É uma liderança dual, a da Lusorochas, entre um homem e uma mulher. Marido e mulher, mais concretamente. A firma foi criada por Paulo Ferreira, nos anos 1990, apesar de a tradição no trabalho da pedra “já vir da terceira geração”, mas foi a esposa que na segunda metade da década de 90 implementou a estratégia que permitiu à empresa de transformação de rochas ornamentais multiplicar os seus clientes – e as suas receitas – ao longo dos anos.
Ana Paula Ferreira ingressou na Lusorochas em 1997 para assumir a direcção comercial e de marketing depois de anos no retalho especializado e na indústria farmacêutica. Mal entrou, começou a implementar mudanças nos seus pelouros. “Era um sector que eu não dominava”, assume, com um sorriso.
Hoje, os resultados estão à vista: se em 1997 60% das rochas ornamentadas em Almargem do Bispo eram vendidas ao exterior, este ano, cerca de 90% da produção da Lusorochas será exportada. Para atingir este feito, Ana Paula revela que teve de travar uma luta dura como a pedra. “Não é fácil conseguir mostrar o valor do nosso trabalho num mundo de homens”.
Na região, todas as empresas do sector foram fundadas por homens. E, como empresas familiares, são herdadas e lideradas por outros homens. “É um sector muito tradicional em que a parte da mão-de-obra é tradicionalmente masculina. E passa sempre de pai para filho, e não de pai para filha”, explica.
Apesar de o mercado nacional muitas vezes não estar “educado” para ter mulheres como interlocutoras em áreas predominantemente masculinas, o espaço internacional não é assim. “Eu e a minha assistente somos as primeiras pessoas a quem é feito o pedido de preço, a encomenda. Lá fora, que é o que me interessa, a imagem é mais feminina. Aqui é mais complicado”, assume.
Porém, quando questionada se sentira machismo de forma inequívoca no mundo da pedra, hesita um pouco, mas nega.
“Explico que tenho competências idênticas [às do marido] e que tratarei eu mesma do assunto. As pessoas percebem, mas muitas vezes tenho de me impor”, remata.
Estratégia da mudança
A Lusorochas nasceu e está sediada em Pêro Pinheiro, vila do município de Sintra conhecida pelas suas pedreiras e pelas empresas de transformação de rocha. Qualquer vaidade relativamente a uma suposta liderança da sua empresa desvanece-se ao olhar pela janela ou a passar com o carro pela localidade sintrense.
A concorrência ali à porta, literalmente, está presente no resto do país e no resto do mundo, e não se pode parar para descansar. É preciso investir, sempre, para satisfazer e manter os clientes mais exigentes. Para o conseguir, a estratégia gizada por Ana Paula Ferreira e pelo marido alicerça-se em duas vertentes: promoção e inovação.
A filosofia empresarial da Lusorochas passou a alternar dois ciclos empresariais: o de expansão agressiva, com o concomitante investimento em marketing, intercalado por épocas de forte investimento em maquinaria para aumentar a qualidade e a rapidez do fabrico. Mas não só.
A abordagem comercial também foi mudando ao longo dos anos. Na indústria das rochas ornamentais só se produz quando se tem encomenda. Salvo raras excepções, não há stocks. “O tipo de marketing e de agressividade comercial não são dirigidos ao consumidor final, mas sim a diversas tipologias de potenciais clientes”, explica a responsável.
Clientes esses que farão as encomendas. Avultadas, de preferência. Para chegar aos fregueses que têm maior capacidade de aquisição, Ana Paula reforçou a presença em feiras internacionais do sector, onde os “novos mercados”, como os EUA, sedentos de qualidade e até de luxo, procuram as melhores ofertas; mas aproveitou também uma das suas forças.
Letrada na língua francesa, fez deste conhecimento uma arma para conquistar novos clientes dos países francófonos e solidificar as relações comerciais com os quais já trabalhavam antes.
O investimento foi o terceiro vértice: reforçou-se a verba para o investimento em maquinaria nova para aumentar a capacidade produtiva e a sofisticação do produto em matéria de acabamentos – melhorando a posição da empresa em termos de competitividade e de preço. Neste momento estão a terminar o investimento em máquinas e programas informáticos novos.
Mas já começa a antever-se a próxima fase, a da angariação de clientes, depois de consolidar a carteira actual. “De 2002 a 2010 fizemos alguns projectos no QREN e investimos em novas máquinas”, especifica.
“Dentro de alguns meses vamos começar a fazer alguma prospecção para a América do Sul”, revela, com a excepção do Brasil devido às pautas aduaneiras punitivas. Há que partir pedra para avançar, algo que Ana Paula soube, até agora, fazer muito bem.
Liderar a dois
A liderança bicéfala “não é fácil”, diz Ana Paula com uma gargalhada. “Pelo facto de sermos mulher e marido, por um lado, e homem e mulher, por outro”, acrescenta. “Para que funcione bem cada um de nós tem de ter as suas áreas”, garante. E têm-nas, de facto, bem delimitadas.
A liderança está perfeitamente definida e dividida a 50%: Paulo faz o planeamento da produção e a parte da tesouraria, e Ana Paula assume o marketing, as relações com os clientes e a administração pura e dura, como pagamentos e recebimentos. A estrutura accionista está dividida da mesma maneira, confirma a responsável.
Mas, obviamente, os dois lados da liderança do negócio não são estanques e estão muito expostos a atritos. O que é dificultado pelo facto de os dois líderes constituírem um casal.
O lado comercial depende naturalmente da produção, parte gerida por Paulo. “Dependo dele para ter o produto correcto”, diz Ana Paula. O problema reside quando os pedidos dos clientes chocam com as exigências normais da produção. “O conflito entre a produção e o lado comercial existe em todas as empresas. Muitas vezes passa pelo timing. Como quando a encomenda vem em cima da hora e a produção poderá não ter tempo para a preparar”, exemplifica.
Uma fonte de stress para o casal que é contrariada através de um exercício mental de separação das águas. “Temos de nos posicionar como profissionais e deixar de lado algumas coisas. Em situações de stress meu e dele, temos de deixá-lo de lado. Em casa, evitamos falar de trabalho. Mas aqui temos de cortar com a parte pessoal e manter apenas a parte profissional”, explica.
Tudo isto para que a liderança se possa concretizar e manter o rumo da empresa, sólido, como uma rocha.