Do céu ao inferno, do inferno para Miraflores. Na vida do “Dr. White” há dois Miguel Stanley: o dentista e o gestor. O primeiro é reconhecido como o dentista da televisão, o médico a quem personalidades como Paulo Portas e Cristiano Ronaldo confiaram o sorriso. O segundo é conhecido como aquele que, em 2011, declarou insolvência depois de um grande projecto de uma clínica que acabou por não abrir, tendo sido pelo caminho burlado pelo contabilista que lhe desviou milhares de euros.
Encontramos hoje o Miguel Stanley no seu consultório em Miraflores, no concelho de Oeiras. À FORBES, estabelece uma distância clara entre estas duas facetas do seu perfil. “O Miguel Stanley dentista nunca fracassou. A clínica estava cheia no mês em que abrimos falência”, assegura. Ao apresentar o espaço, que inclui também serviços de bem-estar em áreas como estética e nutrição, vai sublinhando a excelência dos materiais e dos aparelhos. E as inúmeras certificações, as licenças, os implantes que poucos consultórios encomendam. Nesta enumeração das razões da excelência técnica da White Clinic, defende com unhas e dentes o Stanley dentista de uma possível contaminação pelos percalços do Stanley gestor que, apesar de tudo, nunca desistiu. “Reerguer-me nasce do dentista, não nasce do empresário.
Eu próprio me interroguei sobre isto e só encontrei resposta recentemente: foi a Medicina Dentária que me salvou, a coluna vertebral, a excelência do acto médico. Nunca baixei os meus preços, preferia passar fome a não prestar um acto médico de excelência. Deixei de ter uma vida desafogada, passei de rico para pobre. Mas o acto clínico nunca foi afectado.” Agora é apenas administrador e não mexe nos dinheiros. Ainda assim, revela que no ano passado facturou 1,4 milhões de euros e que 60% da facturação é feita junto de clientes internacionais.
O estrelato da televisão
Miguel Stanley nasceu em 1973 em Durban, na África do Sul. Filho de mãe inglesa e pai português, tem como grande referência o seu pai, “uma bússola moral” para si, diz.
Miguel conta que quando tinha apenas nove anos o seu pai “vendeu tudo” o que a família tinha e partiu para Portugal, por estar “contra o Apartheid”. Já a viver por cá, Miguel continua a sua formação em escolas de elite como o St. Julian’s e os Salesianos do Estoril. Chegado à maioridade, o fito inicial era ir para Medicina – queria ser cirurgião cardiotorácico, conta -, mas uma falha no prazo de candidatura levou-o ao Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, no Monte de Caparica, em Almada, para cursar Medicina Dentária. Sem “pais ricos”, conta que trabalhou num café para pagar o curso ao mesmo tempo que ia fazendo trabalhos como modelo.
Terminado o curso, em 1998, responde a um anúncio de jornal à procura de um médico dentista no Algarve – e conseguiu o lugar. Luís Carvalho, proprietário da Clínica Dentária de Almancil, assegura à FORBES, em declarações enviadas por e-mail, que “ele tinha uma muito boa maneira de lidar com os pacientes e era óbvio que tinha uma vontade enorme de ter sucesso na sua profissão. Tornou-se um clínico muito competente”. Acabado o estágio, queria trabalhar com um professor da Faculdade de Medicina Dentária e director da Clínica da Lapa: Eurico Magalhães Freitas.
“De cada vez que vinha a Lisboa ver os meus amigos, levava-lhe uma garrafa e perguntava-lhe: Sr. Professor, deixe-me trabalhar consigo, faço o que for preciso”, conta. Em 1999, depois de muitas tentativas, a água furou a pedra dura: Magalhães Freitas liga-lhe a perguntar se queria ficar com a clínica. Disse que sim, “pedi um empréstimo ao banco e começou aí a grande aventura”, que teve como mote um investimento na ordem dos “30 a 40 mil contos” [150-200 mil euros], diz. Aí assentou arraiais durante nove anos.
A seguir, veio a televisão. Corria o ano de 2003. Um ano depois foi convidado a participar num programa apresentado por Fátima Lopes, na SIC, onde ofereceu implantes dentários a uma senhora sem dentes. Em 2006, inspirado por formatos norte-americanos como o “Extreme Makeover”, começou a gravar o “Doutor, Preciso de Ajuda!”, a convite de José Eduardo Moniz, à data director de programas da TVI. Criava-se assim a marca Dr. Stanley através da exposição mediática. Teria ainda outro programa, o “Dr. White”, desta feita na SIC, estreado no início de 2012, mas a fase já era outra, e descendente.
Tempos complicados
Em 2008 resolve apostar numa nova clínica. A Clínica Dentária da Lapa já não lhe enchia as medidas – o sonho era mais abrangente. “Era uma clínica com 30 anos de funcionamento, que eu herdei, mas eu tinha a visão na minha cabeça de uma clínica especial”. Uma clínica sob o conceito de life design: “Em 2001 escrevi um conceito de uma coisa que não existia no planeta, uma clínica com todas as áreas de medicina de bem-estar. Cirurgia plástica, nutrição, dermatologia, todas essas áreas, com uma gestão, por baixo de um só tecto.” A clínica de bem-estar total. “Eu como não era gestor, percebia que era praticamente impossível alguém ter dinheiro para isso”, assume.
Começou em 2008 à procura de um novo espaço, alicerçado nos bons resultados da Clínica da Lapa à época, que chegavam a atingir uma facturação de, segundo estimativas do próprio, “300 mil, 350 mil euros por mês.” Nascia na altura no bairro de Santos, em Lisboa, o Santos Design District, conceito que pretendia tornar a área num centro polarizador do design na cidade. Época de optimismo e de grandes projectos, como o do arquitecto Norman Foster que, à época, propunha uma reformulação da zona que incluía uma torre de 100 metros de altura.
Um novo bairro cosmopolita iria nascer ali. Arrendou um espaço na Avenida D. Carlos I. A renda, em 2008, “era uma exorbitância”, assume. Representava 10% da facturação. As obras internas, que em princípio demorariam 6 meses, acabaram por demorar um ano e meio devido a problemas de licenciamento junto da Câmara Municipal de Lisboa – Stanley não contava com o facto de o edifício ser classificado. O senhorio não quis saber de moratórias. “Os meus colegas, os meus familiares, dizem-me: ‘Tu nunca devias ter saído da Lapa’”, conta. A bancarrota precipitou-se quando, em 2011, Stanley descobriu que Luís Batista, o seu contabilista e director financeiro, “a título informal”, o defraudou em, estimou à data, mais de 370 mil euros. “Foi um período um bocado escuro para mim. Há um apagão no cérebro desses tempos escuros”, assume Miguel Stanley.
Uma nova vida
Depois da insolvência, deixou tudo nas mãos de Ricardo Couto, director-geral da White entre 2008 e 2013, e partiu para os EUA para fazer a sua travessia no deserto. Andou entre cá e lá. “Nunca desliguei por completo. O meu telemóvel estava sempre ligado”, conta. Já na Califórnia, foi convidado a participar no programa “The Doctors”, da CBS, um programa sobre casos clínicos de diversas especialidades. A White-Life declarou insolvência em Dezembro de 2011, mas no mesmo ano começou a transição para um novo modelo.
Nascia em Agosto desse ano a Lifezest, empresa que detém a actual clínica White, em Miraflores. Esta é detida maioritariamente pela Montecristo International Investments, sediada no Luxemburgo. “A clínica abriu actividade em 2012 e comecei a trabalhar, uns meses depois, como director clínico. Tenho um patrão, um investidor que toma as decisões financeiras por mim.” Quando confrontado com o nome do veículo proprietário da Lifezest, diz apenas que os investidores lhe pediram anonimato. “Fico feliz por me terem dado trabalho”, diz. Agora, conta que ganha apenas o seu salário. Um colaborador normal, no fundo, mas com os papéis de administrador e director clínico. E conclui: “Há certas coisas que não me apetece falar porque simplesmente não sei. Desliguei o chip em Novembro de 2011 e passei a ser apenas médico dentista, focando a minha energia nas minhas palestras, nos meus pacientes, e no meu conhecimento. Casei e virei uma pessoa muito mais tranquila”.