África minha

A primeira vez que Carlos Torres colocou os pés na Praia, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, não foi propriamente um mar de rosas. Quando o presidente do conselho de administração da Resul procurou agendar uma reunião com a Electra, a eléctrica nacional, ficou a saber que o encontro teria lugar no Mindelo, na…
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Os mercados internacionais têm iluminado o caminho da Resul. Para este ano, as exportações deverão valer 62% da facturação da empresa. E neste campeonato, os mercados africanos têm um peso de ouro.
Negócios

A primeira vez que Carlos Torres colocou os pés na Praia, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, não foi propriamente um mar de rosas. Quando o presidente do conselho de administração da Resul procurou agendar uma reunião com a Electra, a eléctrica nacional, ficou a saber que o encontro teria lugar no Mindelo, na ilha de São Vicente.

Problema: era uma altura em que a ligação aérea entre ilhas escasseava, pelo que Carlos só haveria de conseguir arranjar um avião vários dias depois. Não teve outro remédio senão esperar.

E aquilo que poderia ser uma visita de trabalho de pouco tempo teve como desfecho (inesperado) uma estadia prolongada. Este exercício de paciência e flexibilidade ilustra o mindset que os empresários adoptam (e têm de assumir) quando pretendem entrar em novos mercados.

Apesar das dificuldades, a Resul tem enveredado justamente por este “caminho das pedras”, fazendo assentar a sua estratégia de crescimento e de expansão internacional para países do continente africano. E, claramente, essa tem sido “a sua praia”.

A Resul, empresa de capital 100% privado e com três accionistas (os dois sócios fundadores – Carlos Cunha Torres e o seu irmão, Pedro Cunha Torres – e um bloco minoritário de colaboradores da empresa) tem revelado mestria em mercados que para outros são um quebra-cabeças, senão mesmo impenetráveis – e tem também evidenciado uma velocidade de crescimento assinalável à conta disso.

Isto porque, tendo principiado em Agosto de 1982 como mera empresa comercial numa sala arrendada num primeiro andar em Campolide, Lisboa, como representante de componentes (ligadores) para linhas de baixa tensão de distribuição eléctrica de uma fábrica francesa (para vender à EdP), cedo passou a ser agente de outras firmas e a associar-se a uma unidade fabril em Braga – a Promecel, na qual detém uma participação maioritária.

Criou, assim, uma retaguarda de produção de uma gama completa de acessórios para redes de distribuição de electricidade, de baixa e média tensão.

Ter-se assumido como uma empresa também industrial foi o clique que acabaria por impulsionar a Resul a lançar-se nos mercados externos. Sempre na gama dos equipamentos para redes de distribuição de electricidade, daí que, em todos os países, os clientes da Resul são, de uma forma directa ou indirecta, as eléctricas nacionais.

Os primeiros destinos internacionais para a empresa de Carlos foram os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Hoje, a Resul exporta para cerca de 46 nações, espalhadas pelos quatro cantos do globo, mas o foco continua a ser o continente africano. “Na maioria dos Estados africanos, a taxa de cobertura eléctrica ainda é muito baixa e há muito que fazer”, explica Carlos.

A relevância da carteira de clientes dos PALOP levou a que, de 1994 a 1998, a Resul tenha constituído subsidiárias comerciais em Cabo Verde, Angola e Moçambique para acompanhar mais de perto estes mercados e a própria estratégia de expansão para África.

Clientes globais

No modelo de negócio desta pequena e média empresa (PME), a preponderância dos países vai variando, consoante os contratos públicos que conquista, sendo essa a explicação para o facto de, em 2018, o principal foco de exportação ter sido a Líbia.

Apesar do momento conturbado deste país do Magrebe, a Resul conseguiu ali chegar, ver e vencer um concurso de 2,6 milhões de euros. Angola, que era, até há cerca de dois anos, o principal mercado da Resul, perdeu protagonismo: chegou a valer 10 milhões de euros por ano e agora a cifra está nos 2 milhões.

Esse período difícil trouxe a cessação de 17 postos de trabalho num total de 52. A expectativa dos responsáveis da empresa é, porém, de que, já em 2019, essa tendência de decréscimo se inverta (embora, para já, sem atingir o volume de negócios de dois dígitos como no passado), ajudando a elevar a facturação total da empresa de 13 milhões de euros (em 2018) para 15 milhões de euros (em 2019).

Este ano, o mercado principal para a empresa pode até voltar a ser Angola ou o Zimbabué, face a um contrato importante que está a negociar com a eléctrica desse país.

Aliás, o decréscimo do negócio angolano levou a Resul a procurar mercados internacionais alternativos no próprio continente africano. Zimbabué (segundo mercado mais valioso em 2018 para a empresa, praticamente ex aequo com Moçambique), Mauritânia e Senegal foram três novos destinos encontrados.

Uma das mais-valias da Resul é o know-how de como trabalhar em África e esse trunfo tem sido o segredo do êxito da sua internacionalização.

“São mercados onde é preciso ter muita paciência porque o tempo de decisão entre a data de acordo de uma encomenda e a sua concretização é sempre muito longo”, sublinha Carlos, que foca os problemas de pagamentos e a necessidade de esperar que se abram cartas de crédito, como exemplos de situações que ocorrem e que atrasam os contratos.

Outro traço singular de negociar em África consiste em serem mercados onde é muito importante a pessoalização do negócio, ao invés da Europa, como contrapõe o empresário: “Trabalhamos com uma empresa na Suécia, com cujo dono da empresa me encontrei apenas uma vez, e o resto é tudo feito por e-mail. Em África, isso não funciona assim. Trabalhar em África tem a sua especificidade e nós sabemos como isso se faz”, elucida o gestor.

A Resul tem também clientes sedeados na Suécia e Índia (mercado que representa 3,5 milhões de euros por ano para a empresa), os quais, reconhecendo o conhecimento da Resul em África, recorrem à firma portuguesa para que esta os ajude, nomeadamente no tratamento logístico das suas operações.

O facto de algumas ex-colónias europeias não terem uma boa relação com as antigas potências colonizadoras – caso da África francófona e belga –, faz com que quando apareça “uma empresa de um país diferente e lhes oferece credibilidade se torne muito fácil o contacto”, diz Carlos que deixa um conselho: “No caso da África francófona e belga, as empresas portuguesas podiam aproveitar melhor esta circunstância”, refere Carlos,

indicando que um dos segredos do negócio da sua empresa é procurar pequenos países, como Mauritânia, Benim, Burundi que, além de permitirem a diversificação de mercados no seu portefólio, não despertam tanto a atenção dos grandes tubarões europeus que se focam em mercados com um nível de encaixe maior.

Contudo, para uma PME, como é o caso da Resul, essas migalhas são como uma mina de ouro em África.

Para lá da fronteira

Depois de muitos anos a olhar para dentro, a economia nacional está cada vez mais alicerçada na dinâmica das exportações. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, a o valor das exportações portuguesas em 2018 atingiu um valor recorde de 44% do Produto Interno Bruto (PIB). Este valor compara com um rácio de 28% registado há dez anos.

E, segundo as projecções do Banco de Portugal, deverá atingir os 50% do PIB em 2021.

“As empresas portuguesas e a economia portuguesa, no seu conjunto, estão muito mais expostas ao exterior, muito mais abertas”, referiu Pedro Siza Vieira, ministro Adjunto e da Economia, no decorrer da 8.ª conferência da Central de Balanços do Banco de Portugal, em Fevereiro.

Entre os principais sectores que têm contribuído para esta dinâmica estão o automóvel, o metalomecânico, o agro-alimentar e o turismo. Para Siza Vieira estes são exemplo dos sectores que “saíram bem da crise e se revelaram, quer com a aposta em pequenas e médias empresas quer com o reforço de investimento estrangeiro”.

Esta dinâmica tem permitido que, desde 2012, Portugal tenha conseguido apresentar um saldo positivo da balança comercial – algo que não acontecia desde 1943, segundo dados do INE referidos pelo Banco de Portugal.

Fonte: Pordata. Os valores de 2017 e 2018 são preliminares.

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