Luís Alves criou em Serralves a maior colecção de plantas aromáticas da Península Ibérica, numa altura em que nos hortos e nos jardins apenas reinavam três: alfazema, loureiro e alecrim. “Eu tinha uma colecção de 400 espécies na mão e percebi que toda a gente queria ter um cantinho das aromáticas em casa”, conta.
Mas passados seis anos, decidiu despedir-se de Serralves para criar o próprio negócio. Fala de uma transição pacífica, sem esconder as dificuldades. A família não entendeu porque trocava o seguro pelo incerto. Mas Luís estava decidido: “Trabalhei de sol a sol, não fiz férias durantes muitos anos e passei a ter uma vida muito regrada. Antes, era um príncipe em termos financeiros, chapa ganha chapa gasta, e a partir do momento em que me tornei agricultor cada cêntimo passou a ser muito importante na minha vida. A minha atitude em relação ao dinheiro mudou radicalmente”.
Chegou mesmo a zangar-se com o pai, que trabalhou num banco a vida toda e não entendia por que motivo o filho queria montar um negócio próprio e logo de agricultura. Via o filho cansado e dizia-lhe para desistir. “Mas como sou teimoso, esse desiste soprado ao ouvido fez-me querer com mais força. E justiça seja feita, o meu pai nunca deixou de me ajudar e foi decisivo em 2008, quando me emprestou dinheiro para construir um armazém. Ainda hoje me ajuda, gosta de fazer as visitas guiadas, assim como a propagação das plantas mais raras”.
Quem vem do Porto atravessa o rio Douro e já do lado de Gaia, em Canidelo, encontra o Cantinho das Aromáticas. É uma quinta de agricultura biológica em meio urbano, um projecto único na Europa Ocidental, criado em 2002. Luís factura mais de 100 mil euros por hectare (utiliza três), emprega uma dezena de pessoas e continua a aumentar as vendas. Diz que não se guiou por nenhum manual de gestão, também não fez nenhum estudo de mercado, mas pelo caminho aprendeu umas quantas lições. “Foi uma decisão absolutamente emocional”, reconhece. Hoje contabiliza 15 anos de Cantinho das Aromáticas e 20 de carreira como agrónomo.
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Luís começou com um viveiro com mais de 150 espécies do mundo inteiro, com vista a produzir plantas em vaso que vendia a outros viveiros, jardineiros e particulares. O espaço escolhido não podia ser mais emblemático. Tratava-se de uma quinta em Vila Nova de Gaia onde viveram D. Pedro I e Dona Inês de Castro, no século XIV.
Contudo, percebeu que o negócio pecava por ser sazonal, e um viveiro especializado num país com pouca cultura de jardinagem seria ruinoso. “Percebi que tinha de complexar a fórmula”, recorda.
Partiu, então, para a Alemanha, em 2004, até à maior feira do mundo de produtos orgânicos, a BioFach, e por lá contactou com vários brokers. Acabou por fechar negócio com um, do Sul de França.
Entre 2004 e 2006 preparou-se para começar a exportar ervas secas, pelo meio, em 2005, recebeu a certificação para agricultura biológica (ano em que decidiu abrir a quinta ao público), e em 2007 enviou o primeiro camião. Ou seja, além de viveirista, a empresa de Luís Alves passou também a ser produtora e exportadora de ervas secas.
“Durante muitos anos exportámos toda a nossa produção, seis a sete toneladas para esse broker, até que em janeiro de 2013 enviámos o último camião”, adianta. E voltou a complexar a fórmula: deixou de exportar a granel e passou a criar valor acrescentado. Luís aprendeu que “não se deve colocar os ovos todos no mesmo cesto, mas também não se deve diversificar ao ponto de deixar de ser especialista.”
O negócio concentra-se, agora, nas infusões, tisanas e condimentos, o que dá 56 produtos finais com a marca própria Cantinho das Aromáticas. “Parece que a empresa começou de novo, que tem três ou quatro anos, porque passámos de viveiristas a agricultores e de agricultores a uma micro agroindústria”, regozija-se Luís, salientando que “só conseguimos fazer aqui uma agricultura biológica séria e honesta porque a indústria de Gaia foi à falência e este caos urbanístico tem uma das redes de saneamento mais sofisticadas da Europa. Fruto disso temos a maior corda de praias com bandeira azul do país.”
Este ano, Luís tem trabalhado com o objectivo de colocar a sua carta de infusões e tisanas no canal Horeca, privilegiando hotéis e restaurantes posicionados no segmento médio-alto. Se bem que Portugal pesa 95% nas vendas, a marca também tem chegado a países como Polónia, Reino Unido, Finlândia e EUA através da Amazon.com – investir mais na loja on-line é também outra das prioridades, porque o sonho de qualquer agricultor é promover vendas directas.
Músculo financeiro
A paixão pelo mundo das plantas lembra-se que vem da infância, altura em que dava por si especado na montra da sementeira Alípio Dias & Irmão, na Baixa do Porto. Se em menino já tinha o seu quintal, na adolescência ficou feliz por saber que podia ir para uma escola agrícola, em Santo Tirso (a 30 quilómetros do Porto).
Depois rumou para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e tornou-se engenheiro agrónomo. O estágio curricular levou-o para os jardins da Fundação de Serralves, um lugar onde nunca tinha ido apesar de ficar mesmo ao lado de casa. Depois disso, e durante um ano e meio, trabalhou como jardineiro na cidade do Porto. Entretanto, é chamado a Serralves para um estágio profissional de seis meses, acabou por ficar seis anos como encarregado geral do Parque de Serralves (entre 1997 e 2002). “Foi uma aventura épica porque encontrei Serralves pequenino, elitista, que ninguém conhecia, e, depois, presenciei todo o crescimento para o Serralves democrático de hoje. Adquiri aquilo que é invulgar num agrónomo em Portugal, que é uma profunda cultura botânica”, salienta.
Ambicioso, Luís quer agora dar o salto e levar a Cantinho das Aromáticas mais longe. Há um ano começou a procurar um investidor, cujo perfil tem bem definido. “Talvez um investidor privado, alguém que se pudesse envolver emocionalmente connosco no negócio, que estivesse aqui todos os dias a participar activamente na empresa”, adianta.
O que o agrónomo não quer é uma capital de risco “porque em agricultura o retorno do investimento em três anos é pouco provável”, responde. Luís explica, também, que dar o salto significa manter-se no circuito da “agricultura de joalharia”, criar novos canais de distribuição, mas sem sair do segmento premium.
Recorrer a fundos comunitários também não é uma opção. Foram em 2004, quando decidiu exportar para um broker francês, e em 2014, quando foi um dos promotores de um trabalho de análise sensorial de infusões, juntamente com a Universidade Católica do Porto, a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e a empresa de análise sensorial Sense Test, de Vila Nova de Gaia, mas bastou.
E diz porquê: “Não temos ido ao quadro comunitário de apoio, temos trabalhado mais com os joelhos, é mais rápido”. Daqui a cinco anos, o agrónomo gostaria de ver a empresa cada vez mais como um lugar que se visita, aproveitando o boom do turismo que se vive na cidade do Porto. “Queremos trazer à quinta o turista que procura o ‘plano B’, depois da Livraria Lello, da Torre dos Clérigos, de Serralves e da Estação de S. Bento”, refere.