Sentados numa das mesas do histórico Martinho da Arcada onde Fernando Pessoa terá tomado o último café da sua vida na companhia de Almada Negreiros, Rui Miguel Nabeiro e o avô, o comendador de 88 anos nascido três anos antes da morte de Pessoa, ouviam os parceiros de almoço exaltarem uma nova forma de beber café.
A Nespresso abrira a sua primeira loja portuguesa no Chiado em 2003 e os convidados da Delta não se calavam com a máquina de cápsulas que permitia tirar cafés em casa de forma cómoda e muito prática.
Manuel Rui Nabeiro, que a pulso e ao longo de cinco décadas tinha construído uma empresa de torrefacção e embalamento de café Delta, saiu do icónico restaurante de Lisboa com ar de poucos amigos. O neto, presidente-executivo da Delta Cafés desde 2005, lembra-se desse dia como se fosse hoje. “Aquele almoço foi o dia crítico em que decidimos avançar para as cápsulas”, desvenda Rui Miguel na conversa com a FORBES.
O actual líder da Delta Cafés era à altura um recém-licenciado em Gestão e director comercial para a área de Lisboa. “Foi um massacre durante todo o almoço e o meu avô ficou num estado de ânimo pouco agradável [gargalhada]. Naquele momento eu disse ‘temos de ter uma solução para este problema’”, explica o gestor.
Mesmo que não tenha antecipado o advento do café em cápsulas, Rui Miguel teve a visão, após o almoço no Martinho da Arcada, de perceber que a roda já estava inventada e que por isso havia que seguir o modelo da empresa suíça.
Mas mais do que isso. A insígnia de Campo Maior partiu para um novo caminho, o da inovação, sob o comando de Rui Miguel, filho do primogénito do comendador, João Manuel Nabeiro – presidente desde há quase 30 anos do Sporting Clube Campomaiorense, que andou pela primeira divisão nacional de futebol e chegou a disputar uma final da Taça de Portugal. “A Delta sempre foi uma empresa que vendia café e preocupava-se com a sua marca, mas este tema da cápsula e da inovação mais disruptiva não estava na agenda”, refere Rui Miguel, de 40 anos.
Foi justamente com o intuito de mudar isso que em 2012 adquiriu a empresa que estava a ajudar a desenvolver o negócio das cápsulas, através da marca Delta Q (sigla criada em 2007), a Diverge Design, e incorporou nela os trabalhadores do grupo de Campo Maior.
“A Delta sempre foi uma empresa que vendia café e preocupava-se com a sua marca, mas este tema da cápsula e da inovação mais disruptiva não estava na agenda”, refere Rui Miguel, de 40 anos.
“Eu percebi que tínhamos a solução, mas não chegava. Tínhamos de continuar a inovar. O consumidor exigiria de nós novos produtos, teríamos de começar a desenhar nós as nossas máquinas. Com a Diverge, fomos trabalhando em novas soluções tecnológicas nas novas máquinas que queríamos. Tornámo-nos um cliente tão relevante da Diverge que acabámos por decidir comprá-la”, resume Rui Miguel.
E assim, a Delta, que representava 80% dos serviços prestados por esta start-up, tornou-se totalitária nos seus trabalhos. A Diverge passou então a funcionar como o “braço armado” da Delta para a inovação.
Quando hoje olhamos para a máquina de cápsulas, vemos a sigla Delta Q. A 17.ª letra do abecedário tornou-se imagem de marca, patente em momentos como o mote da restauração, “perfeQtly expresso”, a designação das máquinas (Qool Evolution, por exemplo) e em acções como a oferta de refeições a pessoas desfavorecidas em articulação com a Associação Abraço, a que foi dado o nome Qantina Abraço.
Formado para liderar
Ao contrário do avô, que, ligado a Espanha desde cedo pelo comércio (e contrabando) de café na zona raiana, tornou Madrid o lugar de eleição para passar um fim-de-semana, Rui Miguel é um cosmopolita na capital, onde nasceu. Ainda assim, diz-se ligado à terra e assegura que “assim que tinha férias ia logo para Campo Maior”.
Este é um dos desafios, não afirmado, mas fácil de entender: desenvolver o próximo passo num grupo muito suportado num presidente que nos garante que “a pessoa que lhe está a falar não vive só para si, vive para a comunidade. É a maior valia que a nossa casa tem”.
Mas se hoje até já se levanta às 6 horas da manhã, o que, graceja, significa que ganhou duas horas de sono relativamente a outros tempos de muito suor derramado sobre a Delta, o comendador Manuel Rui não espera dos netos que façam uma vida igualmente dura. “Não há dúvida nenhuma que os meus não necessitam de passar o que eu passei. Necessitam é da visão, antecipação, saber conquistar e saber ser amigo. A amizade e a proximidade é o que o mundo precisa”, explica.
Terminada a formação académica na Universidade Católica (complementada já nesta década pela pós-graduação e mestrado em Gestão nos EUA e em Portugal), passou por Espanha e Brasil em empresas de transacção financeira de café e produção de máquinas.
Esta cápsula, feita de um composto de milho, cana-de-açúcar e mandioca, foge ao plástico e alumínio usuais e é o mais recente produto da estrutura de inovação.
Rui Miguel não esconde que o avô foi fundamental para a carreira que seguiu, e admite à FORBES que houve um impulso familiar para que guindasse à gestão do património familiar, esbanjando uma vocação apontada pelos testes psicotécnicos no ensino secundário: ser jornalista. “O meu avô sempre disse ‘vai lá estudar, tens a sorte de a família te proporcionar estudar, coisa que eu não tive, e faz bom uso disso… estamos a contar contigo! [gargalhada]. Ouvi isso muitas vezes. Foi seguramente positivo, porque foi estímulo e motivação para hoje estar aqui. Eu gosto e sempre gostei disto”.
Talvez pela veia comunicativa que os psicotécnicos percepcionaram, Rui Miguel é, de entre os responsáveis da família na Delta, o mais expansivo nas redes sociais, pelo que nem precisaríamos de falar com ele para saber das suas actividades em representação da empresa pela Europa fora e também no Brasil, designadamente quando a Delta ali abriu uma das suas lojas bandeira, tal como tem em Lisboa e no Porto.
Foi também no Facebook que partilhou a foto da equipa com alguns dos 2875 funcionários da empresa a prepararem a estratégia de sustentabilidade do grupo que apresentou a 15 de Maio, feita com a presença do primeiro-ministro e do ministro da Economia, que enalteceram dois dos projectos ali desvendados: a colaboração com um produtor de cogumelos que, a partir do Intendente, em Lisboa, vai fazendo crescer cogumelos dentro de sacos de plástico, misturando sementes de cogumelo, palha e os restos de café moído; e a primeira cápsula 100% orgânica e biodegradável para máquinas de café. Esta cápsula, feita de um composto de milho, cana-de-açúcar e mandioca, foge ao plástico e alumínio usuais e é o mais recente produto da estrutura de inovação.
Apesar do pioneirismo, e de apontar 2025 como o ano em que todas as cápsulas vendidas pela marca terão esta tecnologia, o líder da Delta Cafés não se fecha no discurso politicamente correcto. Na conversa que temos um dia depois daquela apresentação oficial do plano de sustentabilidade da Delta, Rui Miguel alerta para o discurso demasiado definitivo dos que exigem o fim do plástico, apontando, a título de mero exemplo, um estudo que indica que a produção de uma garrafa de vidro emite três vezes mais dióxido de carbono do que uma de plástico.
Outro objectivo da empresa para 2025 é de ter toda a frota comercial com motorização eléctrica (hoje, 20% da frota total e 100% das de Lisboa e Madeira já o são) e todas as delegações a gerar a sua energia eléctrica com painéis solares.
Uma marca de futuro
Uma quase devoção ao comendador que ouvimos ao longo de todo o dia que passamos em Campo Maior. “Moro ao lado do senhor Rui. À porta de casa dele, na pastelaria, na [fábrica do café] Camelo, logo de manhã já está gente a pedir-lhe emprego”, explica Conceição Cardoso, que nasceu cinco anos após Manuel Rui ter criado a Delta Cafés, e por isso sempre se habituou àquela figura na sua terra.
“Se vamos pedir alguma coisa ao senhor Rui, ele só não faz se não puder. É a salvação das pessoas”, diz esta campo-maiorense, habituada a ver a vila a partir da janela do seu quiosque, a escassas dezenas de metros da estátua de bronze do patriarca dos Nabeiro, da autoria do escultor Laureano Ribatua, inaugurada em 1998. Conceição diz que “se houvesse mais dois como Rui Nabeiro, Campo Maior cantava as saias”.
Não vá o jornalista forasteiro não entender, a empresária ressalva que é um dito popular local para enaltecer algo. No caso, o fundador da Delta. Quanto a este, diz à FORBES que, após a sua presidência, virão os dois filhos, João Manuel e Helena. Serão eles os próximos a segurar as rédeas do império de Campo Maior – ainda que o bem-disposto comendador nos assegure que não tenciona abandonar a empresa nos próximos 20 anos.
“A cria nasceu e consagrou-se, ganhou a dinâmica da força, e os meus netos só têm que seguir, porque isto é uma marca que começámos com três pessoas, e não tinha na altura lugar no mercado. Eu conquistei, fiz, e ficou espaço aberto para os meus netos e os meus familiares em geral”, afirma o fundador do grupo detido maioritariamente por si, e com participação da mulher, Alice, e dos dois filhos.
Sem deter capital na empresa, Rui Miguel é, contudo, a mão que gira a manivela da bola de torrefacção no que diz respeito à inovação e à construção do futuro da empresa. Recapitulando o processo que colocou a Delta na rota das cápsulas, fala de uma “solução perdedora” inicial, considerando importante relatar-nos o que correu mal, “porque a maioria dos sucessos está alavancada em insucessos”, considera.
“Eu estava absolutamente convencido – porque todos os estudos de mercado que fazíamos o diziam –, que o consumidor não quer estar agarrado a um sistema fechado. A concorrência [subentende-se a Nespresso] tinha um sistema fechado, em que tinha cápsulas e máquinas que só funcionavam nos seus sistemas, e nós estávamos convictos de que ter um open system era a solução ideal, de que o consumidor estava receptivo a isso”, relembra.
A primeira solução foi assim uma pastilha, conceito que perdura noutras marcas. “Em seis meses percebemos que era um flop, porque não havia tracção na compra. Acabei por dizer ‘stop, vamos baralhar e voltar a dar’. Foi nesse momento que decidimos que íamos começar a avançar com o nosso sistema de cápsulas”, desvenda Rui Miguel.
E ainda bem que o fizeram. Impulsionada pelo sucesso da máquina de cápsulas e da marca Delta Q nascidas já com Rui Miguel ao leme da empresa, a Delta Cafés terá facturado 374 milhões de euros no último ano. Destes, 30% resultam de operações internacionais, mas a ambição do presidente-executivo da Delta é de superar os 50% dos resultados além-fronteiras. “Esse é o meu sonho, é conseguirmos ter mais de metade da nossa facturação fora de Portugal.
O futuro da Delta será desenhado à boleia do sucesso da Delta Q. É sobre o negócio das cápsulas que Rui Miguel espera ganhar quota de mercado no estrangeiro.
É muito importante para nós”, refere o gestor que exalta a necessidade de sustentabilidade social, ambiental e também económica, o que implica apostar na internacionalização para não viver sob o espartilho do ritmo económico de um só país.
Uma “Delta 2.0” que o seu presidente-executivo coloca sobre o pilar da inovação, necessária, diz, para trazer “dinâmica de mercado que nos dá uma tranquilidade diferente do que estar sempre a vender o mesmo produto em que acrescentamos pouco valor ao mercado e ao cliente. Mas não pode ser só inovação – lembro-me de na escola me ensinarem que não se põe os ovos todos no mesmo cesto.”
Traçado o mapa, um dos pontos intermédios é chegar ao top 10 mundial das marcas de café, o que o gestor vê como possível até finais da próxima década, considerando o desempenho das cápsulas, que “deram uma ajuda muito importante”, e os produtos da inovação, que vale já cerca de 8% da facturação anual. “Acredito muito naquilo que é o nosso pipeline de inovação para nos trazer, não só maior fatia de mercado, mas também fazer crescer o mercado, que é a nossa obrigação, tanto em Portugal como além-fronteiras”, refere Rui Miguel.
O futuro da Delta será desenhado à boleia do sucesso da Delta Q. É sobre o negócio das cápsulas que Rui Miguel espera ganhar quota de mercado no estrangeiro e conseguir duplicar os resultados da empresa a breve trecho. “Tudo o que temos em jogo neste momento nos indica que vamos cumprir essa meta” diz.
Ainda mais acutilante, Rui Miguel responde com convicção à pergunta sobre a capacidade de cumprir a intenção anunciada há cerca de 20 meses de duplicar a facturação da Delta Q em cinco anos, dos então 75 milhões para 150 milhões de euros: “Estamos no bom caminho. Vai acontecer, não há hipótese nenhuma! Nós não falhamos, não fazemos previsões. Não nos atiramos para fora de pé a fazer este tipo de promessas”.
Uma premissa que tem falhas: na conversa com jornalistas no final da cerimónia do décimo aniversário da Delta Q, em Outubro de 2017, o presidente-executivo dizia esperar atingir 700 mil euros de vendas na plataforma chinesa de vendas online Alibaba. “Não chegámos a cumprir os 700 mil euros no primeiro ano, ficámos bem abaixo disso”, revela agora à FORBES.
“É difícil”, assume, justificando com a transição do modelo de negócio tradicional da Delta – contacto directo entre vendedores e a distribuição, negociando espaço nas prateleiras dos supermercados –, para um em que a marca portuguesa é vendida naquela gigante plataforma online.
“A ‘prateleira’ é infindável: o Alibaba pode ter um bilião de cafés. O que temos de aprender é como é que sobressaímos num mar de muitos outros. Tem sido um ano de aprendizagem”, reconhece, para logo adiantar que não vai mudar o foco. “Já vi muita gente que perde a paciência e muda a estratégia, só que não tem consciência que hoje tem mais conhecimento que o que tinha. Não me preocupa errar, o que me preocupa é se eu não aprender com os erros”, destaca, frisando que não houve erro da Delta na adaptação ao Alibaba e repetindo a teoria da aprendizagem.
Tanto mais que foi nesta experiência chinesa que aprendeu que aqueles consumidores estão muito mais avançados na tecnologia do que os portugueses. “Queremos vender e ter sucesso, queremos a nossa fatia do mercado e vamos continuar a lutar por ela”, promete o líder da Delta Cafés.
União familiar
“Os filhos não se vendem e a Delta é um filho”. Manuel Rui não poderia ser mais claro quando lhe perguntamos se um dia vai mudar de ideias e sucumbir à tentação de se sentar numa montanha de dinheiro com a venda da marca que fundou em 1961 a um dos tubarões mundiais que já o tentaram com cheques chorudos. Entre os netos e administradores, o discurso não destoa.
É o caso de Rita, a líder da Adega Mayor, que, junto às suas vinhas, assegura: “de mim só podem contar com o meu contributo para ter o grupo unido. Falo por mim, mas acredito que é o sentimento transversal dos restantes membros da família, se tivermos condições para manter é isso que queremos”.
O irmão, Rui Miguel, puxa para o mesmo sentido, salientando o caminho da profissionalização da gestão em curso. “Há muitas decisões que teremos de tomar em conjunto. Não me compete a mim dizer como deve ser e qual é o caminho que devemos seguir”, diz o primogénito da terceira geração.
O presidente-executivo da divisão de cafés do grupo manifesta que “o importante é não perder os valores, porque os valores do fundador, seja na Delta, seja de outra empresa, ficam sempre. Uma empresa nasce porque alguém tem uma ideia e um sonho. Esse sonho fica sempre”.
Dos dois filhos do comendador, Helena é, tal como João Manuel, accionista minoritária e administradora. O mais velho dos seus dois filhos, Ivan, também se dedicou ao império, ao passo que Marcos, neto mais novo do fundador da Delta, seguiu a paixão do pai (o malogrado Joaquim Bastinhas), pelo toureio. Ivan assegura que “nunca houve interesse na venda”. O tema, diz, “não está nem sequer nas conversas informais de nós todos”.
O primo, Rui Miguel, líder da Delta assegura que a família nunca quis explorar as propostas, por economia de tempo. “Nunca me dediquei, nunca foi preocupação e só será se tivermos em vista vender a empresa. E acredito que a família não está [interessada]”, diz, confidenciando: “Por cortesia, uma vez ou outra, o meu avô ouviu, mas penso que foi só para saber quanto é que a empresa vale”.
“Se queremos fazer, temos de correr riscos”, garante Rui Miguel Nabeiro.
Palavras que agradarão a Manuel Rui, que à FORBES manifesta a crença de que o seu “filho” Delta não será, no futuro, vendido: “Tenho a certeza!”
Como exemplo na relação humana, Rui Miguel tem o avô, um homem, segundo o próprio, “extraordinariamente inteligente do ponto de vista racional, e muito acima da média do ponto de vista emocional. Se vê alguém levantar os pés do chão, mesmo que esteja a fazer bem, se levita, ele puxa. Mas se estiver lá em baixo, e já vi reuniões em que estou a pensar que vai dar na cabeça daquela pessoa porque os números são maus, ele surpreende, porque é a reunião em que ele elogia. Acho que ele é um mago da motivação.”
Mas Rui Miguel não se agarra apenas ao comendador para elevar a Delta até um novo patamar. O segredo está também em dar voz aos mais de 3500 mil funcionários que trabalham diariamente no grupo Nabeiro. E, para isso, Rui Miguel colocou em prática o Modelo de Inovação da Delta (MIND), em que os todos os que vestem a camisola da Delta podem propor novas ideias de negócio. Os resultados estão à vista: logo no primeiro ano, o MIND gerou dois produtos que estão a dar cartas no mercado: a Go Chill, bebida fria à base de café, e também as barras de cereais com café, Croffee.
Num registo pedagógico, Rui Miguel explica que, com esta iniciativa, transmite aos trabalhadores que não devem ter medo de errar ou falhar quando se dedicam à inovação, até porque ele será o pára-raios em caso de falhanço. “Se queremos fazer, temos de correr riscos”.
É, diz Rui Miguel Nabeiro, “muito bom para a organização” ter este “funil de inovação”, já que, acredita, confere credibilidade ao processo de inovação. “Acredito também que nos coloca numa linha da frente para dar este salto e sermos uma empresa inovadora. Já não somos só uma empresa que vende grãos de café”.
O elevador social da Delta
Se durante algumas décadas do Estado Novo foi a fábrica de tomate do Caia o motor industrial da região, com a democracia, esta ressentiu-se da ligação ao regime e Manuel Rui acabou por aproveitar grande parte da capacidade industrial que ali sobejava, explica Ricardo Pinheiro, autarca de Campo Maior.
Nos Paços do Concelho, onde nos recebe e onde Manuel Rui Nabeiro foi “o senhor presidente” ao longo de uma dezena de anos antes e depois do 25 de Abril de 1974, Ricardo explica à FORBES a importância do empresário de 88 anos numa terra em que o estilo de vida agrário evoluiu para um sentido industrial muito à conta do criador da Delta Cafés.
Tanto que, no “Rating Municipal Português”, documento referente aos anos 2016 a 2018, elaborado pela Ordem dos Economistas, e que acabara de lhe chegar às mãos, Campo Maior é 30.º entre os 308 municípios do continente no que respeita a governance, eficácia de serviço ao cidadão, desenvolvimento económico e social e sustentabilidade financeira. Para isto contribui não só o império da família Nabeiro, mas também a Hutchinson, grande empregador do município, com quase 1200 pessoas. “A cultura industrial não se aprende na escola. É a importância do berço. Os filhos das pessoas que estavam na Delta ouviam os pais falar do trabalho. Esses filhos já são provenientes do meio industrial”, destaca o ex-director de manutenção da Delta e, como tantos na vila, amigo de Manuel Rui.
O presidente da Câmara de Campo Maior é o espelho da dimensão que a Delta tem na região. Engenheiro electrotécnico de formação, começou a trabalhar na Delta aos 18 anos, ainda antes da universidade, voltou à empresa em 2005 e em 2009 foi desafiado pelo comendador para um projecto político para Campo Maior.
“Em 2009 ele disse-me que tinha um projecto para mim. Eu pensava que era para fazer um update na fábrica ou para a fábrica de Angola. Na Páscoa de 2009 disse-me que queria que eu fosse candidato do PS à Câmara Municipal de Campo Maior”, explica-nos.
Nas últimas autárquicas, em 2017, num cenário de 36,5% de abstenção local (a média nacional foi de 45%), Ricardo recebeu 65% dos votos naquele que, por imposição legal, será o último de três mandatos consecutivos.
A geração que se segue
Na holding da família Nabeiro, a Nabeirogest, Rui Miguel não é o único da terceira geração já com obra realizada. Rita Nabeiro, a sua irmã, é directora-geral da casa vitivinícola Adega Mayor, cuja génese data de há 20 anos. “Tinha 17 anos, estava a entrar para a universidade.
Mal imaginava nessa altura que estaria aqui a trabalhar”, assume a gestora, que se recorda de, ainda menina, estar num almoço com uns 100 empregados do avô, num local de chão de terra e com umas paredes de tijolo levantadas, em clima de festa. Era o início da fábrica da Delta, sobranceira à estrada para Portalegre, o concelho que apesar de capital de distrito, procura em Campo Maior emprego para os seus.
Primo de Rita e Rui Miguel e como eles administrador, Ivan decidiu ficar por Elvas, perto da sede do império Nabeiro, no qual não falta a valência de solidariedade, por intermédio do Centro Educativo Alice Nabeiro, que Ivan gere.
Foi ali que se criou o manual “Ter ideias para mudar o mundo”, destinado a crianças dos 3 aos 12 anos e com certificação pela OCDE e pelo Governo, e o Manual de Empreendedorismo, desenvolvido em parceria com instituições como o Instituto Superior Técnico e ministrado junto de professores no continente e, a partir deste ano, também nas ilhas. “É um modelo assente na pessoa e pilar da empresa, que é o meu avô”, resume Ivan.