Foi às mãos de um agente de insolvência e pelo valor de mil euros que, no final do ano passado, a pioneira na internacionalização do design de moda português foi reaver o seu próprio nome: Ana Salazar.
A marca volta a estar na posse de quem a tornou numa das mais importantes da moda nacional, mas a abordagem que Ana tem relativamente ao negócio nos dias de hoje não é a mesma que tinha há alguns anos. “Começar a fazer roupa? Vai-se vender roupa neste momento em Portugal?”, questiona Ana, numa conversa com a FORBES, apressando-se a responder: “Nem pensar”.
Mudam-se os tempos, mudam-se as tendências e quando se olha para a moda hoje não se vê o mesmo que Ana viu na altura em que deu os primeiros passos neste sector. Na visão da criadora, entre as várias coisas que mudaram uma das mais relevantes prende-se com as marcas low-cost. “Eu lembro-me que quando vendia em Paris não deixavam a Zara situar-se nas grandes avenidas. Hoje em dia está em todo o lado”, diz.
No cenário nacional, Ana considera que as roupas de criadores, que não se encontram facilmente nas lojas, só são vistas durante as semanas da moda. “Vê-se nos desfiles no Portugal Fashion e na Moda Lisboa, mas depois não se vê ninguém a vestir os criadores”, afirma.
“Começar a fazer roupa? Vai-se vender roupa neste momento em Portugal?”, questiona Ana, numa conversa com a FORBES, apressando-se a responder: “Nem pensar”.
Para Ana, começar uma empresa do zero, por agora, não é uma hipótese que esteja em cima da mesa. Reerguer a marca Ana Salazar passa por realizar parcerias e não pelo lançamento de colecções
independentes. Entre fardas, acessórios, roupas ou sapatos, Ana está receptiva a todo o tipo de convite, mas acredita que os seus sapatos podem voltar a alcançar o sucesso que tiveram no passado: “Sapatos é uma coisa que eu acho que ia vender bastante, porque eu tinha um público muitíssimo grande nessa área”, diz.
Ana avança para esta nova fase consciente do seu valor: “Há um custo que é o conceito, mas são os preços do mercado, não é por ser o conceito Ana Salazar que é muito alto”.
Com as parcerias como prioridade, a constituição de uma empresa está, por agora, longe dos planos da criadora.
“Eu hoje preciso de um parceiro, não vou montar uma estrutura sem ter trabalho assegurado”, diz, consciente de que não pode voltar a cometer os erros do passado.
Parceria atribulada
Quando, devido a doença, o ex-marido de Ana, responsável pela gestão da marca, ficou impossibilitado de continuar no projecto, os dois decidiram que iriam procurar investidores.
“Uma pessoa ia financiar e a outra tinha o conhecimento”, explica a designer, sendo que João Barbosa e Luís Aranha, respectivamente, foram os nomes que avançaram. “Fizemos um projecto para transformar o nome Ana Salazar numa marca e isso implicava investimentos na ordem dos 2,5 milhões de euros na altura”, afirma Luís, antigo gestor da marca, à FORBES.
Quando a marca lhe foi apresentada, Luís, líder da Mike Davis desde 2013, recebeu uma série de números e informações que o levaram a pensar que este poderia ser um projecto interessante, havendo capacidade de investimento. Na altura, o valor da marca era uma incerteza para o gestor, uma vez que apesar de considerar que Ana fosse um ícone da moda, a sua “marca nunca se afirmou em termos de negócio”.
Segundo o próprio, em 2010 a marca registou 300 mil euros em vendas provenientes das duas lojas que detinha – uma no Chiado e outra na Avenida de Roma, gerida pela filha da criadora, Rita Salazar.
O projecto desenhado pelo então gestor da marca estava direccionado para a abertura de novas lojas, ter acesso a um público maior e criação de colecções que fossem adequadas para a venda de retalho. A receita para o sucesso deste plano passava pelo investimento a nível financeiro por parte de João e Luís, e tempo e dedicação de Ana Salazar na empresa.
Em parte, assim foi. Ana cedeu a maioria do capital do negócio, num primeiro momento, e manteve-se como directora criativa. “Ela tinha obviamente que ficar ligada, mas com uma pequena parte, porque não ia investir nada, ia apenas cobrar”, afirma Luís.
Com uma nova equipa, o projecto entra numa nova fase. Em 2010, a marca abriu cinco lojas em Portugal em apenas 15 dias, fez uma forte aposta na internacionalização e, numa notícia publicada no Diário Económico, divulgava o objectivo de atingir um valor entre os 30 milhões e os 50 milhões de euros em vendas nos seguintes três a cinco anos.
Foi neste momento que Luís percebeu que a marca não correspondia às suas expectativas iniciais. “Nós abrimos quatro ou cinco lojas, mas não funcionavam, não se vendia”, conta.
O investimento que estava a fazer no negócio não lhe dava qualquer retorno. Por outro lado, Ana percebeu que a linha que lhe foi proposta, e que lhe pareceu adequada, não iria avançar e o seu projecto não se iria tornar num grande grupo à imagem de algumas marcas internacionais.
A dada altura, tanto Ana como Luís deixaram a marca, que mais tarde acabou por falir. Da parte do gestor, a saída prendeu-se com dois motivos.
Por um lado, percebeu que “o nome Ana Salazar não era rentável”, uma vez que não considerava as colecções adequadas para o consumidor do dia-a-dia, e, por outro, porque “nunca entraram os investimentos que deviam ter entrado na empresa”.
A designer abandonou o negócio por causa das dívidas que se foram acumulando. Ana conta que deixou de receber as tranches mensais que foram acordadas quando vendeu a marca, e os funcionários e fornecedores também deixaram de receber os salários.
Hoje sabe-se que a sua ligação à marca não terminou naquele momento, mas na altura essa foi a decisão e por isso a criadora teve de começar a pensar no seu regresso. Foi com a marca “Ana By Herself” que deu continuidade à sua carreira. Lançada por altura do seu aniversário, em 2013, contou com a apresentação de uma blusa e de vários acessórios.
Desde essa altura, mostrou-se sempre disponível para novas parcerias e manteve sempre a ligação ao sector que, em Portugal, ela própria ajudou a criar.
Carreira histórica
O nome Ana Salazar está escrito em algumas das páginas mais importantes da história da moda nacional. Em 1991, quando a Moda Lisboa apareceu para reclamar um lugar no calendário da moda, Ana estava entre os 13 estilistas que apresentaram as suas colecções – e manteve-se ligada ao evento durante muitos anos.
Pioneira no que à internacionalização do design de moda português diz respeito, seis anos antes de se apresentar na Moda Lisboa deu um dos maiores passos da sua carreira ao abrir uma loja em Paris.
Até mesmo antes de o seu nome ser a sua marca, Ana já marcava a história da moda. Abriu a icónica loja “A Maçã” numa altura em que o país não estava minimamente receptivo aos novos ideais que vinham de outras cidades europeias como Londres, onde a estilista ia buscar as roupas que vendia na loja em Lisboa.
Bárbara Coutinho, directora do Museu do Design e da Moda (MUDE), fala de Ana com a admiração de quem sempre acompanhou o seu trabalho, mesmo antes de a conhecer pessoalmente e escrever uma das biografias da criadora. “A Ana Salazar é uma pioneira por natureza, autodidacta, é uma mulher que ao longo da sua carreira teve sempre um arrojo e uma capacidade de se reinventar, de correr riscos”, diz Bárbara.
“Em vez de ir para uma escola e ter um curso de design de moda, aprendi na prática”, diz Ana.
Até no momento em que correu o risco de procurar investidores, processo esse que levou a estilista a perder a marca, Bárbara considera que se percebe a visão que Ana teve para o negócio, tendo a perspectiva clara de “que já não podia crescer mais, nem podia competir com toda a transformação que estava a acontecer no sistema da moda”.
A visão da estilista foi sempre voltada para o futuro. Quando abriu a primeira loja não era a única proprietária em Lisboa que importava roupas de Londres, mas foram as suas escolhas, que segundo a própria eram feitas “de uma forma muito especial”, que transformaram o seu negócio no maior importador.
Tudo isto aconteceu após a revolução de Abril – altura em que houve um corte nas importações. Para evitar que o negócio perdesse expressão, Ana voltou-se para as exportações. Num primeiro momento surgiu a marca Harlow e posteriormente a sua marca homónima – ao mesmo tempo Ana trabalhou como coordenadora de moda para a indústria do Norte e como estilista em diversas fábricas. “Em vez de ir para uma escola e ter um curso de design de moda, aprendi na prática”, diz.
Mas o grande momento da história da sua marca surge quando partiu à conquista de Paris, uma das mais importantes capitais da moda a nível mundial.
Com a abertura da loja na capital francesa, e todo o mediatismo que isso trouxe, surgiram várias oportunidades em Portugal. “Ganhei muita notoriedade e acabei por fazer uma série de contratos em regime de licença”, conta, recordando os óculos de sol, o lançamento de um perfume e as parcerias com as Colecções Philae – copos – e a Recer – pavimentos e revestimentos.
Nos desfiles da Moda Lisboa ou nas montras de uma loja em Paris, numa mesa de jantar ou na cozinha, em acessórios ou em sapatos, foi possível encontrar o nome Ana Salazar em diversos ramos do design. Quem está de fora, como Bárbara, fica com a vontade de que a marca não seja apenas histórica, mas que continue o legado da criadora e se reinvente. “A marca terminará com a Ana Salazar ou poderá projectar-se e prolongar-se, como muitas marcas, além do próprio criador que as fundou. Não sei se ela alguma vez pensou nisso, mas seria interessante”, diz Bárbara.
Na perspectiva da criadora estão reunidas as condições para, ainda que sem um caminho totalmente definido e certo, dar continuidade ao trabalho que pausou em 2012.