O primeiro Relatório de Monitorização da Responsabilidade Climática Corporativa, uma iniciativa do NewClimate Institute e da Carbon Market Watch, avalia os compromissos climáticos feitos por 25 das maiores empresas mundiais, através de um conjunto de indicadores qualitativos e quantitativos transparentes.
Os resultados referem que as alegações de neutralidade climática já feitas pelas empresas referem-se, na realidade, a futuras reduções de emissões, muitas vezes a décadas de distância, e que, em média, correspondem a apenas a 40% de redução.
Ou seja, estas empresas conseguem publicitar as suas alegações falsas através de uma variedade de truques de greenwashing, tais como o aproveitamento de lacunas, omissão de dados, escolha de datas de início de contabilização quando as suas emissões estavam no pico e criando as suas próprias medidas de ação climática falaciosas.
Ausência de fiscalização regulamentar dificulta a identificação de truques de greenwashing.
Com base neste relatório um conjunto alargado de organizações, algumas ambientalistas, entre as quais a portuguesa ZERO, enviaram uma carta conjunta com diversas recomendações para os decisores políticos da União Europeia (UE) promoverem “a verdadeira liderança climática das empresas”, como indicam, e combater o greenwashing. Entre as recomendações, inclui-se a proibição das empresas de alegar a “neutralidade climática” e a defesa de que as empresas têm de reportar reduções de emissões absolutas separadamente de quaisquer reduções de emissões financiadas fora da sua cadeia de valor.
Esta carta conjunta pede ainda que as empresas “devem estabelecer metas que cubram o total de emissões da sua cadeia de valor; indicar as reduções de emissões tanto em termos absolutos como em percentagem das emissões totais; e indicar e detalhar o ano-base usado como referência para a redução de emissões”.
No caso de compensação de emissões, “as empresas têm de evitar a contagem dupla das emissões já contabilizadas pelo país para a prossecução das suas metas climáticas”, advertem estas entidades.
Para estas organizações, cuja carta é dirigida aos comissários europeus da Justiça, do Ambiente e ao responsável pelo Green Deal, “idealmente, os compromissos devem focar-se principalmente na redução absoluta de emissões e não em estratégias de compensação de emissões”.
“Não basta apenas parecer ser ambicioso, mas é preciso reduzir efetivamente as emissões”, diz Francisco Ferreira, da associação ZERO.
Francisco Ferreira, Presidente da ZERO, reforça que “é fundamental que as empresas em Portugal sejam rigorosas nas suas avaliações e compromissos de descarbonização”
Gilles Dufrasne, da Carbon Market Watch, autor das recomendações para os decisores da UE entende que “o greenwashing não é um crime inocente uma vez que os consumidores e os decisores políticos são levados a pensar que as empresas estão a fazer tudo o que podem para reduzir o seu impacto climático”.
ZERO alerta que empresas em Portugal devem ser rigorosas com compromissos de descarbonização.
Gilles Dufrasne acrescenta que as “maiores empresas do mundo têm uma grande responsabilidade de estar à altura do desafio que estamos a enfrentar. Atualmente, estão a falhar e é altura de os governos intervirem para regular as alegações das empresas e acabar com a publicidade enganosa.”
Por todo o mundo, as empresas enfrentam acusações de um número crescente de stakeholders para assumirem responsabilidade pelo impacto das suas atividades no clima.
Verdadeira liderança climática vs. greenwashing
A maioria das grandes empresas já apresenta estratégias e metas climáticas públicas, muitas das quais incluem compromissos que aparentam reduzir significativamente, ou até mesmo eliminar, a sua contribuição para o aquecimento global.
“Mas a crescente quantidade de compromissos climáticos, combinado com a fragmentação de abordagens de definição de metas significa que é mais difícil do que nunca distinguir entre verdadeira liderança climática e greenwashing. Isto é agravado por uma falta geral de fiscalização regulamentar a nível nacional e setorial. Identificar e promover a verdadeira liderança climática é um desafio chave que, se conseguido, tem o potencial de aumentar a ambição mundial de mitigação das alterações climáticas”, refere a associação ZERO.
As 25 empresas analisadas são: Accenture, Amazon, Apple, BMW Group, Carrefour, CVS Health, Deutsche Post DHL, Deutesche Telekom, Enel, E.ON, GlaxoSmithKline, Google, Hitachi, IKEA, JBS, Maersk, Nestlé, Novartis, Saint-Gobain, Sony, Unilever, Vale, Vodafone, Volkswagen Group e Walmart.
O relatório de Monitorização da Responsabilidade Climática Corporativa foca-se nas estratégias climáticas de 25 grandes empresas mundiais, avaliando a integridade dos compromissos climáticos assumidos relativamente a critérios de boas práticas, para identificar bons exemplos para replicação e evidenciar áreas onde são necessárias melhorias.
A análise revela que os compromissos das empresas correspondem, na verdade, a uma redução média de apenas 40% e não 100%, como pode sugerir o termo “zero emissões líquidas”.
Todas as 25 empresas avaliadas neste relatório comprometem-se de alguma forma com uma meta de zero emissões, zero emissões líquidas ou de neutralidade climática.
A análise neste relatório mostra que apenas três das 25 empresas – Maersk, Vodafone e Deutsche Telekom – é que se comprometem claramente com uma profunda descarbonização de mais de 90% do total de emissões da sua cadeia de valor.
As 13 empresas que fornecem detalhes específicos das suas alegações de emissões zero comprometem-se, na realidade, a reduzir as emissões totais da sua cadeia de valor de 2019 em apenas 40%, em média.
Omissão de dados ou aproveitamento de lacunas são dois dos truques de greenwashing utilizados.
As restantes 12 empresas nem sequer acompanham as suas alegações com qualquer compromisso quantitativo de redução de emissões para um ano alvo.
Coletivamente, as 25 empresas comprometem-se a reduzir, na prática, apenas menos de 20% da sua pegada carbónica de 2.7 GtCO2 (gigatoneladas de dióxido de carbono), nos respetivos anos alvo indicados.
“A ação climática das empresas é fundamental para o alinhamento com uma trajetória de 1,5°C de aumento médio da temperatura global. Num curto espaço de tempo e na ausência de regulação de cima para baixo (top-down) suficiente, as expectativas dos consumidores e acionistas têm sido o principal motor do aumento dos compromissos climáticos das empresas. Para facilitar este importante mecanismo de pressão de baixo para cima (bottom-up), é essencial a credibilidade das alegações, isto é, que as estratégias de contabilização das empresas sejam transparentes e que possam ser entendidas pelo seu público-alvo”, salienta a ZERO.
Apenas 3 das 25 empresas é que se comprometem com uma profunda descarbonização (mais de 90%).
Defendem os ecologistas que as empresas ambiciosas que apresentam verdadeira liderança climática poderão ser apoiadas pela introdução de regulamentação mais forte, assegurando que não ficam em desvantagem económica comparativamente aos seus pares: “As entidades reguladoras e as iniciativas de normalização têm de encontrar modos de distinguir verdadeira liderança climática de greenwashing, para assim apoiar atores empresariais ambiciosos e potenciar a aceleração da descarbonização da economia”.
Relatório de Monitorização da Responsabilidade Climática Corporativa pode ser descarregado aqui.
Carta conjunta pode ser descarregada aqui.