Após duas semanas intensas, com o fim da COP28, as atenções estão voltadas para o cenário das alterações climáticas e o desfecho das negociações que aconteceram em meio a um cenário mundial delicado: conflitos geopolíticos, urgência científica pela descarbonização, pressão pela entrega e resultados e polêmicas ao redor da estratégia da utilização de combustíveis fósseis dado o país que foi anfitrião da cimeira este ano.
Monótono, definitivamente não foi. Resta saber, agora com os resultados, se fomos produtivos.
Diferentemente da COP27, no Egipto 2022, desde os primeiros dias a COP28 foi marcada por bastante agitação e notícias constantes a respeito de novas promessas feitas por diferentes países com relação às diversas medidas de mitigação e adaptação para a transição climática. No “palco” dos compromissos alegados estão valores que foram prometidos (os famosos “pledges”) para diferentes finalidades ligadas à sustentabilidade e a tão aguardada operacionalização do fundo climático “loss and damages”, oficialmente acordado na COP27.
O racional que sustenta o “loss and damages” é muito simples e se refere ao reconhecimento de uma responsabilidade histórica mundial: as nações já em estágio de maturidade econômica e desenvolvidas têm responsabilidade por ajudar a financiar a transição climática nos países ainda em desenvolvimento, visto que estes foram os que menos contribuíram historicamente para as emissões de gases de efeito estufa (e o status atual de aquecimento global) e, adicionalmente, são os que estão menos preparados para lidar com os efeitos nefastos do aumento da temperatura global. Como destinatários do fundo, são considerados tanto os países ainda em desenvolvimento como países mais vulneráveis económica e climaticamente, como é o caso dos países africanos.
Bom, para este fundo climático específico do “loss and damages” foram prometidos na COP28 cerca de 700 milhões de dólares, o que representa um arranque significativo operacional, mas ainda bastante aquém do necessário: 400 biliões de dólares por ano, de acordo com estudo atualizado.
Para além da sua operacionalização financeira, o grande ponto de atenção acerca do fundo “loss and damages” era a sua incorporação no Global Stocktake (GST) com a devida importância. Dado que o GST é o grande resultado técnico da COP28, representando um verdadeiro “estado da arte” do clima mundial e das ações que devem ser priorizadas na jornada, a expectativa, portanto, era que o “loss and damages” constasse como mais do que apenas um elemento das ações de adaptação, que acabam sendo preteridas em termos de financiamento nos países desenvolvidos, onde o foco costuma estar nas ações de mitigação (como transição energética, e investimentos em novas tecnologias para a descarbonização).
Infelizmente, na última versão disponibilizada do GST, em 11.12.2023, a expressão “loss and damages” aparece somente 22 vezes em meio aos 238 itens abordados. Expressamente com o compromisso original de apoio aos países mais vulneráveis e ainda em desenvolvimento – que é o verdadeiro propósito do fundo – somente é mencionado o tema 4 vezes. E o mais grave: sem a devida autonomia do assunto, sem uma indicação do valor necessário, e tratado apenas como um subtema da adaptação climática, no conjunto das ações genéricas para endereçar os efeitos adversos do clima.
Para não deixar de ser otimista, é de se ressaltar que há no GST o pedido para que os países desenvolvidos e as instituições financeiras continuem as promessas para a operacionalização do fundo, reforçando o movimento iniciado logo nos primeiros dias de COP.
Importante esclarecer que o loss and damages não é o único fundo que tem como destinatários os países em desenvolvimento. O Green Climate Fund, por exemplo, na COP28 alcançou o recorde de US$ 13,5 bilhões, destinados a apoiar a implementação de 243 projetos e programas de adaptação e mitigação em 129 países em desenvolvimento. Contudo, ainda assim a criação do “loss and damages” se fez necessária e urgente, em decisão histórica de reconhecimento de uma responsabilidade e dever de cooperação entre as nações, e este também é um marco importante.
Interessante observar que o primeiro rascunho do GST, de 05.12.23, reconheceu que ainda não existe uma definição multilateralmente acordada de financiamento climático. Talvez a falta deste conceito e das bases de uma governança global de financiamento climático seja justamente o que compromete a eficácia prática dos esforços. Esforços estes que devem ser direcionados sobretudo aos países que mais precisam – económica e geograficamente – para que então eles consigam ser parte ativa da transição climática. Não apenas por uma questão humanística e de responsabilidade histórica, mas por uma questão de eficiência: para travar o aquecimento global é essencial o esforço multilateral e transversal, e isso inclui que os países em desenvolvimento façam as medidas de adaptação e mitigação necessárias.
Neste ponto, aparece uma interessante expressão no texto atual do GST: que o sistema financeiro seja “fit-for-purpose”. Mais do que isso, devemos exigir: que o financiamento climático seja justo e orientado para a resiliência de forma a considerar as necessidades dos países mais vulneráveis, com valores que sejam capazes de fazer a diferença em direção a uma transição climática de todos e para todos.
Alice Khouri, Advogada especialista em Energia e Alterações Climáticas
Mestre em Direito Público e Doutoranda em ciências jurídico económicas na Universidade de Lisboa
Investigadora colaboradora da Universidade de Lisboa e Universidade NOVA de Lisboa
Fundadora da Women in ESG Portugal