Ao longo de 12 anos, Joana Astolfi tratou a palavra “mudança” por tu. Viveu, estudou e trabalhou em Londres, Munique, Porto, Catena di Villorba – uma pequena vila italiana – e, finalmente, regressou a Lisboa em 2004. Mas nem sempre as mudanças jogaram a seu favor.
Já instalada na cidade das sete colinas há alguns anos, vivia num apartamento, no Bairro Alto, com 40 metros quadrados e a casa de banho na cozinha. Na altura “contava moedinhas pretas”, conta Joana à FORBES, quando chegava o momento do mês em que o dinheiro já tinha acabado e o que estava para entrar ainda não tinha entrado.
Foi nesse momento que recebeu uma proposta que muitos considerariam irrecusável: ser head concept designer da Starbucks em toda a América Latina e ficar responsável por instalar vários quiosques em países como Argentina, Venezuela ou Brasil.
A proposta “era enorme a nível financeiro”, diz, e tão aliciante que Joana optou por ir para Miami fazer as entrevistas que a levaram, depois, a São Paulo – onde ia ser a sua sede – para procurar apartamento e conhecer a equipa. Mas foi neste momento que percebeu que não ia conseguir fazer essa mudança.
Começou a perceber os tempos para chegar de um local a outro, o trânsito, a dinâmica dentro da cidade e começou a questionar a vida que iria ter ali. “Sentia-me prisioneira porque aquela cidade é uma selva”, afirma.
Foi nesse momento que os responsáveis pela empresa começaram a perceber a alteração no entusiasmo da artista e se reuniram com a própria que acabou por recusar a proposta que a iria manter durante cinco anos na cidade brasileira.
Joana assume que durante algum tempo se questionou se devia ter recusado, porque quando regressou a Lisboa “não estava cheia de dinheiro e de trabalhos”, assume, mas o prato da balança que pesou mais acabou por ser o da qualidade de vida que encontra em Lisboa.
Fã assumida do trabalho da Fabrica (o centro de pesquisa e comunicação do grupo Benetton), Joana não pensou duas vezes quando soube que eles iam contratar em Portugal e concorreu. Chamaram-na para uma entrevista, que durou 15 minutos, recorda. Mostrou o portefólio, falou sobre si mesma para uma câmara e foi-se embora, sem qualquer expectativa. Uma semana depois soube que tinha sido a escolhida.
Aos 26 anos, e ignorando a idade limite de 25 imposta no concurso, foi a primeira portuguesa a conseguir fazer parte da Fabrica. “Eram 12 horas por dia sempre a ter ideias. Eu puxei por mim até ao limite”, conta, sublinhando que trabalhar na Fabrica foi “muito importante e interessante.”
Quando decidiu arriscar abraçar este desafio, Joana fê-lo por achar que tudo é possível, que mesmo que receba um não ainda pode contornar esse não. Essa visão esteve sempre muito presente ao longo da sua carreira.
Do medo ao sucesso
Das dezenas de projectos em que trabalhou ao longo da sua carreira, Joana não tem dúvidas em enumerar os dois que centraram todas as atenções no nome Astolfi: as intervenções nos restaurantes de José Avillez e as montras da loja da Hermès, que começou a fazer há quatro anos e meio, em Lisboa.
“A Hermès foi um boom incrível”, diz Joana que não se considera vitrinista e descreve o trabalho que faz nas montras como cenográfico. Conta que foi a primeira vez que foi atrás de um projecto, passava diariamente pelas montras e todos os dias as “namorava” até que decidiu entrar e falar com a directora da loja.
O timing revelou-se perfeito, pois naquele exacto momento a marca estava à procura de uma pessoa para substituir Filipe Faísca. Passadas duas semanas fez um teste para a directora ibérica e, desde esse dia, assina as montras da loja portuguesa da Hermès. São quatro montras por ano, uma por estação, e cada ano tem um tema mundial que só é enviado aos designers – o primeiro tema que Joana recebeu foi a metamorfose.
Sem falar em números em específico, Joana revela que este é um dos projectos mais bem pagos que tem entre mãos. Joana descreve a sua linguagem como uma fusão entre a arquitectura e a arte, uma linguagem que vive da força do conceito e tem um humor inteligente e construtivo, que a nível criativo sonha alto e arrisca.
Mas tudo isto era “uma mercearia” durante vários anos, diz a artista. Tinha inclusive um livrinho onde apontava tudo e fazia as contas à mão, passava os seus recibos e trabalhava apenas com três ou quatro colaboradores. Só há três anos, quando o trabalho falou mais alto, é que decidiu abrir a sua empresa e desde então a equipa, de ano para ano, duplicou e conta agora com 18 colaboradores.
Neste momento, o Studio Astolfi tem 16 projectos a decorrer ao mesmo tempo. Joana conta que quem trabalha com o estúdio “tem de ter alguma capacidade de orçamento” e, sem dar muitos pormenores relativamente ao tema, revela que nunca fazem nenhum trabalho por menos de 10 mil euros.
Além das montras da Hermès, entre os mais bem pagos estão as instalações artísticas e os trabalhos de publicidade, como a campanha de Natal da NOS e o projecto das árvores de Pedrogão.
No ano passado, a facturação do Studio Astolfi foi de 650 mil euros e, já a sentir uma grande responsabilidade, Joana acredita que o seu negócio “começou como um barquinho a remos e já é um transatlântico”.
Este vai ser o ano de pôr o pé fora de Portugal. A internacionalização dá-se com a Hermès Travel Retail, em Paris, e o lançamento da nova colecção de uma empresa de imobiliário em Estocolmo.
Em 2018 vamos, também, deixar de encontrar o estúdio no n.º 4 da Rua das Necessidades e passar a encontrá-lo em Marvila, o bairro do momento, em profunda renovação, da cidade de Lisboa.