Gonçalo Reis é um gestor satisfeito com a estabilidade orçamental, laboral e de projecto conseguida na Rádio e Televisão de Portugal (RTP). Há dois anos à frente do operador público de rádio e televisão, sente que a empresa, que celebrou 60 anos em Março, está mais “aberta ao risco” e “menos conservadora” – excepto no que concerne às finanças, área em que continua a manter uma estratégia de “eficiência”.
No seio da estratégia promovida por Gonçalo e a sua equipa está o desígnio de prosseguir o caminho trilhado pelas anteriores administrações de consolidação das contas da empresa. Assumiu o cargo em 2015, depois da destituição da anterior administração liderada por Alberto da Ponte. Nesse mesmo ano, registou lucros de 4 milhões de euros. Em 2016, revela à FORBES, o resultado líquido da RTP foi superior a 1 milhão de euros, muito acima da previsão inicial de 124 mil euros incluída no Plano de Actividades para 2017, publicado em meados do ano passado.
O gestor congratula-se com a “estabilidade em termos de custos” que a entidade conseguiu e com os negócios realizados nos últimos anos que proporcionaram um novo alento à empresa pública. É disso exemplo um acordo celebrado em 2015 com um consórcio de bancos que permitiu a liquidação de um produto derivado celebrado. Além disso, o Estado formalizou no final de Março um aumento do capital social do ente público de 6,7 milhões de euros, num bolo total que atingirá os 26,7 milhões de euros e que será garantido ao longo dos próximos anos.
Uma injecção de dinheiro fresco no âmbito de um acordo entre a RTP e a tutela, validado pela Comissão Europeia, para compensação do subfinanciamento da empresa antes de 2003. Recorde-se que desde há vários anos que a RTP apresenta capitais próprios negativos. Em 2015, por exemplo, ano das últimas contas públicas, esse valor atingiu os 25,7 milhões de euros.
“A rtp tem um modelo de governo rico. É um modelo aberto, que segue as boas práticas europeias.”
Gonçalo garante, em entrevista, que não teme a erosão de audiências das antenas de televisão e de rádio da RTP. Chega mesmo a fazer um paralelismo com outros operadores públicos: só na televisão, enquanto a RTP1 “oscila entre 12% e 13%” de audiência, refere Gonçalo, os congéneres da France 2 alcançaram uma média de rating de 13,4% em 2016 e a espanhola TVE1 ficou-se nos 10,1% no mesmo ano.
As contas, essas, podem vir a ser ensombradas, após anos marcados por centenas de saídas do quadro e pela possível integração dos trabalhadores com vínculos precários que, segundo informações veiculadas pela imprensa, alcança as 300 pessoas. O presidente da RTP chuta para canto essa matemática e não se compromete com calendários. Está à espera do Governo. “Temos de conciliar as regras que vierem a ser definidas para o sector empresarial do Estado nesta matéria e também os nossos objectivos de equilíbrio económico”, diz.
Sobre a contribuição audiovisual – a principal ferramenta de financiamento da RTP, que representou 80% das receitas em 2015 – Gonçalo não exige directamente um aumento da taxa de 2,85 euros incluída na factura da luz. Mas sugere que esta é muito baixa em termos relativos. Resigna-se, assim, a trabalhar com o orçamento disponível. Internalizou a produção, cortou fornecedores externos e conseguiu desta forma melhorias de eficiência – e poupanças. Uma organização mais ágil, com vontade de seguir o espírito do tempo: o espírito de start-up.
Lidera a RTP há dois anos. Qual o balanço que faz desta curta viagem à frente da empresa?
Tem sido muito interessante. Quem tem de fazer o balanço são os cidadãos, mas posso dizer qual é a nossa percepção. Em termos de linha estratégica, apontámos para três grandes eixos. Recentrar a RTP numa lógica de serviço público, ou seja, tentar prestar um serviço de qualidade, que seja de referência e se distinga no mercado. O segundo pilar é reconhecer que somos uma empresa global de media em que o digital pesa tanto como a rádio e a televisão. O terceiro pilar é a grande aproximação à oferta cultural. Destacaria a ida em força para a TDT [televisão digital terrestre], ou seja, a RTP a cumprir a sua missão de universalidade colocando todos os seus conteúdos disponíveis a toda a população em acesso livre, e a disponibilização dos arquivos on-line.
Com o novo Plano Estratégico, como tem mobilizado a empresa para cumpri-lo? Tem sentido resistências?
Tem sido muito interessante. Nós apresentámos uma visão clara e diferenciadora. As pessoas valorizam que a RTP tenha um projecto distinto, com personalidade própria e que vá rumo à matriz clássica da empresa. A partir do momento em que apresentámos esse projecto, é mais fácil as pessoas mobilizarem-se para objectivos que estão definidos. Um dos aspectos essenciais do nosso projecto estratégico, e que tem levado a alguma mobilização, é a vontade que assumimos desde o início de voltar a fazer produção a sério na RTP. Internalizar as competências de produção é revitalizar a empresa, porque utilizamos as nossas capacidades em estúdios, equipamentos e, sobretudo, pessoas. Estamos a tentar fazer com que a RTP volte a ser a grande escola do audiovisual em Portugal.
A empresa está mais predisposta a aceitar essas mudanças?
Sinto que a empresa está mais aberta ao risco, à mudança. Está menos conservadora nesse aspecto. A RTP percebeu que, para continuar a ser relevante, precisava também de ser relevante numa série de outros domínios, como o digital. As equipas abraçaram essa necessidade de mudança e isso faz muito bem à cultura da RTP. É muito importante que uma empresa com toda a carga histórica de ser o operador público também trabalhe numa cultura de inovação, que aprenda a trabalhar em rede, em parceria com outras entidades, em colaboração com gente jovem. Queremos, de alguma maneira, como mostra a aposta no digital, tentar trazer uma cultura de start-up a uma empresa que é o incumbente [do serviço público]. Tentar que uma empresa estabelecida, sólida, que está cá há décadas, tenha alguns elementos de empresa que tenta ser disruptiva e inovadora.
Este é um projecto que exige algum músculo financeiro, sendo que a RTP já não tem indemnizações compensatórias do Orçamento do Estado. Qual seria o valor ideal para a contribuição audiovisual?
Eu sou gestor e tenho de trabalhar num quadro que está definido. Temos de seguir as regras e valorizar a estabilidade do modelo. É um facto positivo que a RTP hoje não dependa em nada do Orçamento do Estado e que viva apenas com a contribuição audiovisual e com as receitas comerciais que consegue obter. Algumas das iniciativas que temos vindo a lançar, como os arquivos, as séries, a TDT, implicam custos adicionais, mas nós temos sido capazes de prestar serviços adicionais com o mesmo patamar de custos. Até agora temos conseguido encaixar essa oferta adicional no orçamento actual porque aplicamos medidas de eficiência. Mas o custo da RTP a nível europeu é baixíssimo. A contribuição audiovisual, que é o melhor e mais utilizado modelo de financiamento da Europa, é de cerca de 35 euros por ano por cidadão em Portugal. A média europeia é de 140 euros por ano. Significa que o nosso licence fee é 25% da média europeia. O nosso dever enquanto equipa de gestão é fazer o melhor possível com os recursos que nos dão hoje. O accionista, em cada momento, fará a avaliação adequada de qual é o financiamento.
“Só falo pela rtp, mas começa a ser evidente que os operadores privados também estão interessados na tdt.”
Lidera o primeiro CA sob a alçada do CGI. Como tem sido a relação com todos estes interlocutores?
A RTP tem um modelo de governo rico. É um modelo aberto, que segue as boas práticas europeias. O ponto fundamental é que a RTP seja cada vez mais vista como a televisão e a rádio do cidadão e não do Estado. O modelo de governance seguido vai nessa linha e sublinha essa filosofia. É muito interessante que haja um CGI, um órgão de fiscalização, e também uma série de outras entidades, como o Conselho de Opinião, a Comissão de Trabalhadores, os sindicatos, o Parlamento, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. É nosso dever ouvir, incorporar e tentar melhorar com base nessas contribuições que recebemos.
Os seus antecessores queixavam-se da quantidade de interlocutores com quem tinham de lidar na RTP.
Eu não me queixo nada. A diversidade é uma riqueza. O facto de haver vários pontos de vista, pessoas qualificadas a pronunciarem-se sobre a RTP, o facto de haver entidades que representam a sociedade civil, partidos políticos, associações, é muito interessante.
Mas é mais difícil gerir desta forma, pelo menos em comparação com a gestão no sector privado.
É mais difícil, mas também é mais interessante.
A relevância da RTP também é medida pelas audiências. Pelas entrevistas que deu, nota-se que não fica apreensivo com as audiências das antenas de televisão e de rádio nos últimos anos. Mas não será um pouco estrutural que, por exemplo, na RTP1, os programas-âncora sejam o “Telejornal”, “O Preço Certo” e o entretenimento ao domingo em detrimento das novas apostas, como as séries?
A audiência da RTP1 oscila entre 12% e 13%. Sabe qual é a audiência do canal principal do operador público francês, a France Télévisions? É de 14%. A audiência do primeiro canal da Televisión Española? É 10%, menos do que a RTP. Isto só na televisão. Nós não estamos isolados neste debate. Por outro lado, o tema da diversidade é muito importante para nós. Temos de ver o conjunto dos canais da RTP, que já somam 17%, 18% de rating. Além disso, o nosso desempenho enquanto empresa vai muito além das audiências medidas nacionalmente. Todo o universo da rádio e de actividades que nós fazemos e às quais damos a maior importância, como é o caso das newsletters, o digital, as aplicações, os livros que publicamos, o apoio ao cinema que fazemos, o estímulo à produção independente, são para nós fundamentais. Cada vez mais temos de olhar para a RTP como uma empresa global de comunicação social. Os indicadores devem ser medidos. Têm é de ser alargados porque a nossa prática é cada vez mais vasta.
A pergunta também dizia respeito aos conteúdos. A RTP está a apostar num pipeline de séries, mas que não estão a ter grande audiência.
A aposta nas séries como formato de qualidade faz todo o sentido.
Vivemos numa idade de ouro das séries em todo o mundo. É o formato onde todos os operadores públicos e privados mais inovadores estão a fazer as grandes apostas. Se isso se faz em todo o mundo e não se faz em Portugal, é uma obrigação adicional da RTP resolver essa lacuna de mercado. Estamos a aproximar o universo da RTP, da televisão, ao do cinema. Temos de ser perseverantes. As séries iniciais eram vistas por 200 mil a 300 mil pessoas, mas as mais recentes estão a ser vistas por 300 mil, 400 mil, 500 mil pessoas. Vamos aprimorar o modelo das séries. Há caminho a fazer. Há um momento inicial em que optámos por uma lógica de muita diversidade, fazer muitas séries para abrir o mercado. Provavelmente, agora fará sentido apostar em menos séries mas de maior qualidade e haver um factor de concentração em formatos com maior probabilidade de êxito.
Relativamente à entrada da RTP3 e da RTP Memória na TDT, quanto está a custar à RTP a distribuição adicional?
O que podemos dizer é que há contratos com fornecedores que exigem confidencialidade. O custo unitário por canal baixou.Temos sido capazes de incorporar esse custo adicional no orçamento da empresa devido a outras medidas de eficiência que temos conseguido implementar. Fala-se muito do custo da TDT, mas qual o custo de ter uma rede que não era usada na sua potencialidade? O país investiu dezenas de milhões de euros numa rede que não estava a ser devidamente aproveitada.Havia aí um custo afundado, se quiser. Só falo pela RTP, mas começa a ser evidente que os operadores privados também estão interessados na TDT, o que significa que provavelmente havia aqui sentido em dinamizá-la.
Relativamente às contas de 2016 da RTP, a estimativa apresentada no Plano de Actividades para 2017, publicado no ano passado, apontava para pouco mais de 120 mil euros de resultado líquido face a 4 milhões de euros em 2015.Qual foi o resultado final?
É superior a 1 milhão de euros. Em 2015 e 2016 a RTP conseguiu,e temos essa expectativa para 2017, o equilíbrio operacional,o que significa que os custos se enquadram dentro das receitas. Temos um resultado operacional positivo que cobre os custos com financiamento, que entretanto foram reduzidos, e cobre também algumas necessidades de investimento. Os custos com fornecimento de serviços terceiros e custos com pessoal estão absolutamente contidos.
Qual é a estratégia da administração da RTP para a integração dos trabalhadores precários neste momento ao serviço da empresa? Está definido algum calendário para a resolução deste problema?
A RTP está hoje a actuar mais em novas áreas como o digital, no tema dos arquivos e nas novas plataformas. É preciso capacidade.É por isso que a RTP tem contratos de prestação de serviços. São situações correntes em Portugal nos operadores públicos e privados neste sector, noutros sectores e também a nível europeu. Nesse aspecto não há aqui nada de muito exótico ou dramático. Estamos atentos ao tema. O facto de termos estas prestações de serviços também são oportunidades de trabalho que damos. Temos de conciliar as expectativas dessas pessoas, as regras que vierem a ser definidas para o sector empresarial do Estado nesta matéria, e também os nossos objectivos de equilíbrio económico. Estou convicto de que de maneira equilibrada, ponderada e faseada, vamos encontrar as soluções para dar e provavelmente melhorar as oportunidades de trabalho que oferecemos a estas pessoas, cumprindo as regras laborais e as orientações definidas para as empresas públicas.
Mas há um calendário para a resolução?
Estamos a trabalhar nisso.