A nova colecção de Dino Alves não tem bainhas, fechos, botões ou casas. Há peças feitas com sobras de tecido e os elásticos dão à roupa toda uma possibilidade de ‘faça você mesmo’ bastante impressionante.
O objectivo? Reduzir custos, fazer peças versáteis e, claro, marcar uma posição. “Ao fim destes anos todos achei que era o momento de dizer algumas verdades, explicar alguns procedimentos, tomar uma posição, de uma forma divertida. Não houve propriamente uma situação específica que tenha desencadeado esta vontade, mas sim uma conjuntura. E note-se que foram precisos alguns anos”, diz o criador à FORBES.
Com quase 20 anos de trabalho, é um dos designers mais considerados do panorama nacional, com cartas dadas em áreas como figurinos para teatro, styling para eventos ou guarda-roupa para publicidade.
Chamou “Manual de Instruções” ao seu desfile na Moda Lisboa, exibido em Março, e pediu ajuda às humoristas Ana Bola e Maria Rueff para a apresentação das criações. Em causa está o facto de “as pessoas não levarem os criadores a sério”.
Mais concretamente, Dino Alves foi-se apercebendo de que os desfiles estavam cheios, de que as pessoas o procuravam para pedir modelos emprestados para eventos ou convites para Semanas da Moda, mas que depois as peças não se vendiam. Aliás, tal como fez questão de frisar no texto que foi dito pelas duas humoristas, Dino só vende cerca 25% das peças que confecciona em cada colecção.
O designer considera mesmo que o público sabe exigir muito “mas depois não dá motivos para que se continue a trabalhar”. A título de exemplo, recorda que muitas vezes as pessoas os pressionam para abrir uma loja, fazer vendas no ateliê ou sample sales “e essas mesmas pessoas simplesmente não aparecem. Em dois ou três anos as lojas fecham”, lembra. Isto quando a moda nacional está perfeitamente alinhada com aquilo que são as tendências mundiais. “Não ficamos nada atrás do que vejo noutras capitais. Muita criatividade, bom gosto, e sobretudo, paixão e perseverança”, atira o estilista.
Considerando-se uma pessoa bem resolvida apesar destas dificuldades do mercado, decidiu então ironizar e aproveitar a Moda Lisboa para explicar aos presentes no seu desfile que “as peças estão à venda exactamente no mesmo local, na mesma morada onde se deslocam para pedir peças emprestadas para as mais diversas situações”, informou Ana Bola antes de os modelos subirem à passerelle.
O designer considera mesmo que o público sabe exigir muito “mas depois não dá motivos para que se continue a trabalhar”.
E esclarece que, apesar de ter dito, a brincar, que esta colecção só tinha 25% das peças, a verdade é que essas contas não estão ainda feitas. Reduziu algumas, mas apostou sobretudo em cortar nos custos. “Em vez de algumas peças serem até à cintura, como alguns casacos, a sua altura foi reduzida a metade, como se realmente só houvesse metade da peça produzida; há vestidos em que fiz metade da peça em seda e a outra metade é um básico num tecido mais vulgar”.
No mesmo sentido, noutras colecções o designer passou “muitas horas e noitadas com as assistentes a preparar os tecidos, aplicando os folhos de tule, para irem para as mãos das costureiras já com esse trabalho adiantado e poupar assim alguns custos”, uma vez que estas profissionais são pagas à peça, esclarece.
À FORBES, lamenta ainda que o consumo de moda em Portugal pareça apenas um “ego statement, se é que existe esse termo”. Para o criador, as pessoas querem muito mostrar que estiveram num evento de moda, mas têm pouco interesse real na produção.
Para além do facto de as criações made in Portugal ainda serem desvalorizadas por quem tem poder de compra. E dá um exemplo: uma vez, numa loja onde duas amigas olhavam para umas calças de um criador português, uma delas avisou a outra de que “por mais um pouco compras umas Helmut Lang”.
Acredita que lentamente vai haver alterações, mas sente necessidade de chamar a atenção para o que se passa actualmente no mundo da criação de moda portuguesa. Por um lado, a indústria têxtil não consegue garantir pequenas quantidades, sem que isso encareça brutalmente o produto; por outro, os criadores não conseguem escoar, por exemplo, 500 unidades de uma peça de autor. Porquê?
Para o criador, as pessoas querem muito mostrar que estiveram num evento de moda, mas têm pouco interesse real na produção.
O criador aponta a razão “aparentemente mais óbvia”, que seria falta de poder de compra. Mas logo admite que não é só isso, uma vez que as lojas continuam abertas – e não apenas as mais democráticas em termos de preço. Acredita que, além da questão do descaso pelas criações nacionais, há também o facto de o público achar que “os preços são inatingíveis” não se preocupando em informar-se sobre os reais valores.
Lembra que, no seu caso, tem opções para vários preços, embora avise que naturalmente não pode competir com as lojas que produzem peças “às centenas na China ou no Bangladesh”. Mas que umas calças Dino Alves custam, em média, menos que um par de calças da italiana Diesel. E acrescenta que há ainda a possibilidade de fazer peças por encomenda, onde o cliente “terá aquilo que puder pagar. Já fiz algumas peças por encomenda por 150 euros, por exemplo”, revela. A flexibilidade vem, novamente, da criatividade do designer: “Se o cliente não pode pagar uma peça em seda, propomos uma em viscose ou em algodão”, simplifica.
Na sua colecção Outono/Inverno 2018, a grande novidade é o facto de as peças, aparentemente sem grandes acabamentos, permitirem várias utilizações diferentes, consoante os nós e os elásticos que cada um decidir como e onde usar.
Efeitos patchwork com peças produzidas com painéis de tecidos atados uns aos outros; fazendas de lã, musselinas, sedas, algodões e poliéster em cores como beringela, preto, branco, cinzento, castanho, laranja, azul ou rosa marcam o trabalho deste criador que decidiu “tomar uma posição de uma forma divertida”.