A união faz a força. É um cliché batido, mas é sempre válido também no negócio da agricultura. A junção de empresários do ramo em cooperativas ou em organizações de produtores é algo que está a ganhar raízes em Portugal, com o aumento da concorrência internacional e com a diminuição dos subsídios estatais aos agricultores.
Carlos Ferreira sabe-o melhor do que ninguém. Começou a sua vida de agricultor muito cedo, ainda adolescente, e desde então nunca mais parou.
Associou a sua empresa, a Carlos Ferreira, Lda., a onze produtores sob a forma de agrupamento, em 2005, para afrontar o aumento da exigência dos retalhistas nas especificações dos produtos e para competir melhor após a entrada em massa de produto espanhol no mercado nacional.
Anos mais tarde, em 2010, formalizou a criação da organização de produtores detida a 50% pela sua empresa. “Estas foram as principais razões que nos levaram a formalizar a organização”, explica Carlos à FORBES, salientando que esta junta já perto de 40 produtores.
Todas estas empresas estão no mesmo barco e produzem todas as mesmas culturas: melões, melancias, brócolos, abóboras, courgettes. “Não fugimos daí e gostamos de trabalhar os produtos bem”, garante Carlos. E sim, há aqui um enfoque especial em algumas espécies.
Neste caso: cucurbitáceas. Palavra bizantina que acompanha a vida de agricultor de Carlos, sócio maioritário da organização de produtores Hortomelão e o maior produtor individual de melão da Península Ibérica.
As cucurbitáceas são uma estirpe de plantas e que, traduzida em elementos concretos da Natureza, significa melões, melancias e abóboras. É um termo importante para Carlos porque foram elas que lhe trouxeram prosperidade. Quando começou a plantar por conta própria, em 1989, semeou melão.
A partir daí foi crescendo – e adicionou mais culturas das já citadas cucurbitáceas ao seu portefólio: meloa, melancia, abóbora-menina. Anos volvidos, a estratégia deu fruto.
Só na Carlos Ferreira Lda., a sua empresa a título individual, Carlos facturou mais de 5 milhões de euros em 2017. Números que conseguiu não só a vender em Portugal, mas também no estrangeiro.
Tal como Carlos, os associados da organização de produtores também beneficiam da exportação. Carlos é o líder desta organização, o que significa gerir as vontades – e os problemas – de quatro dezenas de produtores. Para funcionar tudo bem, é preciso olear a máquina da Hortomelão. A estrutura é centralizada, pelo que há equipas que trabalham para escoar toda a produção e para negociar melhores preços.
A Carlos Ferreira, Lda. é responsável por 80% da produção que passa pela organização. Mas a sua filosofia para o negócio é de incentivar a entrada de pequenos produtores e de lhes dar liberdade para fazerem o que sabem fazer bem.
Os agricultores, como em qualquer organização de produtores, são obrigados a vender toda a sua produção através da organização. “Mas temos apanhado aqui alguns pára-quedistas”, conta Carlos. “Querem entrar na organização para fazerem um projecto e depois são apanhados a vender para fora. São convidados a sair”, conta. “Já tivemos casos desses.”
Novos mercados
Começar a exportar constituiu uma estratégia arriscada, mas bem-sucedida. O Reino Unido foi o primeiro país a receber produtos seus em massa. E tudo graças a mais uma cucurbitácea, chamada abóbora butternut, muito amada na ilha de Sua Majestade.
“Antigamente, eu exportava apenas entre 3% a 4% daquilo que produzia”, diz Carlos à FORBES por entre as terras arenosas da Herdade da Comporta. “Em 2011, comecei a exportar uns 15% e hoje chegamos aos 40% do nosso volume de facturação”, detalha Carlos.
O ponto de viragem do negócio foi por alturas da crise financeira. Em 2011, na primeira ida a uma feira internacional, em Berlim, promovida pela Portugal Fresh – Associação para a Promoção das Frutas, Legumes e Flores de Portugal, criada em 2010 para promover o sector agrícola português -, Carlos trouxe de lá a ideia de cultivar este novo produto.
A abóbora butternut é hoje considerada pelo empresário como responsável pelo seu grande “salto” para a exportação. Nessa feira, uns clientes ingleses abordaram o empreendedor agrícola e perguntaram se teriam esta estirpe especial de abóbora. Não, não tinham – só produziam abóbora-menina, produto apreciado pelos franceses, italianos e alemães. Os ingleses viraram as costas. “Eles não acreditavam em nós”, simplifica Carlos.
O agricultor voltou para Portugal, sem qualquer contrato nas mãos. Mas isso não o demoveu de querer experimentar algo para o mercado britânico.
Já por terras lusas, fez, sem dizer nada a ninguém, nem aos hipotéticos clientes ingleses, 33 hectares de abóbora butternut. Não queria partilhar o risco, assume. Em Junho, plantou e esperou. O produto começou a estar disponível na terra a partir de Setembro. Em Dezembro de 2011 começou a colocar os primeiros palotes no exterior. “No final do mês tínhamos as abóboras todas vendidas”, congratula-se, depois de um trabalho comercial a posteriori junto de três clientes britânicos.
Foram 700 toneladas nessa primeira leva para o Reino Unido. Este foi um episódio que mostra o sangue-frio e a vontade de risco de um agricultor que conhece muito bem o negócio onde se move. Começou aos 11 anos a comercializar fruta na região do Ribatejo, de onde é natural, e a cultivar em terras já suas aos 23 anos. E sempre sem medo de investir.
“Quem começa do nada sem nada… Ao fim de décadas de trabalho, nunca parei de investir. No ano em que eu não invista, vou ficar para trás”, assegura.
Sempre a investir
Em 1989, Carlos comprou as suas primeiras terras em Santarém, onde viria a plantar o tal melão. Despendeu 90 mil contos para comprar os terrenos, alfaias, um tractor, e toda a parafernália de artigos necessários para a exploração agrícola.
O equivalente a quase meio milhão de euros – e com algumas benesses graças ao seu estatuto de então jovem agricultor e aos apoios financeiros que daí advinham. Mais tarde, a abóbora na qual apostou obrigou-o a fazer um dos maiores investimentos da sua vida de agricultor – agora em euros.
Para vender para o Reino Unido era necessário cumprir exigências de calibração deste produto. Foi necessário investir numa máquina para fazer essa tarefa. “A primeira coisa que o meu comercial me disse foi que os clientes queriam as abóboras calibradas. Tive de ir à procura no mercado para fazermos uma máquina com 24 metros de comprimento que custou 100 mil euros na altura. Mas para pôr a máquina tive de fazer um armazém que custou mais 150 mil. Tive de comprar palotes de madeira para colocar as abóboras: mais quase 500 mil euros. E onde colocava os palotes? Tive de fazer outro armazém que me custou 1 milhão de euros”, detalha Carlos.
No total, foram quase 2 milhões de euros só para a introdução da butternut. “Conseguimos tirar rendibilidade das abóboras destes
2 milhões em talvez 5, 10, 15 anos. Vamos ver”, diz, esperançado.
Com níveis tão avultados de investimento, é necessário fazer uma gestão que minimize o risco. É possível fazer isso na agricultura de forma eficiente? Sim, garante Carlos.
O planeamento numa empresa agrícola é feito “como uma fábrica”, diz. “Já definimos o próximo ano há vários meses. Onde vamos fazer, que área vamos fazer, se vamos plantar uma cultura ou variedade nova…”, concretiza.
E sempre a pensar na exportação. As empresas grandes precisam de exportar para sobreviver, garante. “Quando há excesso de produto no nosso mercado de 10 milhões de habitantes, não há capacidade de absorver.
Se ‘empurrarmos’ um pouco para a Alemanha, com 80 milhões de habitantes, ou para França, com 60 milhões, se enviarmos uma meia dúzia de camiões por semana, o nosso mercado não fica tão saturado e conseguimos não baixar os preços em Portugal”, diz, evitando assim a venda abaixo do preço de custo. Porém, ressalva que as margens da exportação são maiores.
“Para clientes estrangeiros, consigo fazer um programa de 7 mil toneladas de abóbora com preço definido com oito meses de antecedência. Cá não se consegue”, lamenta.
Sem paragens de produção
Lado a lado com Carlos, estão outros 40 produtores que, com ele, fazem parte da Hortomelão. A concentração de empresas na agricultura é uma tendência que se vai intensificando ao longo dos anos. As organizações de produtores estão a ganhar tracção. “As cooperativas estão a criar-se para comercializarem os produtos dos pequenos produtores. Na Europa, já tem sido feito há muitos anos. Em Portugal estamos ainda a começar este processo”, diz Carlos.
O objectivo é reduzir custos em toda a cadeia de valor e potenciar sinergias e apoios do Estado. O cliente quer um produto bonito, saboroso – e barato. E foi nesse sentido que Carlos Ferreira orientou a sua estratégia: a criação de uma cadeia de valor de privilegiasse o produto a um preço acessível.
Produzir todo o ano é um imperativo para garantir a sustentabilidade de um negócio agrícola. E a diversificação de culturas, de terras e de localizações são factores essenciais para conseguir ter produto quase o ano todo nas bancadas dos supermercados e nas cestas e pratos dos consumidores.
Só assim se diminui o risco inerente a esta actividade, tão dependente da imprevisível meteorologia e da piedade das pragas. Mas nunca se consegue eliminar completamente. Carlos sabe-o melhor do que ninguém. Tem terras próprias na região de Santarém, e arrenda outras nas zonas da Comporta e de Beja, no Alentejo. Se a plantação de uma correr mal, tem outras para conseguir responder aos pedidos dos clientes. “Assim é a agricultura! Comecei muito novo nisto e sei pôr o coração de lado nos anos mais difíceis”, diz o empreendedor.
A cultura de Primavera engloba melões, melancias, abóboras e meloas, com início da plantação em Março e arranque da colheita em Julho. Mas, além das cucurbitáceas, era necessário ter outra cultura que desse no Inverno, para evitar uma quebra durante os meses de frio.
A aposta recaiu nos brócolos, que começou a cultivar em 2012 de forma mais consistente. Este vegetal é plantado num total de 400 hectares e comercializado durante todo o ano: “Penso que devemos ser o maior produtor de brócolos nacional”, sugere Carlos.
De melão já é, confirmadamente, o maior produtor individual na Península Ibérica.