Oli: Roleta russa

A Oli é uma empresa que nasceu exclusivamente a pensar no mercado português. Mas, pouco tempo depois, este fato já lhe ficava apertado. “Ao fim de cinco anos já estávamos a exportar de forma consistente”, explica António Oliveira, líder da maior produtora de autoclismos da Europa do Sul, à FORBES. Anos volvidos, na década de…
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Apesar de ter sido criada a pensar no mercado português, a Oli começou a exportar quase desde o início. E, recentemente, deu um passo de gigante ao entrar num país onde poucos se aventuram.
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A Oli é uma empresa que nasceu exclusivamente a pensar no mercado português. Mas, pouco tempo depois, este fato já lhe ficava apertado. “Ao fim de cinco anos já estávamos a exportar de forma consistente”, explica António Oliveira, líder da maior produtora de autoclismos da Europa do Sul, à FORBES.

Anos volvidos, na década de 1990, já levavam os seus produtos para grande parte dos países europeus. Nem o mercado escandinavo lhes escapava. Porém, esta empresa com matriz inovadora – foi a inventora da já massificada dupla descarga, um botão duplo que permite poupanças de água – queria mais. Na última década, a Oli começou a ponderar entrar em mercados mais vastos e inexplorados. A escolha recaiu para a Rússia.

Tudo começou em 2001 com a exportação de equipamento para uma empresa de cerâmica do país de Putin, que seleccionou a Oli como fornecedor. Anos depois, essa empresa e a Oli chegaram à conclusão que era logisticamente ineficiente continuar a fazer em Portugal e transportar para a Rússia quantidades crescentes de produto.

Teriam de apostar em instalações fabris no local. Há um ano e meio, abria a fábrica da Oli nas imediações de Moscovo, com seis máquinas e 16 trabalhadores, num investimento total na ordem dos 2 milhões de euros. Uma fábrica pequena, “como a que tínhamos aqui em Aveiro há 40 anos”, brinca António. Este ano pretendem aumentar o número de máquinas e moldes.

“Ao fim de cinco anos já estávamos a exportar de forma consistente”, explica António Oliveira, líder da maior produtora de autoclismos da Europa do Sul, à FORBES.

E, no espaço de cinco anos, querem alcançar lá uma facturação que rondará os 10% da facturação portuguesa – ou seja, 5,9 milhões de euros. Em Roma sê romano, e em Moscovo sê… russo. É imprescindível ter quadros locais para montar uma unidade industrial neste vastíssimo país. “É preciso ter pessoas de nacionalidade russa”, diz, e não é só pela língua. É preciso ter parceiros que conheçam a fundo a organização da economia, “alguém que saiba como as coisas funcionam”, acrescenta António.

Uma das grandes diferenças face a Portugal é a exigência constante dos russos em querer registar por escrito todas as decisões empresariais. António interpreta essa exigência como algo que decorrerá de “questões de defesa das autoridades, que acredito que tenham feito alguns maus negócios com quem se tenha aproveitado da boa-vontade inicial” dos anos 1990 e 2000 – época de indefinição política no gigante euroasiático.

Não é um mercado que se entenda à primeira, garante António, sublinhando que “há riscos”, mas a vontade de ser “um player importante no nosso sector” naquele país faz com que seja “imprescindível estar lá”.

É uma escolha original esta, a de optar pelo gigante continental, pelo menos entre o tecido empresarial português, mais focado em enveredar e consolidar mercados como o polaco, angolano e brasileiro. E um passo de gigante para uma empresa que nunca parou de crescer.

Aperfeiçoamento

Nos anos 1970, um grande número de casas em Portugal e nos restantes países do Sul da Europa não tinha água canalizada. Autoclismos, então, seriam para muitos algo desconhecido. Com a convergência económica que se antevia no início dos anos 1980 na antiga periferia do Velho Continente, graças a uma eventual entrada na Comunidade Económica Europeia, estes equipamentos começariam a generalizar-se progressivamente.

Com o passar dos anos, a Oli aumentou a produção de forma constante – o que fez com que fossem necessários alargamentos sucessivos da fábrica. O mais recente foi um investimento de 4 milhões de euros para aumentar a capacidade produtiva, que passará a ocupar 40 mil metros quadrados no final de 2018. Até têm uma empresa dedicada a moldes, a Moldaveiro – que irá mudar de nome em breve, adoptando o nome Oli Moldes – para responder melhor às exigências industriais da empresa.

“Portugal tem condições para ser um país onde a indústria possa vir a crescer”, garante António.

A dada altura, aperceberam-se que a produção numa escala maior produzia redundâncias e tinha em si a tendência para uma desorganização progressiva. A complexidade aumentou. Tornou-se imperativo, para defender o saldo positivo no balanço da empresa, optimizar a produção e reduzir ao máximo as ineficiências. “O modelo de produção que tínhamos esgotou-se”, resume António. “As coisas começaram a ficar complicadas e caras.”

Como forma de contornar estes obstáculos, a Oli adoptou a metodologia Kaizen em 2007, que preconiza uma nova forma de organização industrial baseada no preceito da melhoria contínua.

Alteraram processos, reorganizaram linhas de produção – para evitar deslocações desnecessárias de trabalhadores, por exemplo –  reformularam e uniformizaram códigos. O resultado foi um aumento da facturação per capita, redução de stocks e consequente aumento da competitividade, explica o líder da empresa.

A FORBES, ao visitar a fábrica, testemunhou a eficiência dos movimentos dos trabalhadores nas linhas de produção promovido pelo modelo Kaizen.

Um “comboio” de materiais (um pequeno veículo industrial com atrelados) ia circulando pela fábrica para distribuir peças às linhas que delas necessitam. As unidades de produção passaram a ser organizadas em ‘U’, em vez de estarem em linha contínua, para optimizar a deslocação de trabalhadores. Só com esta última medida, aumentaram a produção em 30% e reduziram os stocks finais entre 30% e 40%. O aperfeiçoamento dá frutos – e lucros.

Portugal industrial

Inicialmente uma empresa de compra e venda de produtos, em 1954, sob o nome Oliveira & Irmão, a Oli deu o salto para a indústria com um cliente italiano. Em 1978, este desafiou o então administrador da empresa – o pai de António – a instalar uma fábrica em Portugal. “Havia mercado, havia dinheiro, havia condições. Decidimos fazer uma fábrica e fizemo-la. As coisas eram assim”, assegura o filho.

Eram outros tempos, uma época mais simples e, de certa forma, mais livre. O mercado estava por desbravar. Décadas volvidas, com mais ou menos ajuda estrangeira, a industrialização do país é um projecto eternamente inacabado. António vai dando o seu contributo.

Depois da Revolução, “haveria condições para que o país se tivesse industrializado mais”, explica. “É o fruto de uma cultura. Portugal nunca foi um país industrial, nunca houve uma cultura de industrialização nem essa ambição. E também nunca houve capital”, lamenta.

Mas, garante, o país não tem de estar condenado aos serviços. Há um novo mundo à espreita e deve-se apostar seriamente nesse filão. “Portugal tem condições para ser um país onde a indústria possa vir a crescer”, garante.

“Com a nova Revolução Industrial temos condições para aproveitar algumas destas novas tecnologias e dar passos interessantes na indústria. Naturalmente, não na indústria pesada, como se pensava há décadas, mas outras mais tecnológicas e diferenciadas”, diz, referindo-se a uma eventual aposta na tecnologia digital. “Acho que assim temos condições para continuar o processo de industrialização”, conclui António.

Sobre a ausência de capital português no investimento industrial, o também engenheiro mecânico diz que “há capital nacional suficientemente inteligente e reprodutivo e não só especulativo. Durante alguns anos pensava-se que se podia viver de rendas e não de lucro, mas eu acho que temos de voltar a viver de lucro”.

Para tal, defende, “é preciso investir na produção e produzir riqueza.” E, garante António, a sua vontade é de continuar por cá para esse esforço de criação de valor. A longo prazo, garante, a intenção da Oli não é deslocalizar. “A nossa empresa não tem o princípio de deslocalizar por razões de economia, para procurar mão-de-obra barata”, assegura.

E exemplifica com a “lança” eslava da Oli: “A nossa intenção é produzir na Rússia para vender na Rússia” e em geografias próximas – nomeadamente em países de leste, detalha António. Apenas. Quanto à Oli em Portugal, António sublinha que a empresa nasceu em Portugal e em Portugal há-de permanecer.

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