A Mustique começou por lançar camisas coloridas, mas rapidamente cresceu e evoluiu para ser uma marca forte com um universo criativo magnético, uma estética groovy e uma linguagem coerente, capaz de criar uma verdadeira comunidade à sua volta. Depois de abrirem duas lojas no coração da cidade e de apresentarem a coleção na ModaLisboa, Vera Caldeira e Pedro Ferraz falam com a FORBES sobre o seu projeto.
A FORBES esteve à conversa com Vera Caldeira e Pedro Ferraz, os fundadores da Mustique, uma marca de roupa Made in Portugal com duas lojas no centro de Lisboa: uma em São Bento e outra em Santos.
As coleções da Mustique são pintadas com cores vibrantes e adornadas com desenhos psicadélicos que aludem a um mundo imaginário e de fantasia. Depois da estreia na 60ª Edição da ModaLisboa deste ano e do desenvolvimento de várias coleções e colaborações, os dois empreendedores que fundaram a marca antes dos trinta anos falam-nos sobre a experiência de criar um projeto, uma linguagem e uma comunidade.
A Mustique distingue-se pela qualidade dos seus materiais, pelo design divertido e pela comunidade que já conseguiu criar. Como começou este vosso projeto?
Vera Caldeira (VC): Surgiu de uma ideia que eu e o Pedro tivemos juntos, em 2017. Somos amigos há 24 anos e muito próximos. O Pedro já tinha experiência em gerir pequenas marcas de Moda, sempre com uma energia contagiante que sinto que é essencial para se ser empreendedor. Ele queria lançar uma marca nova, ‘fora da caixa’ e partilhou comigo esta vontade de arriscar, de criar algo nosso.
Pedro Ferraz (PF): Sim, eu estava a acabar o meu mestrado e viajei para a China com outros projetos em mente. Falei com a Vera, que na altura estava a voltar de Londres, e encontrámo-nos no Cambodja. Falámos sobre os próximos passos que queríamos dar e houve quase que um entendimento mútuo de que deveríamos colaborar um com o outro.
VC: Passámos semanas a falar sobre possíveis negócios juntos. O Pedro estudou Gestão, por isso é fluente em linguagem business – e eu complemento-o com uma boa aptidão para a ‘cultura visual’. Sempre gostei muito de fotografia e redes sociais e acho que é uma boa combinação. Decidimos rapidamente juntar forças.
O Pedro estudou Gestão, por isso é fluente em linguagem business, e eu sempre tive uma boa aptidão para ‘cultura visual’.
Mas quando se encontraram no Cambodja, como surgiu a ideia da criação da Mustique?
PF: É curioso – nesta nossa viagem conhecemos uma francesa, num hostel e, depois de uma saída à noite, passámos muito tempo a conversar com ela. Descobrimos que ela tinha uma loja de joalharia em Paris e que era muito viajada.
VC: Era uma senhora um pouco hippie chic. Contámos-lhe toda a nossa história entusiasticamente e falámos sobre a nossa ideia de criar a Mustique. Foi ela que nos aconselhou a viajar até à Índia para começarmos a escolher tecidos, prints, cores. Ainda nos aventurámos no Cambodja, os dois numa mota – visitámos umas fábricas, entrámos em complexos enorme onde eram produzidas marcas como a Adidas.
Contámos-lhe toda a nossa história entusiasticamente e sobre a nossa ideia: a Mustique.
VC: Percebemos rapidamente que tínhamos de ir à Índia, como nos foi recomendado, e esse foi o próximo passo. Descobrimos nessa viagem uma técnica de block printing que hoje em dia usamos em vários dos nossos designs.
Em 2017, acabaram por criar uma marca que fala diretamente para uma comunidade que ainda não existia em Portugal, destacando-se de uma forma clara.
PF: Sim, na altura em que criámos a Mustique estávamos rodeados de marcas pouco edgy. Esta vertente mais arriscada da Mustique não era palpável nas ruas de Lisboa como o é em cidades como Londres ou Paris. Camisas como aquelas com que começámos a marca, com uma estética funky e fun, não eram comuns cá.
VC: O facto de respondermos diretamente a esta gap no mercado foi-nos essencial. Apostámos num produto no timing certo.
Esta vertente mais arriscada da Mustique não era palpável nas ruas de Lisboa como o é em cidades como Londres ou Paris. O facto de atendermos diretamente a esta gap no mercado foi-nos essencial. Apostámos num produto no timing certo.
E é em 2018 que começam a vender num espaço físico, numa loja que não era vossa, mas sob a alçada de outrem, num modelo store in store? Um feito rápido e com uma agilidade clara, visto ter acontecido apenas um ano depois de terem tido a ideia inicial da ‘construção’ da marca, de contactarem várias fábricas para a produção das vossas peças, de as terem em mão, e depois de já se terem lançado digitalmente, em Portugal, com enorme sucesso.
VC: Sim, houve uma rapidez notória neste projeto e processo nosso. Vendemos muito bem logo no nosso primeiro ano, digitalmente; e tivemos muito apoio dos que nos rodeiam. Acho que temos muita sorte em ser lisboetas. Considero a nossa cidade o lugar perfeito para se começar um negócio ‘pequeno’ devido à dimensão da capital. Acaba por ser exequível lançar um projeto e um conceito que rapidamente se espalha pelas ruas, que veste as pessoas à nossa volta.
PF: Chegámos, também, com muita velocidade, a novos clientes.
Acho que temos muita sorte em ser lisboetas. Considero a nossa capital um sítio excelente para se começar um negócio ‘pequeno’ devido à dimensão da cidade.
Dois anos depois, no princípio de 2020, o mundo todo parou. Sentiram muito o impacto da pandemia na marca e nas vendas da Mustique?
VC: Sinceramente, o ano da pandemia foi um ano marcante na Mustique – de forma muito positiva a nível de vendas. Considero, aliás, que o nosso grande ‘salto’ se deu nessa altura. Tivemos de ser criativos e apostar tudo nas plataformas digitais. Sempre fomos muito uma marca conectada ao Instagram e a nossa identidade digital é-nos muito importante.
PF: Tivemos um salto gigante e nessa altura erámos basicamente só os dois atrás da Mustique. Não tínhamos muita gente a trabalhar connosco e ficávamos até tarde, noite dentro, a trabalhar em encomendas. Eram volumes enormes, como nunca tinha acontecido antes.
O ano da pandemia foi um ano marcante na Mustique – de forma muito positiva a nível de vendas. Considero, aliás, que o nosso grande ‘salto’ se deu nessa altura.
VC: Acabámos por criar uma comunidade forte com os nossos seguidores. Adaptamo-nos à realidade do mundo e eles juntaram-se a nós. Ganhámos balanço para abrir a nossa primeira loja.
Acabámos por criar uma comunidade forte com os nossos seguidores.
VC: Foi também, durante a pandemia, que fomos condicionados a reestruturar a produção toda da Mustique. No início da marca a nossa roupa era produzida na Índia. Com as restrições impostas, e com as nossas viagens impossibilitadas, tivemos de nos tornar numa marca Made in Portugal. É uma mudança que nos trouxe muito orgulho. Sempre o quisemos fazer devido à qualidade dos produtos feitos no nosso país e a questões de ética e sustentabilidade. Estes dois últimos pontos são melhor assegurados em território nacional.
E foi, de facto, no fim de 2020 que abrem a vossa primeira loja física, de nome próprio, em São Bento. Como foi a experiência de abrirem um espaço físico numa altura em que várias marcas estavam a fechar portas e a se dedicarem em exclusivo ao digital?
VC: Vimos uma oportunidade única em abrir uma loja, em Lisboa, precisamente nesse momento. Com o fecho de vários espaços comerciais de outras marcas, acabámos por ter uma oferta enorme de lojas que estavam à nossa disposição. Numa altura em que ninguém queria abrir uma loja, nós fizemo-lo.
PF: Foi um ‘remar contra a maré’, porque ninguém o estava a fazer. Mas de um ponto de vista da expansão e crescimento da marca pareceu-nos a altura ideal.
Numa altura em que ninguém queria abrir uma loja, nós fizemo-lo.
E contam, hoje, com duas lojas muito centrais em Lisboa. Uma em São Bento, a vossa primeira, e a outra em Santos. Mas como surgiu o nome Mustique?
VC: Foi uma escolha quase espontânea. Mustique é o nome de uma ilha, nas Caraíbas, que pertence ao arquipélago de São Vicente e Granadinas. A ilha e o nome sempre me atraíram. Está localizada num local remoto, de acesso privado – é uma ilha exclusiva e tropical. Um dos nossos planos é visitar a ilha assim que a nossa marca completar 10 anos.
Mustique é o nome de uma ilha, nas Caraíbas, que pertence ao arquipélago de São Vicente e Granadinas.
VC: A essência da marca é muito baseada neste conceito de ‘praia’ e de good vibes.
PF: A escolha do nome foi muito fácil – assim que a Vera o sugeriu, concordámos de imediato que seria a escolha acertada. Nem nunca mais pensámos noutra hipótese.
De facto, o vosso conceito é também muito interessante e de good vibes como mencionaram. É assim que o descreveriam? Como um conceito quase paradisíaco como a ilha Mustique?
VC: Sim, certamente. Invocamos muito o Verão e nesse aspeto trata-se de uma referência clara à ilha em que baseámos o nosso nome. Nos nossos designs usamos muito simbologia de estações mais quentes, seja com palmeiras, ondas e o sol.
PF: É um conceito muito tropical e relaxed. Quase que um misto de roupa resort descontraída e de roupa de festivais de verão mais sofisticada. Um balanço entre estes dois pólos.
Invocamos muito o verão e nesse aspeto é uma referência clara à ilha em que baseámos o nosso nome.
VC: Este conceito é também algo que integramos nas próprias lojas. Chamamos-lhes de Clubhouses, no sentido em que criamos um ambiente que que criar uma sensação de conforto. O nosso sound design está bem pensado e as pessoas que trabalham connosco são escolhidas a dedo por representar os valores da marca. Temos um feedback muito positivo dos nossos clientes no que toca às pessoas que temos a trabalhar em loja.
Acabam por ser uma loja muito lisboeta que transmite a sua identidade aos clientes.
VC: Sim, a identidade da loja é muito baseada na nossa capital. Queremos um ambiente que reflete a cidade e nos reflete a nós. Acho que os lisboetas são peritos em criar espaços acolhedores e queremos que isso se note.
PF: Este ‘calor’ é um traço identitário da nossa comunidade. Temos sempre em conta os nossos clientes e penso que é um ponto muito forte nosso. Há uma interação constante com o nosso público – e complementamo-nos constantemente.
E 2023 é o ano em que se estreiam na ModaLisboa, uma plataforma nacional onde a Mustique se destacou pela interação com o público presente e pelo ambiente e cenário que conseguiram criar. Como surgiu esta oportunidade?
PF: O convite que nos foi feito para apresentarmos o nosso trabalho na ModaLisboa foi uma oportunidade única e da qual estamos gratos. Sentimos que era a altura acertada para o fazer e que iríamos, de certa forma, dar aso à criação de uma outra comunidade – certamente maior. O destaque que participar no evento nos dá é algo incrível. O set design foi desenhado pela Mafalda Matos – que também faz as montras das nossas lojas.
VC: Fizemos uma apresentação em vez de desfile e penso que conseguimos refletir muito bem o nosso conceito. A nossa ideia era demonstrar a essência da marca e a nossa nova coleção de Primavera-Verão 2023. Os manequins ofereceram gelados ao público e a nossa interação constante com os que assistiam acabou por marcar o evento.
Apresentamos o nosso trabalho na ModaLisboa foi uma oportunidade única e pela qual estamos gratos.
PF: O set tinha elementos que usamos muito nas nossas peças, como é o caso com cogumelos. As cores eram também ousadas e fortes criando um ambiente inspirado em fantasia e good vibes.
Noto que usam muito cogumelos nas vossas peças. Há alguma razão em particular para o fazerem? Tornou-se quase um elemento identificador da vossa roupa. É uma alusão à natureza ou uma ode às cores e padrões semi psicadélicas que usam?
VC: Há, de facto, uma ligação ao mundo psicadélico que existe em ambientes de festas e festivais de verão. Começou por ser um elemento que achámos engraçado incluir nos nossos designs e que rápido ficou conhecido.
PF: Foi durante a pandemia que a ideia surgiu e que desde então utilizamos com muita frequência. Foi um acontecimento orgânico baseado, também, na exploração que a Mustique faz dessa vertente mais artística da Moda. Simboliza também um universo dos anos 70 e dos vibes da altura.
É assim que definem um cliente Mustique?
PF: Sim, acho que um cliente nosso é jovem, é bem-disposto e gosta de explorar a vida. Alguém que gosta de viajar, de cores, de alegria. Temos muitos clientes estrangeiros e exportamos muito para os Estados Unidos, o Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, etc. Apesar de a comunidade portuguesa ser muito forte, cada vez mais atraímos clientes vindos de fora. Turistas compram muito e em massa.
A vossa coleção de verão, que apresentaram na ModaLisboa, traz de volta alguns dos modelos ‘originais’ da Mustique. Modelos com que se lançaram.
VC: Sim, voltámos a trazer peças que já tinham sido lançadas anteriormente – um reissue do nosso vestuário mais icónico. São camisas que são claramente Mustique e foi-nos muito pedido pelos nossos seguidores que voltássemos a tê-las em stock, num revival dos nossos ‘clássicos’.
PF: No anúncio mais recente da cerveja Sagres, por exemplo, a camisa é usada e achamos que a muito se deve o facto de rapidamente estarmos a ficar um ‘símbolo’ do que é ser lisboeta.
Voltámos a trazer peças que já tinham sido lançadas anteriormente – um reissue do nosso vestuário mais icónico.
VC: Também usámos padrões folklore, baseado em restos de tecidos que encontrámos numa fábrica no norte de Portugal. Temos também novas t-shirts que dizem o nome da marca e a nossa morada, algo que só conseguimos vender agora por já termos um pé assente em Lisboa. Já somos capazes de arriscar em produtos com o nome da marca em locais mais óbvios, o que é muito gratificante para nós.
Têm, também, novas parcerias com as quais se destacaram online e na fashion week.
VC: Sim, fizemos uma colaboração com a artista KRUS, e juntos criámos uma camisa pintada à mão, intitulada ‘La Mer’. É uma edição limitada com apenas 30 peças em stock.
PF: Gostamos de fazer colaborações com artistas locais e com quem tenhamos uma sinergia positiva. Já trabalhamos com a KRUS há quatro anos e as peças são todas pintadas à mão, sempre edições limitadas, com peças contadas.
E projetos futuros para a Mustique, quais são?
PF: Queremos expandir para outros mercados, mas através de outras lojas, num modelo de negócios mais B2B (business to business). Temos muito interesse em entrar nesse ‘círculo’ e isso exige uma preparação prévia de cerca de um ano.
VC: Sim, queremos vender coleções para outras lojas. Já o fizemos nos Estados Unidos, na Alemanha e no Canadá. Estamos num processo de ‘olear’ a máquina e estamos a fazer os possíveis para que isso aconteça!
Dia 27 de maio a Mustique convida-nos a comemorar os cinco anos da marca numa festa com música, comida e arte num local secreto, no centro de Lisboa. Os bilhetes para o evento já estão disponíveis no site da REsident Advisor.
Dados importantes
Quem são: Vera Caldeira e Pedro Ferraz
Onde estão: R. Poiais de São Bento 90, 1200-337, Lisboa | R. Santos-O-Velho 106, 1200-850, Lisboa
Instagram: @mustique__
Website: www.mustiqueworld.com
Horários: Segunda a Sexta: 11:00 – 19:00 | Sábado e Domingo: 10:00 – 19:00