Toys “R” Us: Vida nova

A lógica numa empresa é que as decisões estratégicas sejam tomadas pelo conselho de administração, após análise das várias opiniões, sensibilidades e experiências dos membros que compõem o órgão decisor. Porém, numa das reuniões do conselho de administração da nova Toys “R” Us Espanha e Portugal, após Agosto de 2018, quem decidiu foram… as crianças.…
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Após desvincular-se da falida casa-mãe nos EUA, a Toys “R” Us Espanha e Portugal está a reerguer-se com um plano arrojado: dar o controlo da loja às crianças.
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A lógica numa empresa é que as decisões estratégicas sejam tomadas pelo conselho de administração, após análise das várias opiniões, sensibilidades e experiências dos membros que compõem o órgão decisor.

Porém, numa das reuniões do conselho de administração da nova Toys “R” Us Espanha e Portugal, após Agosto de 2018, quem decidiu foram… as crianças.

Para surpresa dos elementos da administração, a sociedade de investimento Green Swan, liderada por Paulo Andrez, trouxe para a reunião um grupo de crianças, não para orquestrar um golpe palaciano, mas para serem elas a tomar as decisões que, no fundo, lhes iriam dizer respeito. Afinal, estamos a falar de brinquedos. “O negócio é para elas. As crianças são o público-alvo e, nós, os adultos percebemos pouco desse negócio, pelo que considerámos que devem ser elas a tomar as decisões e nós implementarmos”, explica Paulo Andrez.

Desta reunião as crianças escolheram brinquedos para vender e, sobretudo, seleccionaram a campanha de vídeo que passou nas televisões no último Natal, entre três opções.

Este episódio espelha o espírito de gestão que os responsáveis da Toys “R” Us Espanha e Portugal estão a adoptar na empresa, após terem conseguido negociar a compra (e a consequente “declaração de independência”) da filial ibérica da Toys “R” Us face à falida casa-mãe nos EUA que soçobrou com uma dívida superior a 4 mil milhões de euros e um pedido de falência em Setembro de 2017.

Tirando Inglaterra e EUA, todas as outras operações acabaram por se manter activas depois da falência da casa-mãe.

Apesar da orientação inicial vinda de Wayne, nos EUA, ser de encerrar a actividade em todos os mercados (Portugal, incluído), os investidores em diversos países bateram-se contra essa indicação, conseguindo, em sede negocial, acordar o corte do cordão umbilical com os EUA, para permitir que a marca sobrevivesse.

Assim, tirando Inglaterra e EUA, todas as outras operações acabaram por se manter activas. Para a operação Ibérica foi apresentado um concurso de credores da subsidiária de imóveis, para os activos, tendo a sociedade de investimento Green Swan (em 60%) e a antiga equipa de direcção do Toys “R” Us Portugal e Espanha assumido o protagonismo de aproveitar o forte potencial do nome, o seu vínculo afectivo e o reconhecimento que tem entre as crianças e suas famílias e adaptá-lo aos novos hábitos de consumo, escutando o cliente para lhe oferecer o que ele gosta.

Para a compra, a antiga equipa directiva ibérica uniu-se para, em conjunto, se assumir também accionista da nova empresa, detendo 40% do capital.

Decisivo para a Green Swan e para os cinco ex-directores da Toys “R” Us Espanha e Portugal tomarem posse da empresa foi o historial da marca em Portugal: desde a sua existência (27 anos), a Toys”R”Us Espanha e Portugal gerou mais de 75 milhões de euros de lucros – nalguns dias de Dezembro, mês forte devido ao Natal, a empresa chegou a facturar mais de 2 milhões de euros.

Além disso, Andrez refere também que foi tido em conta a equipa de gestão que liderava a empresa. Em função disso, na nova estrutura, a equipa de gestão manteve-se: Paulo Sousa Marques, ex-director geral da Toys “R” Us Portugal, assumiu funções de presidente-executivo da empresa. Por seu lado, Jean Charretteur, ex-director-geral, passou a líder do conselho consultivo do presidente. “Se a empresa sempre foi rentável, se a equipa de gestão era boa e havia potencial de expansão do negócio, estavam os ingredientes suficientes para adquirirmos a empresa”, resume Andrez.

O dia da independência

A concretização da compra da operação portuguesa e espanhola foi efectivada a 17 de Agosto do ano passado. A partir daí, a Toys “R” Us Iberia deixou de ter vínculo aos EUA. Os novos donos garantiram a licença de utilização da marca durante 20 anos num negócio que envolveu 80 milhões de euros, um montante que inclui já o investimento num horizonte a quatro anos. “Isso permite-nos uma vida autónoma e independente e ter as lojas de Portugal ao gosto dos portugueses e as de Espanha ao gosto dos espanhóis”, frisa o administrador da Green Swan.

Isso também significou abandonar o modelo de negócio então reinante, de a Toys “R” Us ser um armazém de produtos, em que quanto mais artigos houvesse na loja mais o cliente queria comprar.

“Estamos a mudar o paradigma”, enfatiza o investidor da empresa, cuja tónica é oferecer um Toys “R” Us com muitos serviços e que traga uma experiência de compra diferente. “Queremos que as crianças possam testar e experimentar os produtos. O lema é ‘proibido não tocar’, ao contrário de antigamente em que se dizia ‘proibido tocar’”.

“Não queremos mais lojas grandes. Nalguns casos vamos colocar parte da loja com outras actividades como ginásio para crianças (feito por um parceiro) ou até alugar parte da loja a marcas de roupa ou de outros produtos”, garante Paulo Andrez.

Além de espaços próprios para experimentar os brinquedos, haverá experiências imersivas nas lojas e áreas de jogo. É o caso de um “Escape Room”, um espaço em que os pais e as crianças têm de resolver enigmas, charadas, descobrir mensagens em livros para poderem sair – já existente numa loja em Madrid, “essa inovação chegará às lojas portuguesas”, garante Andrez.

Outra inovação passa pela impressão de papel de embrulho personalizado (incluindo com papel oficial dos três grandes clubes portugueses) com o nome da pessoa a quem se destina a prenda.

“Na loja em Barcelona implementámos a venda de um livro personalizado em que uma personagem escolhida com o nome da criança estará junto de Messi e outros jogadores do Barcelona” numa viagem pela capital da Catalunha. A pessoa imprime e oferece o livro. “Estamos a trazer os livros personalizados para o mundo do futebol”, reforça o gestor.

O aluguer de material para festas temáticas e aniversário (vestes, brinquedos, Playstations, óculos de realidade virtual, insufláveis, entre outros) também estará disponível. “É uma área nova que estamos a trabalhar”, diz Andrez, segundo o qual, no mundo Toys “R” Us, Portugal e Espanha são considerados dos mais inovadores:

“Estamos a receber telefonemas de operações de outros locais para conhecerem as nossas inovações”, declara o rosto da Green Swan – foi inclusivamente criado uma equipa externa à gestão da empresa para testar soluções, analisar tendências e delinear toda a inovação a verter nas lojas. “Se entendermos que as ideias funcionam, expandimo-las”, aponta o investidor.

O segredo da nova fase da Toys “R” Us em Portugal e Espanha está em inovar e surpreender os mais novos. É isso que pretendem com a colocação de impressoras 3D capazes de criar (em 10 minutos) bonecos de super-heróis, moldados à preferência da criança e até 50 centímetros; e foi isso que procuraram obter no último Natal ao disponibilizarem um serviço de entregas dos presentes comprados nas lojas por um Pai Natal na noite de 24 para 25 de Dezembro.

Relevante na estratégia de crescimento da marca em Portugal está a forte aposta na Academia Toys “R” Us, na qual se organizarão cursos para crianças (de frequência paga), desde a aeronáutica à programação de robots: “Onde é que a criança quer aprender? Num sítio que não é interessante ou na Toys “R” Us? Naturalmente aqui”, responde com convicção o homem-forte da Green Swan para quem a Academia “será um espaço importante para fazer o empowerment das crianças e os pais investirem no futuro das crianças”.

Paralelamente, haverá cursos, que também poderão ter uma componente online, direccionados para pais, visando ajudá-los a lidar com temas como o bullying, distúrbios alimentares ou dificuldades de aprendizagem ou estudo dos filhos.

Expansão da marca

No plano de crescimento da Toys “R” Us nos dois países para os próximos quatro anos está a intenção de abrir 25 novas lojas Express (20 em Espanha e 5 em Portugal) em centros urbanos ou cidades mais pequenas.

O Algarve será uma prioridade: “Queremos que quem vive no Algarve possa receber uma encomenda, numa hora, tal como noutros pontos do país. A localização das lojas é importante também como plataforma logística para o comércio electrónico”, refere Andrez.

O comércio electrónico na Toys “R” Us era, aliás, um ponto fraco. O próximo passo é, a partir de Abril, permitir que um cliente possa receber a sua encomenda em casa numa hora, desde que esteja num raio de 30 km das lojas.

As lojas de proximidade serão de menor dimensão (de 800 m2 a 1500 m2) do que as actuais (que ocupam um mínimo de 3000 m2, algumas chegando a 4500 e 5000 m2). Com esta estratégia, a empresa quer passar das actuais dez lojas em Portugal e 50 em Espanha para 85 lojas na Península Ibérica, quinze das quais em Portugal (dez de maior dimensão – as actuais – e cinco de proximidade – as futuras). “Não queremos mais lojas grandes. Nalguns casos vamos colocar parte da loja com outras actividades como ginásio para crianças (feito por um parceiro) ou até alugar parte da loja a marcas de roupa ou de outros produtos”, garante Andrez.

Algumas dessas novas lojas serão lançadas, pela primeira vez, segundo a fórmula do franchising, estando a empresa a definir o perfil e os serviços dessa loja-tipo para, a partir daí, estabelecer o custo de se ser franchisado.

No plano de crescimento da Toys “R” Us nos dois países para os próximos quatro anos está a intenção de abrir 25 novas lojas.

“Vamos identificar as inovações e serviços que funcionarão melhor”, aponta o responsável da Green Swan que esclarece que, pretende ter, pelo menos, uma dessas lojas própria, “controlada directamente, para podemos fazer todos os testes e crescer no modelo de franchising”.

Neste novo modelo, orientado para serviços, a Toys “R” Us espera, até fim de Junho, ter essa loja-tipo definida. A equipa de gestão da empresa ibérica quer também dar a oportunidade a empreendedores portugueses e espanhóis de venderem os seus produtos nas lojas, funcionando como impulsionadores de empresas e start-ups. “A antiga Toys “R” Us não permitia isso, pois era controlada a partir dos EUA. Para um fornecedor português vender produtos nas lojas era quase impossível. Isso mudou agora”, refere Andrez.

Além do espaço Babies “R” Us, as lojas passam a ter uma zona “Friki Zone”, a pensar nos “kid crescidos”, isto é, adultos que gostam de Harry Potter e super-heróis. Nesse “cantinho dos adultos” numa loja de crianças, haverá t-shirts, action figures, entre outro merchandising.

“São todos crianças só que esses adultos são crianças há mais tempo”, diz a sorrir o n.º1 da Green Swan, explicando que o lançamento da área “Friki Zone” surgiu na sequência de pedidos recebidos.

A ideia é adaptar as lojas ao gosto das pessoas e atender às suas sugestões. Essa estratégia denota uma revolução cultural dentro da Toys “R” Us que implicará demover o consumidor da ideia de que a marca em Portugal ainda pertence aos EUA e é como se estivesse em liquidação.

“Ainda temos pessoas que nos perguntam quando é que a loja vai fechar. Esse é um grande desafio que temos”, diz Andrez que nos seus 48 anos de idade se acha “uma criança no corpo de adulto”.

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