Ricardinho é um astro do futsal. No dia em que recebeu a equipa da FORBES na sua casa, em Madrid, estava a arrefecer da vitória na UEFA Futsal Cup, a liga dos campeões da modalidade, ao serviço do clube espanhol Movistar Inter Fútbol Sala (Inter Movistar).
Foi a terceira vez que ergueu este troféu. O ano não lhe está a correr mal. Em Fevereiro, sagrou-se campeão europeu ao serviço de Portugal após vencer a selecção espanhola numa final épica da qual saiu lesionado, venceu a Supertaça e está à beira de conquistar mais um campeonato nacional naquela que é considerada a liga mais competitiva do mundo.
Mas estas são apenas as vitórias mais recentes daquele que é o melhor jogador do mundo de futsal, galardão que já recebeu por cinco vezes.
Apesar do sucesso alcançado, Ricardinho não se deixa deslumbrar e mantém-se fiel às suas origens. A família e amigos são a rede que nunca o deixa cair. Para perceber como lá chegou, é preciso deixar o condomínio de luxo em Madrid e regressar a Valbom e ao início da década de 1990, quando começou a dar os primeiros pontapés na bola.
O pequeno gigante
Criança, reguila, como a mãe lhe chamava, Ricardo Filipe da Silva Braga começou a espalhar magia no Estrela de Fânzeres, um clube de futebol da localidade que o viu nascer.
A forma rápida e inteligente de jogar, “sempre a pensar à frente de todos”, como explica à FORBES, destacavam-no e fez despertar o interesse de clubes maiores. Assim foi com o Futebol Clube do Porto, que após perder uma final de um torneio local, cortesia de Ricardinho que apontou dois dos três golos do seu clube, quis tê-lo nos seus quadros.
Desportista nato, praticante de atletismo, ténis de mesa e futebol 11, Ricardinho era um poço de força e de talento, mas tinha um handicap.
“Eu era mais pequeno do que todos os outros”, explica, exemplificando que os seus 1,33 metros de altura tinham que ombrear com os mais de 1,5 metros (em média) dos colegas de equipa e adversários.
Ele não via no tamanho um problema. “Eu sentia-me privilegiado em ser pequeno porque era o mais rápido”, justifica. No entanto, aos 14 anos, o treinador do Futebol Clube do Porto dispensa-o no início da época. “Disse que eu precisava de crescer”, explica.
Já a viver em Valbom, no concelho de Gondomar, onde ser adepto do clube do Dragão é tão natural como ter sotaque nortenho – “há um ou dois boavisteiros”, diz -, a dispensa foi como uma facada no coração.
Deprimido, esteve um ano parado, um período que agora, à distância, vê como positivo porque foi quando teve as melhores notas da escola.
Porém, Ricardo não foi longe nos estudos, formou-se na rua, e como o treinador que o dispensou disse, cresceu e muito, atingindo uma dimensão que o tornou quase demasiado grande para a realidade nacional do futsal.
Sair de casa
Um ano depois de ser dispensado pelo Futebol Clube do Porto com apenas 14 anos, Ricardinho aceita jogar num torneio local. O nível elevado do futebol praticado nas ruas do bairro mantinha-o em forma.
Dali saíram muitos dos actuais jogadores de futsal da primeira divisão. “Só não chegaram a este nível”, explica. E o que foi preciso para chegar aqui, perguntamos. “É preciso sorte, talento, mas sobretudo muito trabalho e, claro, jogar com os melhores”, explica.
Se o talento já lá estava, a sorte apareceu na final desse torneio. Ricardinho ajuda a sua equipa a vencer com dois golos e no fim do jogo a treinadora adversária disse-lhe que ele tinha de ir jogar futsal. “Eu nem sabia o que era futsal”, explica. Disse que não, mas, um dia, Carolina Silva foi buscá-lo a casa. “É curioso, mas num mundo de homens foi uma mulher que me levou para o futsal”, diz o jogador.
“É preciso sorte, talento, mas sobretudo muito trabalho e, claro, jogar com os melhores”, explica Ricardinho.
O factor “jogar com os melhores” apareceu no ano seguinte, quando foi abordado pelo Benfica. O clube da Luz não era o único interessado. Em vésperas de partir para Lisboa, teve uma visita de um representante do “Freixeiro” (Associação Recreativa) acompanhado com uma mala recheada com 10 mil euros. “Nunca tinha visto tanto dinheiro”, diz Ricardinho. Quando estava prestes a ceder, a mãe desfere-lhe uma chapada na cara. “Somos pobres, mas temos palavra. Ele tem um acordo com o Benfica e é para lá que vai”, exclamou ao representante do Freixieiro. Nos oito anos seguintes, Ricardinho iria jogar com os melhores de Portugal.
De pés assentes no bairro
Fama e fortuna são duas coisas naturais no mundo do futebol, mas Ricardinho nunca se deslumbrou. “O sucesso é perigoso, mas nunca me deixei levar por caminhos menos bons”, diz. O jogador reconhece a importância do dinheiro. Na pele, onde tem gravados os grandes marcos e os valores da sua vida, estão lá as moedas a representar o lado mais material da existência.
Ao abordar as idas para o Japão, onde vestiu a camisola do Nagoya Oceans durante dois anos, e depois para a Rússia, onde representou o CSKA Moscovo, Ricardinho não esconde que tiveram motivações financeiras.
“Para dar uma noção: na Rússia ganhava 40 mil euros por mês e no Japão, ganhava muito mais. Quando regressei ao Benfica fui ganhar 7 mil euros”, diz, sublinhando a diferença abismal entre a realidade nacional e a estrangeira. “Tenho e ganho bom dinheiro, graças a Deus”, exclama, mas sem deslumbramentos. “Tenho as minhas coisas”, diz, mas sem loucuras. Além de dois automóveis topo de gama, vai aplicando o dinheiro em imobiliário, mas de forma casual.
Após ser inquilino durante algum tempo, acabou por comprar a moradia onde reside actualmente, em Madrid. É também proprietário de imóveis em Lisboa e no Porto que foi adquirindo para viver e à medida que foi tendo possibilidades, sendo ainda dono de um restaurante e um bar (ambos em Gondomar).
A preocupação com a família é evidente ao longo da conversa. “O apartamento que tenho no Porto até era para os meus pais, mas eles não querem sair do bairro. Fica para o meu irmão”, diz. O bar, mais do que que um negócio, é um emprego para o irmão mais novo, sobre o qual demonstra uma preocupação paternal. Quer garantir que não lhe sucede o mesmo que ao irmão mais velho, que chegou a estar preso – outro episódio que tem tatuado no corpo.
Os amigos “de sempre”, faz questão de sublinhar, fecham o ciclo privado do jogador. É a eles que recorre para ultrapassar os momentos mais difíceis e nos mais pessoais. André Brito é um deles. Amigo de longa data tem a função de gerir os negócios do jogador e de suprir as necessidades dos seus pais.
Emoções à flor da pele
Com uma carreira profissional que já soma 16 anos, Ricardinho conhece bem o fenómeno da rivalidade, mesmo a faceta mais doentia. Chegou a ser contagiado, quando em 2016 entoou um cântico ofensivo contra o Sporting Clube de Portugal num vídeo que rapidamente foi disseminado pelas redes sociais. “Foi o erro da minha vida”, diz.
Mais do que um jogador, é adepto de desporto. Não tem tiques de estrela. Após as partidas fica sempre 20 a 30 minutos no campo a dar autógrafos e a confraternizar com os adeptos, muitas vezes com os da equipa adversária, como aconteceu recentemente após um jogo entre o Inter Movistar e o Barcelona.
Tal postura torna-o numa referência, por onde quer que passe. Tem fãs da Colômbia, onde ganhou o prémio de melhor marcador no campeonato do Mundo em 2016, que vêm ver os seus jogos a Espanha.
“Sou um profissional. Jogo onde me derem melhores condições”, exclama, sem rodeios.
É um ídolo na Sérvia, onde eliminou a selecção local no campeonato europeu em 2016 com um golo que correu o mundo, e é solicitado várias vezes por ano para ir ao Japão fazer acções de promoção da modalidade junto de crianças e jovens.
Sobre o futuro, diz que ainda é cedo. “Quero continuar a bater recordes”, refere. A ideia é jogar até aos 37 anos no mais alto nível. Sente-se bem em Espanha, a melhor liga de futsal do mundo e um país onde conseguiu conquistar um espaço difícil para um jogador português, mas é pragmático. “Sou um profissional. Jogo onde me derem melhores condições”, exclama, sem rodeios.
E, claro, não exclui a possibilidade de aceitar a proposta do Sporting Clube de Portugal, que tanta tinta tem feito correr nos jornais desportivos. “Eu gostaria de acabar a minha carreira no Benfica, mas se o Benfica não quiser ou não tiver condições para me pagar, sigo com a minha vida”, adianta.
A única certeza que tem é a de querer manter-se no topo até aos 37 anos e, depois, quem sabe, ser uma espécie de embaixador do futsal na UEFA. A entidade máxima do futebol europeu está a apostar na promoção da modalidade e quer levá-la para os Jogos Olímpicos. Entretanto, até lá, Ricardinho vai continuar a espalhar magia dentro e fora do campo.