De manhã ouro, à tarde prata. O adágio refere-se às laranjas e ao seu consumo, mas quase que poderia dizer-se o mesmo da Topázio, a terceira maior exportadora do sector da joalharia e ourivesaria de Portugal segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Esta empresa de Gondomar começou por produzir peças de ouro aquando da sua fundação no século XIX, e especializou-se na prata no início do século XX, mas o brilho de outros tempos tardou. Hoje, após anos de prejuízos acumulados, a empresa está em plena mutação do modelo de negócio.
Agora a grande aposta está na renovação de uma área que foi sendo negligenciada pela empresa: a produção e desenho de fios, colares, anéis e brincos. E, acima de tudo, com os olhos virados para o mercado internacional.
A Topázio já tem experiência na exportação. A empresa começou bem antes da maioria das congéneres do sector a olhar para o mercado externo, o que lhe permite hoje saber o quanto importante é para um sector em transformação.
“Nos anos 1960, já éramos conhecidos pelos artefactos de pratas. Foi nessa altura que começámos a ir às primeiras feiras. A primeira foi a Feira de Hanôver. Foi o meu pai que lá foi”, garante à FORBES Maria José Ferreira Marques, membro da terceira geração deste negócio familiar.
“É difícil lutar contra um mercado que deixa de ter apetência para este tipo de produtos, os artefactos em prata”, explica José Augusto Seca, administrador da Topázio, à FORBES.
Durante décadas, a Topázio foi usufruindo do sucesso que as suas conhecidas linhas de artefactos em prata – que incluem salvas e jarrões estilo Dom João V – tinham nos mercados nacional e internacional, em especial junto da comunidade judaica. Nos anos 1990, com a valorização da prata, as peças fabricadas pela Topázio atingiram valores que lhe conferiam o estatuto de verdadeiros tesouros.
Mas o novo milénio estava a chegar e, com ele, alterações nos hábitos de consumo. A verdade é que a “geração X” e os millennials já não querem jarrões. “É difícil lutar contra um mercado que deixa de ter apetência para este tipo de produtos, os artefactos em prata”, explica José Augusto Seca, administrador da Topázio, à FORBES.
O líder da equipa de gestão que, neste momento, gere o rumo da empresa para a família Ferreira Marques, refere que este declínio na facturação – agravado pela crise financeira que começou em 2008 – fez com que a Topázio tivesse de se reorientar.
A linha de joalharia, durante anos posta em segundo plano, seria a tábua de salvação numa altura em que o mercado internacional está cada vez mais virado para as jóias. Segundo um estudo da McKinsey, as vendas anuais em todo o mundo deverão continuar a subir a um ritmo entre os 5% e 6% por ano até 2020 – ano em que deverão ascender a 250 mil milhões de euros.
Foi então que gizaram uma estratégia, mas era preciso reformulá-la, de forma a direccioná-la para as novas gerações e para os mercados estrangeiros. Na prática, “queremos readquirir notoriedade junto das novas gerações, mas sem abandonarmos as nossas raízes”, explica José. Numa altura em que os consumidores valorizam produtos com história, Portugal conta com uma longa tradição no sector. À mente evoca-se logo um dos símbolos nacionais: o coração de Viana de filigrana. A ele juntam-se as minhotas de trajes tradicionais, cobertas de ouro, de colares de contas, com majestosos brincos. “As empresas que não tiverem na sua raiz uma história própria têm uma história que lhes é oferecida pelo que nós somos”, explica Fátima Santos, secretária-geral da Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP).
O que nós somos também é feito de ouro. Uma peça pode ter um país inteiro lá dentro. Assim o demonstrou, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, quando ofereceu à Rainha Letizia, de Espanha, aquando da sua última visita oficial em Abril, um par de brincos de ouro em filigrana.
Fuga para fora
Por cá, as empresas do sector da joalharia estão a demonstrar, cada vez mais, que estão apostadas na exportação. Segundo dados da AORP, as vendas para o exterior totalizaram, em 2015, 65,5 milhões de euros. Em 2016, alcançaram os 71 milhões. E a associação prevê que, no espaço de cinco anos, este valor possa alcançar os 150 milhões de euros. “São verdadeiros milagres aquilo que as empresas portuguesas desta área estão a fazer”, garante à FORBES Marco dos Santos, da Dos Santos Fine Jewellery, e sócio da Elements, cadeia de joalharias no Porto e em Lisboa. “O trabalho que tem vindo a ser feito nos últimos 10 anos lá fora, mal ou bem, é enorme face àquilo que nós somos e à concorrência que temos lá fora”, refere.
O esforço do sector está a ser acompanhado a nível associativo com ajuda do Estado: o “Portuguese Jewellery in a Global Journey” é o próximo programa de internacionalização do sector para o horizonte 2018-2020 no âmbito do quadro COMPETE 2020 e prevê a comparticipação de até 50% dos projectos apresentados a concurso.
Exportar era algo inevitável para Adelino Soares, à frente da gondomarense J. Soares, uma das empresas do sector que se viu obrigada, como tantas outras, a tentar encontrar alternativas ao mercado interno.
“São verdadeiros milagres aquilo que as empresas portuguesas desta área estão a fazer”, garante à FORBES Marco dos Santos, da Dos Santos Fine Jewellery
Foi aquando do rebentar da crise financeira mundial em 2008 que se aperceberam que tinham de mudar o modelo de negócio. De 1992, ano em que o seu pai fundou a empresa, até meados do início da década passada, limitavam-se a trabalhar ouro através de poucos modelos, simples e consensuais.
No início do século, começou a notar uma enorme mudança nos hábitos de consumo. Mais tarde, quando rebentou a crise mundial em 2008, o luxo foi o primeiro a ser sacrificado – e a J. Soares apanhou por tabela.
Adelino diz que se salvou em grande parte porque se virou para fora. Começou a ir a feiras internacionais para colocar produto no exterior. Foi recentemente à mostra internacional de joalharia de Hong Kong, feira imensa com uma miríade de negócios à espreita provenientes dos quatro cantos do mundo. Tem, na verdade, ainda muita margem para trabalhar. A percentagem de exportação está nos 10% do volume de negócios e em 5 anos Adelino gostava de conseguir alcançar valores entre os 40% e 50%. “Não é fácil, mas penso que é possível. O nosso trabalho é atractivo. As pessoas abordam-nos, querem saber preços, querem saber se produzimos nos quilates que precisam, quais são os nossos prazos de entrega”, diz.
Segundo Adelino, o mercado nacional tem quebras anuais e períodos muito fracos e quem vive da produção não pode estar longos períodos sem produzir, sob pena de hipotecar a rentabilidade do negócio. “O nosso objectivo é manter o mercado nacional e angariar no mercado internacional trabalho para colmatar os momentos que temos de quebras de encomendas para conseguirmos ter estabilidade”, explica Adelino, resumindo a sua estratégia.
E mostra um dos exemplos deste esforço de colocar produto em países inexplorados: um puxador revestido a filigrana, feito em associação com uma empresa do concelho produtora de portas, com o foco em clientes mais excêntricos e com vontade de verdadeiro luxo. Vão exportá-lo para a Arábia Saudita, claro está.
O novo e o velho
Portugal não vai competir pelo preço. Não tem escala que lhe permitisse fazê-lo, mesmo que quisesse. Nem tal constituiria uma grande vantagem para as empresas portuguesas de joalharia, muitas delas com produção fortemente manual. “A diferenciação do produto português irá sempre residir na qualidade de excelência, na capacidade de personalização e na capacidade de achar nichos, a ‘tribo’ que irá gostar de determinado produto”, assevera Fátima.
A J. Soares adoptou uma estratégia semelhante à descrita pela secretária-geral da AORP: a procura dos referidos nichos para fazer negócio no exterior. “O nosso foco era angariar clientes de nicho, de produções mais pequenas. Clientes que para nós eram importantes e que não interessavam a empresas maiores, com outra escala”, explica Adelino. E se escala é algo que Portugal não tem, optou-se por enveredar pelo factor mais diferenciador que o nosso país tem à sua disposição: a criatividade.
Liliana Guerreiro, desenhadora de jóias radicada no Porto, é um exemplo de uma nova vaga de criadores neste sector, que adopta a linguagem de áreas como a moda e o desenho gráfico para renovar esta actividade centenária em Portugal, a do trabalho do ouro.
Venceu no ano passado o prémio de “Melhor Peça de Joalharia” na feira Inhorgenta, em Munique, uma das maiores feiras do sector na Europa. É uma criadora que aborda as suas jóias, antes de tudo, como peças de design.
Se escala é algo que Portugal não tem, optou-se por enveredar pelo factor mais diferenciador que o nosso país tem à sua disposição: a criatividade.
Na loja e atelier de Liliana, na Rua do Rosário, na cidade Invicta, a criadora explica à FORBES que “é preciso haver uma coerência do desenho dentro da própria marca e que simbolize essa marca”. E acrescenta, em resumo: “É muito importante, para internacionalizar [de forma bem-sucedida], não fazer igual.”
Liliana é uma das designers de jóias portuguesas que “pegou” na técnica tradicional da filigrana e a reinventou através de uma linguagem contemporânea, com traço pessoal. “A diferenciação do desenho é o mais importante. Desenhos há muitos, e parece que já está tudo feito. Haver uma coerência dentro da própria marca e que simbolize a própria marca é, por vezes, o mais difícil de conseguir mas é o mais importante para internacionalizar”, garante Liliana.
Tanto a Topázio como a J. Soares adaptaram-se a estas exigências. No caso da J. Soares, um dos pontos de viragem foi a contratação de profissionais especializados no desenho de peças – isto é, designers de produto vocacionados para o sector das jóias. “Nasceu com a necessidade de ter de fazer projectos que já não se faziam só com o conhecimento que tínhamos por cá”, diz Adelino.
Entretanto, há algumas empresas estrangeiras a investir em produção por cá, como a francesa Marcel Robbez Masson – maior exportadora deste sector em Portugal – e a suíça FM Industries Sycrilor, que anunciou recentemente a intenção de abrir um complexo de polimento de metais na Covilhã que fornecerá marcas como Tiffany’s e Cartier.
Empresas estrangeiras de olho em Portugal não é novidade. Um estudo da McKinsey explica que a tendência é de que grandes empresas internacionais venham a adquirir pequenas joalharias nacionais. Tanto na Topázio como na J. Soares, a perspectiva de virem a receber propostas de compra é vista com naturalidade.
“Se alguém quiser entrar no capital da SA, desde que mantenha a empresa em funcionamento, a mim não me repugna”, assume Maria José Ferreira Marques, accionista individual de quase 11% da Topázio. Já Adelino diz que “pode acontecer uma venda no futuro. Não tenho medo disso. Não vou ficar aqui a vida inteira. Se baterem à porta, faz-se um preço”, brinca.