Com um novo livro editado em Portugal – Discutir com Zombies – Economia, política e a luta por um futuro melhor – que tem por base, entre outros textos, as colunas que escreve regularmente para o New York Times, Paul Krugman acredita que a Europa necessita urgentemente de estímulo fiscal e mostra-se otimista quanto à recuperação da economia portuguesa.
Começamos, naturalmente, por lhe perguntar quem são os zombies de nossa era?
São ideias, não são pessoas. Os zombies cruciais são, agora, a crença de que taxar os ricos causa um terrível dano económico, que os défices orçamentais são extremamente destrutivos, que as políticas de combate às alterações climáticas são impossivelmente caras.
Este livro começa com textos de 2004 a 2018. O que pode ter mudado nesses quase 15 anos?
O mundo acabou por se tornar um lugar mais perigoso do que até mesmo os pessimistas poderiam prever. O extremismo político de direita tornou-se poderoso o suficiente para colocar a democracia em risco, mesmo nos Estados Unidos. Não fizemos nada sobre o clima, e os perigos já não são hipotéticos, à medida que o clima extremo se torna mais comum. E aprendemos que o nosso sistema económico é menos estável e os responsáveis que o administram menos competentes do que todos supunham.
As “fake news” tornaram-se um mal da nossa sociedade, alimentadas pelas redes sociais. O que podemos fazer para inverter esta tendência?
Não se trata apenas das redes sociais: organizações de media, como o império Murdoch, são também imensas fontes de “fake news”. Não sei se existe uma resposta fácil. Mas uma coisa que as pessoas de boa vontade e os meios de comunicação social honestos podem fazer é parar a prática da falsa equivalência. Se um lado de uma disputa diz coisas que são totalmente falsas, enquanto o outro tenta acertar, o seu título não deve ser algo como “conservadores e progressistas contestam a política de vacinação” – e não se deve deixar a afirmação de que um lado está errado para o 32.º parágrafo. É preciso dizer a verdade, da melhor maneira possível, e não promover a controvérsia quando um lado está a agir de forma errada.
Pode escolher um dos seus artigos que seja o mais relevante na atualidade?
Considerando onde estamos agora, acho que talvez o meu artigo de 2018 “Porque pode acontecer aqui” seja o mais próximo. A minha sensação de pavor foi justificada; na verdade, é pior do que eu imaginava.
Ação radical
Não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa, existem muitos fundos e planos para salvar a economia após a pandemia de covid-19. Serão suficientes ou devemos ir mais longe, recorrendo, por exemplo, ao “helicopter money” -, ou seja, dando dinheiro diretamente às pessoas?
O “helicopter money” é um desvio das questões reais. Temos capacidade fiscal para gastar o quanto for necessário, seja emitindo dívida a juros baixos ou apenas imprimindo dinheiro. O que precisamos é de vontade política, não de truques financeiros.
Num período de incerteza, quando a recuperação económica está em jogo, que erros devem os governos evitar?
No momento, o grande perigo é que voltemos às noções convencionais de prudência – isto é, tentar equilibrar orçamentos e normalizar as taxas de juros – quando permanecemos num mundo profundamente em crise e que exige uma ação radical.
É um defensor de políticas não convencionais, quando a situação assim o exige. Que política económica recomendaria para a Europa neste momento?
A Europa precisa de estímulo fiscal. O continente tem contado com o BCE para suportar todo o peso de manter a economia em funcionamento, e o banco central simplesmente não tem o poder para fazer isso.
Ainda defende a expansão da zona do euro como um todo, como fez em 2013?
Não tenho a certeza se entendi a pergunta. Sempre considerei o euro um erro. Mas os custos de o extinguir seriam altos, pelo que não defendo qualquer saída. Ainda assim, acho que seria um grande erro os países que, actualmente, não fazem parte do euro aderirem e perderem a flexibilidade para lidar com crises futuras.
Em 2016, quando visitou Portugal, disse que “as coisas não vão tão bem em Portugal, mas não tão más como como há alguns anos”. Cinco anos depois, o que pode dizer da economia portuguesa?
Portugal tem-se saído melhor do que a maioria de nós esperava: não apenas pelo turismo (que voltará com a vacinação generalizada), mas também graças a uma inesperada recuperação das exportações. Ainda não tenho a certeza do que estão a fazer de correto, mas estou bastante otimista.
A Comissão Europeia aprovou um plano de recuperação para Portugal de 16,6 mil milhões de euros, com o objetivo de criar um futuro melhor para o país. Em países como Portugal, qual seria a melhor estratégia para investir esse dinheiro?
Vou passar esta pergunta. Não estudei a situação o suficiente.
António Costa e Silva, empresário e professor português, autor do documento “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030” refere que é necessário investir na educação e na inovação tecnológica. Qual é a sua opinião sobre este assunto?
Com certeza. Há provas contundentes de que os gastos com os jovens, em particular, têm grandes recompensas a longo prazo.
África esquecida
Por causa da pandemia, África pode ficar para trás mais uma vez, não só em termos de vacinação e de saúde pública, mas também economicamente. Os países ricos estão a esquecer-se mais uma vez do continente africano?
Sim. A África é pobre, não tem muito peso económico e lamento dizer que, mesmo com tudo o que está a acontecer, as preocupações humanitárias não são uma prioridade.
Qual é a sua visão para o crescimento do continente africano, com a população mais jovem do mundo e recursos naturais abundantes?
Com o tempo, a África tornar-se-á uma grande potência económica: as pessoas têm as mesmas capacidades em todos o lado, e África tem muitas pessoas. Mas vai demorar muito.
Do ponto de vista económico, quais são as maiores diferenças que a administração de Joe Biden pode trazer em relação aos quatro anos de Donald Trump?
Estamos a assistir a uma grande mudança, a trocar a economia “trickle down” por tentativas sérias de ajudar os trabalhadores de baixo rendimento e os pobres. Isto vai inclinar a balança económica mais do que a maioria das pessoas imagina.
E quanto ao papel da Reserva Federal, que viu a sua independência desafiada durante a administração Trump?
Até agora, a Reserva Federal está a fazer um trabalho muito bom, mostrando muita flexibilidade intelectual. Não acho que seja um problema para Biden, e a sua melhor aposta é deixar como está.
Lemos um comentário recente que fez sobre as criptomoedas, em que diz que se assemelham a um esquema Ponzi. Tem medo de que estas possam causar uma nova “bolha” nos mercados?
As criptomoedas já são uma bolha. Mas, provavelmente, não são um grande perigo: o sistema financeiro não parece perigosamente exposto. São ordens de magnitude menos perigosas do que, digamos, os empréstimos subprime.
Quais são as suas maiores preocupações em 2021?
Estou assustado com duas coisas: a ameaça de um ressurgimento da covid-19 devido à hostilidade à vacinação, e a ameaça de violência política, vinda da direita. Tudo o resto é bastante técnico.
E em relação ao livro. Haverá uma próxima edição?
Não sei, as coisas estão a mudar tão rapidamente, principalmente para pior, que teria de ser uma grande revisão.