Fátima Lopes: “Enquanto vários países apostavam nos seus criadores, Portugal ignorava-os”

Que trabalhos mais marcaram a sua carreira?São 31 anos a criar moda. A minha carreira é pautada por um percurso que começou em 1992, com alicerces em Lisboa, a abertura de uma loja e os primeiros desfiles individuais. Em Portugal fiz tudo o que me propus, até decidir dar o passo maior e tentar a…
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Na capa digital de novembro de 2023, a Forbes Portugal faz uma viagem até aos anos 90 e ao cenário da moda na altura. Fátima Lopes é uma das protagonistas do artigo.
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Que trabalhos mais marcaram a sua carreira?
São 31 anos a criar moda. A minha carreira é pautada por um percurso que começou em 1992, com alicerces em Lisboa, a abertura de uma loja e os primeiros desfiles individuais. Em Portugal fiz tudo o que me propus, até decidir dar o passo maior e tentar a entrada na Paris Fashion Week. Em 1999 tornei-me a primeira portuguesa a integrar o calendário da moda em Paris e a única com 43 desfiles consecutivos em 21 anos na capital da moda. Fui a primeira e única criadora a desfilar em Paris um biquini de diamantes, fui a primeira a desfilar no cimo da Tour Eiffel, fiz uma das Barbies mais caras de sempre, vesti a icónica Jane Birkin durante mais de 10 anos. Foram muitos os momentos marcantes da minha carreira em Paris, sempre como ‘the portuguese fashion designer’.

Quais foram os maiores desafios?
Foram muitos, até porque saí do meu porto seguro, que era a Madeira, muito nova e vim sozinha para Lisboa começar do zero. Na altura a indústria não estava recetiva aos estilistas, ninguém queria produzir as peças dos ‘miúdos’, não éramos levados a sério. No meu caso ainda mais grave, porque as minhas peças tinham um grau de dificuldade acrescida em termos de confeção e por isso fui obrigada a abrir a minha própria mini fábrica. Nunca permiti que as dificuldades me impedissem de fazer o que quer que fosse, eu acreditava que era capaz e ia à luta, passo a passo a minha carreira foi acontecendo.

Que manequins mais marcaram a sua marca?
Eu tenho uma parede no meu atelier forrada com fotos do início da minha carreira e são evidentes os modelos que mais marcaram a minha marca. A Marisa Cruz é a referência em Portugal e no meu início em Paris, mas são muitos os que marcaram a minha marca: Sofia Aparício, Fiona Bunnet, Cláudia Mergulhão, Nayma, Júlia Schonberg, Fernanda Serrano, Jamal, Paulo Pires, David Simões, Paulo Macedo, Rubim, Afonso Vilela.

Como descreve a moda nessa altura em Portugal e a nível internacional?
A diferença entre Portugal e o mercado internacional sempre foi a dimensão do nosso país e a aposta ou a falta dela na moda de autor. Enquanto vários países apostavam nos seus criadores, Portugal ignorava-os.

O quão difícil era chegar aos mercados internacionais?
Eu percebi muito cedo que tinha que chegar aos mercados internacionais e comecei por fazer feiras de moda em Paris, mas o ‘Made in Portugal’ era um problema. Cheguei a vender muita roupa com etiqueta ‘Fabriqué en communauté Européenne’. Não me orgulho, mas era a única forma de ser aceite.

Portugal reconheceu tudo aquilo que deu até hoje à moda nacional?
Em 2006 recebi o reconhecimento oficial ao ser condecorada pelo Presidente da República Dr. Jorge Sampaio, como Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique. Quanto aos portugueses, têm sido imensas as demonstrações, sobretudo quando o público é chamado genuinamente e sem júri, a escolher a personalidade da moda. Por tudo isso e pela forma carinhosa como sou recebida em todo o lado, sou muito agradecida.

O que é que falta em Portugal para o país se assumir mais neste mundo?
Portugal tem criadores de moda com talento, tem indústria com grande qualidade, falta essencialmente sinergias entre os vários atores, falta visão empresarial, falta seguir os bons exemplos das grandes capitais de moda.

O que é que a levou a optar por outros projetos ao longo da sua carreira, como a agência de modelos por exemplo?
Sempre tive um lado de empreendedora, na altura apostar numa agência de modelos fazia todo o sentido. Em 1999, quando abri a Face Models, por um lado havia poucas agências, por outro eu tinha uma relação pessoal e profissional com os mais importantes modelos da altura. Eu precisava deles, eles precisavam de mim, era um win-win. A Face está a celebrar 25 anos de existência, cresceu muito ao longo do tempo, diversificou-se, tornou-se a agência mais inclusiva em Portugal, soube acompanhar os tempos e posso mesmo dizer que é uma aposta 100% ganha.

Que dicas deixa aos novos estilistas?
Se sentem que têm talento e capacidade para trabalhar sete dias por semana, porque é preciso trabalhar mesmo muito, vão em frente e nunca deixem que os deitem a baixo. É difícil, mas é possível!

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