lições aprendidas com a catástrofe é um desafio cada vez maior para a organização, uma vez que a idade média dos sobreviventes é atualmente de 86 anos.

“Acredito que a tendência global para um mundo sem armas nucleares vai continuar. A geração mais jovem está a trabalhar arduamente para o conseguir”, disse Kunihiko Sakuma, de 80 anos, que tinha 9 meses de idade em 1945 e estava a três quilómetros do ponto de impacto.

Sakuma, que deverá encontrar-se com o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, depois da cerimónia, tenciona apelar a Tóquio para que adira ao tratado da ONU sobre a proibição de armas nucleares, assinado em 2017.

Tóquio recusou-se a assinar o tratado, alegando que o objetivo é inatingível sem a ajuda dos Estados com armas nucleares.

Ainda se procuram restos mortais perto de Hiroshima 80 anos depois

Quando a primeira bomba atómica explodiu há 80 anos, no dia 06 de agosto, milhares de mortos e moribundos foram levados para a pequena ilha rural de Ninoshima, a sul de Hiroshima, por barcos militares.

Devido à falta de medicamentos e cuidados, apenas algumas centenas estavam vivas quando o hospital de campanha fechou em 25 de agosto, segundo registos históricos.

Os que morreram foram enterrados em vários locais em operações caóticas e apressadas.

Oito décadas mais tarde, as pessoas da região continuam a procurar os restos mortais dos desaparecidos, movidas pelo desejo de prestar contas e honrar as vítimas, segundo a agência de notícias norte-americana Associated Press (AP).

Pretende-se também aliviar os sobreviventes que ainda se atormentam com as recordações dos familiares desaparecidos.

“Até que isso aconteça, a guerra ainda não acabou para estas pessoas”, disse Rebun Kayo, um investigador da Universidade de Hiroshima que visita regularmente Ninoshima desde 2018 para procurar restos mortais.

Até ao momento, Kayo encontrou cerca de 100 fragmentos de ossos, incluindo pedaços de crânio e o maxilar de uma criança com pequenos dentes agarrados.

Encontrou os ossos numa área sugerida por um residente de Ninoshima, cujo pai tinha testemunhado soldados a enterrar corpos que foram levados para a ilha há 80 anos.

“A criança enterrada aqui esteve sozinha durante todos estes anos”, disse Kayo sobre os ossos que acredita pertencerem a uma criança.

“É simplesmente intolerável”, acrescentou.

O ataque atómico dos Estados Unidos a Hiroshima destruiu instantaneamente a cidade e matou dezenas de milhares de pessoas perto da zona de impacto, cerca de 10 quilómetros a norte de Ninoshima.

O número de mortos até ao final desse ano foi de 140.000.

Com 3 anos, Tamiko Sora estava com os pais e duas irmãs em casa, a apenas 1,4 quilómetros do hipocentro. A explosão destruiu a casa e o rosto de Sora ficou queimado, mas a maior parte da família sobreviveu.

Enquanto se dirigiam para casa de um familiar, encontraram uma menina de 5 anos abandonada que se identificou como Hiroko e uma mulher com queimaduras graves que pedia desesperadamente que salvassem o bebé que carregava.

Sora ainda pensa nelas muitas vezes e lamenta que a família não tenha podido ajudar, apesar de terem procurado a criança em orfanatos.

A sobrevivente pensa agora que as pessoas que conheceu nesse dia, bem como os tios desaparecidos, podem ter ido parar a Ninoshima, que viveu três semanas de caos, mortes e enterros apressados.

Duas horas depois da explosão, as vítimas começaram a chegar de barco de Hiroshima ao centro de quarentena n.º 2 da ilha.

Os edifícios encheram-se de pessoas com ferimentos graves, mas muitas morreram a caminho da ilha.

De acordo com documentos da cidade de Hiroshima, os militares do Exército Imperial trabalhavam 24 horas por dia na cremação e nos enterros na ilha.

Eiko Gishi, na altura com 18 anos, supervisionou o transporte dos doentes do cais para a área de quarentena para receberem os primeiros socorros.

Em memórias publicadas anos mais tarde, Gishi escreveu que, no início, os soldados tratavam cuidadosamente os corpos um a um, mas depressa se sentiram sobrecarregados pelo enorme número de corpos em decomposição e utilizaram um incinerador originalmente destinado a cavalos militares.

Mesmo assim, não foi suficiente e rapidamente ficaram sem espaço, acabando por colocar os corpos em abrigos antibomba e em túmulos.

“Fiquei sem palavras devido ao choque quando vi o primeiro grupo de doentes que aterrou na ilha”, escreveu em 1992 um antigo médico do exército, Yoshitaka Kohara.

“Estava habituado a ver muitos soldados gravemente feridos nos campos de batalha, mas nunca tinha visto ninguém num estado tão cruel e trágico”, disse.

“Era um inferno”, acrescentou.

Lusa

Mais Artigos