Em Angola é conhecida pela comunidade académica pela entrega e rigor no ensino da matemática. Mas Maria da Natividade é uma angolana na linha da frente também ao nível internacional. O seu valor enquanto docente de matemática é reconhecido desde 2017, quando apresentou o estudo sobre análise Harmónica, Transformada de Fourier; Wavelets e Aproximação de Funções, durante a Conferência de Matemática em Abidjan, Costa do Marfim.
Mesmo com a inexistência de condições em Angola para a investigação a este nível, Maria da Natividade socorreu-se do grupo de investigadores da Universidade Autónoma de Madrid, da qual é membro, para concluir a sua tese de doutoramento apresentada no 9º Congresso Pan-Africano de Matemática, em Rabat, capital do reino de Marrocos, em 2018.
“As pessoas aperceberam-se dos resultados da minha investigação e convidaram-me para participar no evento e apresentar o estudo”
Porém, o evento serviu também para a renovação de mandatos dos membros da União Africana para o ensino da Matemática, com destaque para o actual presidente, Nouzha El Yacoubi, que posteriormente a nomeou secretária da Comissão de Educação da União Africana para a Matemática.
Desde que chegou ao cargo, um dos feitos assinaláveis foi o facto de ter reunido em 2019, em Luanda, investigadores e peritos de todo mundo, no 3º Espaço Pan-Africano de Educação. O encontro serviu para a troca de experiências e permitiu criar convénios de cooperação entre aquela organização, a Universidade Nacional da Coreia do Sul e a Universidade Agostinho Neto. A organização, sem fins lucrativos, é cada vez mais referenciada no mundo, a julgar pelo seu contributo, sobretudo na melhoria da capacitação de professores, dos conteúdos didácticos e do sistema de ensino, um processo levado a cabo em parceria com o Ministério da Educação e do Ensino Superior de Angola e a UNESCO.
O órgão da União Africana para o ensino da Matemática engloba outras subcomissões, entre as quais a da Associação das Mulheres Matemáticas de África e a das Olimpíadas Pan-Africanas. É nesta subcomissão da União Africana que Maria da Natividade contribui com resultados de estudos de investigação e busca soluções para melhorar a qualidade do ensino da matemática, incentivando, de alguma forma, a juventude, sobretudo as jovens mulheres, a seguir as suas pegadas.
Maria da Natividade aconselha as mulheres a desconstruírem o paradigma histórico segundo o qual a matemática é especialidade para homens, embora as exigências, em termos de tempo e paciência, no contexto africano, em que a mulher tem responsabilidade acrescidas ao nível da família, passem por uma grande firmeza.
Doutorada em Matemática pela Universidade Autónoma de Madrid, Mestre em Matemática na mesma universidade e licenciada na mesma especialidade pela Universidade Agostinho Neto, onde também exerce a função de Coordenadora do Curso de Mestrado em Matemática e Aplicações, actualmente, tem o tempo repartido entre Luanda e Madrid, onde passa muito tempo ligada à investigação e a participar em eventos de carácter científico. Em Luanda desempenha ainda a função de secretária da Comissão de Educação de Matemática em África, e é docente da Universidade Agostinho Neto.
DETERMINAÇÃO PARA VENCER
Professora doutora Maria da Natividade, como é mais conhecida, nasceu na localidade de Nankuiu, província do Cunene, no sul de Angola. Conta que na sua localidade não havia escola e foi obrigada a percorrer quilómetros até à Missão do Chiulo para frequentar a escola. Em 1972, com a decisão do pai de trabalhar no norte do país, foi viver com a tia enfermeira na localidade de Cuamato, onde concluiu a 4ª classe, equivalente ao actual 4º ano do primeiro ciclo do ensino primário. No ano seguinte, na perspectiva de continuar os estudos, a tia, com que vivia, transferiu-a para a segunda maior cidade da província, a antiga Vila Roçadas (actual Xangongo). Mas, com o eclodir dos conflitos que marcaram a guerra de libertação colonial de Angola, os familiares resolveram enviá-la para Cuba, através de uma bolsa de estudos, no âmbito do programa estabelecido pelos dois Governos.
Quando chegou à capital, Luanda, mais precisamente ao Aeroporto Internacional para embarcar com destino a Cuba, foi informada que a sua candidatura para a bolsa fora recusada.
Maria da Natividade regressou então ao Cunene tendo concluído o 3º e 4º ano do ensino primário, entre 1980 a 1981. Foi nesta altura que se deu início a batalha do Cuito Cuanavale, na vizinha província do Cuando Cubango. A guerra do Cuito Cuanavale caracterizou-se pela invasão da região do Cuito Cuanavale pelas forças sul-africanas. Devido a este conflito armado, Maria da Natividade migrou do Cunene para a Huíla, onde concluiu o Curso Médio em Ciências da Educação, conciliando com a colaboração que mantinha no sector de artes da delegação provincial da cultura.
Porém, a sua ida para o ensino superior estava condicionada àquilo que chamavam, na época, de produção obrigatória (formação adicional de dois anos para ser professor). Em 1987, quando é encaminhada para o curso do ensino da matemática, o seu tio volta a inscrevê-la para uma bolsa para a Bulgária, desta vez, para frequentar o curso de Medicina. Entretanto, não foi para a Bulgária, indo antes viver em Luanda, onde deu continuidade à formação em pedagogia. Porém, não se sentia confortável com o nível de qualidade do Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), tendo optando por se transferir para a Faculdade de Engenharia para estudar química.
Conta que, na altura, era um curso destinado a uma certa elite, pelo que se deparou com várias barreiras para ser aceite. O argumento que lhe era apresentado é de que ao longo do curso médio não teve nenhuma cadeira onde tivesse aprendido geometria descritiva. “Graças à alteração das modalidades de ingresso na Universidade Agostinho Neto, isto é, em 1992, consegui matricular-me, mas já para frequentar o curso de matemática”, lembra.
Concluiu a licenciatura em matemática, começou a dar aulas e foi assumindo responsabilidades no departamento de coordenação do curso de matemática na instituição que a formou. Entretanto, conta que nunca se conformou com o grau académico que tinha e pediu apoio financeiro para frequentar a pós-graduação em matemática no exterior. Recebeu o apoio da Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto e é assim que chega à Universidade Autónoma de Madrid em 2001, onde teve de ir morar com os seus três filhos menores, cuja bolsa da Faculdade de Ciência não contemplava. “Tive de tratar dos vistos de turistas para Portugal para poder chegar a Espanha, mas importa destacar aqui o apoio incondicional que tive do departamento de matemática da Universidade Autónoma de Madrid, que tem sido determinante para a minha auto-afirmação e dedicação. Hoje tenho a convicção de que tudo neste mundo tem solução”, resume as dificuldades que enfrentou.
Com a conclusão do curso de mestrado no Departamento de Estudos Avançados (DEA) mediante a apresentação do trabalho sobre Equações e Análises Reais, Comportamento de uma Equação e Disfunção Forte, lançou a si mesma o desafio de avançar para o doutoramento, mas com um senão: a dificuldade que teve em obter um tutor de tese, um exercício que conta não ter sido fácil, sobretudo quando o assunto era estudantes africanos a seguir a especialidade matemática.
E DEPOIS DOS ESTUDOS
Depois de muitas tentativas foi aconselhada a contactar Eugénio Hernandez Rodrigues, que se prontificou. “Não há palavras para descrever Hernandez, é a pessoa mais paciente, humana e com quem aprendi bastante”, reconhece.
Entretanto, depois de se matricular no programa de doutoramento, as autoridades angolanas responsáveis pela bolsa resolvem não a renovar, pois o acordo rezava apenas a formação do mestrado. Em contrapartida, se quisesse continuar devia assumir os custos e estaria no regime de ida e volta, sob pena de ser desvinculada da Faculdade de Ciências onde leccionava. Face à situação, decidiu deslocar-se para Angola onde manteve audiência com o então Ministro da Educação, António Burity da Silva, tendo autorizado o alargamento da bolsa para mais dois anos, permitindo, assim, a realização da tese de doutoramento.
Neste mesmo período, também firmou um contrato com a Universidade Óscar Ribas para trabalhar como representante da instituição em Espanha, no sentido da busca de convénios de cooperação e colaboração com outras universidades, um facto que, por um lado, veio apoiar a questão financeira. Só em Julho de 2010 é que terminou a tese de doutoramento em Análise Harmónica, Aproximação não linear com Wavelets, cujo resultado foi publicado em revistas internacionais como a Springer International Publishing Switzerland, da Austrália, o Journal of Approximation Theory dos Estados Unidos e Monatshefte für Mathematik ou a Manatsh Math da Alemanha.